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Manifesto de uma poesia existencial*


Talvez poucos estejam dispostos a ler o mundo; talvez poucos estejam dispostos a ler o seu próprio íntimo; talvez poucos estejam dispostos a ler o que está nos livros e no coração do mundo; talvez poucos estejam dispostos a ler o que eu escrevo aqui...

Mas o que seria da arte, do desvelamento ou da poesia se houvesse rendição ou desistência? Porventura, o professor aprende, inspira e ensina enquanto o sábio ilumina, espera e tolera. Entretanto, quando impera numa nação o clamor de extremos e isso ainda é agravado por incitação e manipulação mentorada por uma minoria privilegiadíssima, facilmente a sensatez e o diálogo se perdem em detrimento ao antigo ato de digladiar ideologias na ilusão de ser uma solução enquanto, na verdade, tudo vai se tornando cada vez mais incipiente, diluído ou líquido parafraseando maliciosamente o sociólogo europeu Zygmunt Bauman.

Forças opostas no vigor de suas disposições bem intencionadas para a ação, quando desprezam as possibilidades de união e entendimento se perdem no afastamento do fundamental, presentes em si mesmas, no outro e na coletividade. Forças opostas, mesmo sem querer, no embate abrem a guarda necessariamente para a ocultação ou esquecimento do que realmente importa e deve ser tratado.

E por mais que se levante a guarda e se aperfeiçoe a movimentação, quando se ataca, assumimos o risco de um contra golpe ou, nesse caso, assumimos um risco de golpe e amarguras tremendamente duradouras. Talvez devessem perceber o valor da defesa e da ternura. Forças oposta quando escolhem extremos ao invés de uma justa medida, desprezam o amor e nutrem o ódio.

Ora pois, sem diálogo e a coragem para a busca de uma equação através do diálogo e do respeito às diferenças, o princípio vital da ética preconizada sistematicamente desde Aristóteles e muito antes do eurocentrismo se impor, já difundida na África na grandeza e profundidade do sentido e significado do que se convencionou chamar de Ubuntu, que tanto deveria ser reconhecido no âmago da cultura sul americana, tende a se tornar pueril, assumindo um caráter inegável de banalização, descuido e rasura.

É insano, ingênuo ou arrogante demais crer que seria solução cabível apenas uma banalização regida por extremos que de um lado demonizam pessoas e uma realidade e, de outro, apenas endeusam e abençoam. Isso, necessariamente, desvia, aliena e deturpa ainda mais o que é importante e urgente de fato implementar, isto é, efetivamente fazer valer a constituição, combater a corrupção punindo severamente os culpados através de julgamentos justos nos quais se apresentem provas concretas e não somente suspeitas, acusações infundadas e especulação.

E ainda, é sumamente necessário jamais deixar de lado a luta com justiça e sem perder o foco numa busca de uma reforma política abrangente e ao mesmo tempo profunda. Outrossim, desprivilegiar conquistas sociais, destituir direitos constitucionalmente adquiridos e estimular retrocessos que fortalecem doenças como machismo, racismo, homofobia e tantos outros preconceitos que depõe contra a democracia, a inclusão, a dignidade, as relações equânimes entre gêneros, certamente não é um caminho saudável e muito menos favorável verdadeiramente a nenhum um dos lados que se opõe com tanta veemência. Lindo mesmo seria denotar tamanha energia gerada por opostos transcendendo e se convertendo numa egrégora capaz de dar as mãos em prol da superação de tanta hipocrisia, abusos, desigualdades e misérias da alma regadas por incontáveis atos demagógicos.

Enfim, que prevaleça a esperança mas do verbo esperançar, jamais do verbo esperar, visto que esperançar implicar em correr atrás, buscar fazendo, logo, é uma remissão a fazer acontecer; que o esquecimento do outro, o desprezo a vida e ao equilíbrio, a superficialidade, a ignorância de si mesmo e dos fatos da história e de hoje tornem-se passado; e que, essencialmente, o amor prevaleça para a nossa própria salvação. Musa!

*Prof. Dr. Pablo Mendes
Filósofo. Mestre e Doutor em Educação. Filósofo Clínico.
Porto Alegre/RS

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