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Localização Existencial I*


Onde habitam nossos pensamentos ?

Talvez você nunca tenha parado para perceber a localização das coisas que lhe constituem enquanto sujeito. Talvez nunca tenha parado para localizar o seu pensamento, as suas emoções, as suas sensações. Talvez acredite que seu corpo estar em um lugar signifique que você também ali esteja, não é?

Trabalho em consultório com um método denominado Filosofia Clínica. Nele há algo chamado de Espacialidade, ou seja, a localização daquilo que habita dentro de cada um de nós. É algo simples e que pode nos livrar de uma série de problemas.

Certas queixas relacionadas a este assunto têm trazido muitas pessoas ao consultório ultimamente. Entre as frases que mais lhes exemplificam estão estas: nada tem graça nessa vida; não consigo curtir as coisas; não me sinto em paz esteja onde estiver; meus pensamentos não me deixam dormir; parece que nunca consigo descansar, sentir paz. Muitos destes sujeitos relatam uma constante sensação de que elementos sensoriais já não fazem mais efeito sobre o seu pensamento, as suas emoções, a sua alma. São pessoas que parecem não mais sentir seu corpo, exceto quando este começa a reclamar, a somatizar e a se tornar um problema.

Costumeiramente caminho em certos lugares desta bela Chapecó, tais como o Eco parque, e percebo fenômenos curiosos intimamente ligados a tais queixas. Por exemplo, por aquele lindo lugar, cheio de árvores, flores, água e até mesmo frutos, dependendo da época do ano, dezenas de pessoas encontram-se caminhando, seja sozinhas ou acompanhadas. Quase todas, porém, possuem algo em comum, parecem não estarem lá. E de fato, muitas delas não estão. Isto por que encontrar-se fisicamente em um lugar não significa estar de fato nele.

Como seria caminhar por um belo lugar como aquele estando de fato nele? Seria vivenciar o que ali existe. Seria sentir a terra e as pedras sob nossos pés, coisa que grossos tênis normalmente não permitem. Seria sentir o cheiro das amoras amadurecendo, o odor dos eucaliptos, curtir aquele pedacinho de mata, observar o pequeno lago. 

Seria vivenciar fisicamente aquelas belas árvores, e curiosamente a maioria das pessoas que por lá passa diariamente nunca tocou em uma delas. Seria se alegrar com o sorriso daquelas crianças correndo, entrando e saindo pelo parquinho infantil. Seria perceber o vento que faz aquelas altas árvores emitirem sons tão calmos em meio a uma cidade tão barulhenta. E claro, cada pessoa faz isso ao seu modo.

Porém, o que costuma se passar? As pessoas ali adentram e em questão de cinco, dez segundos, já estão pensando nos seus filhos, maridos ou esposas. Dali o pensamento delas já as leva para um compromisso do trabalho, o que segundos depois já as faz pensar naquilo que farão amanhã. E quando percebem estão irritadas, lembram-se de algo ruim e caminham mais rápido. E então, dez minutos depois, percebem que acabaram de dar a volta completa pela pista de caminhada. Param então para tomar água e voltam a fisicamente caminhar por aquele lindo lugar e seu pensamento volta a habitar em lugares abstratos, caóticos, aleatórios e muitas vezes "infernais".

*Gilberto Sendtko
Filósofo Clínico
Chapecó/SC

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