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O Filósofo Clínico e a Misericórdia*


Para os católicos este é um ano em que a misericórdia deve ser vivenciada de um modo mais concreto. O Papa Francisco proclamou 2016 como o Ano Santo da Misericórdia. Mas você filósofo clínico que não é católico, nem mesmo cristão, deve estar se perguntando: “O que a misericórdia tem haver com a Filosofia Clínica?”.

O termo “misericórdia” é formado pela junção de duas palavras em latim: miseratio (compaixão) + cordis (coração). Assim podemos dizer que misericordioso é todo aquele que tem um coração compassivo. Isto significa que você filósofo clínico que tem um coração compassivo é misericordioso, e isto independe se você professa alguma religião ou não. Até mesmo você que é ateu não deixa de ser misericordioso se cultiva na vida a misericórdia. A Filosofia Clínica é a arte do cuidado. Quem cuida ama e quem ama é misericordioso.

A Filosofia Clínica não é dogmática e nela há espaço para reflexões de todas as ciências, inclusive a teológica. Santo Tomás de Aquino, cujas obras tiveram grande influência na filosofia e teologia, em sua Suma Theológica, inicia uma reflexão sobre a misericórdia citando a definição que Santo Agostinho apresenta: “a misericórdia é uma compaixão do nosso coração pela miséria alheia, que nos leva a socorrê-la, se nos é possível” (Santo Agostinho, Civ. Dei IX, 5).

Para Tomás de Aquino a misericórdia é uma bem-aventurança e uma virtude (Suma. Theológica., I, q. 21); sendo ela o terceiro efeito da caridade. Ele escreve: “Com efeito, a palavra misericórdia significa um coração comiserado pela miséria alheia”. A misericórdia é sempre pela miséria alheia, pois não se pode ter misericórdia por algo bom. Ela é gerada pelo mal que alguém sofre, e não pelo mal que alguém pode causar. A virtude da misericórdia não está aprisionada apenas no quintal católico, mas sua abrangência é universal, pois é uma qualidade moral e ética presente ou não no coração do ser humano.

O filósofo clínico é aquele que exerce a misericórdia por excelência. Mesmo que não se queira usar este termo “misericórdia” a compaixão pela dor e miséria do outro é um ato misericordioso.

Todos carregam na alma marcas e dores, conflitos e feridas não cicatrizadas. O encontro do filósofo com o partilhante muitas vezes será um espaço para derramar o suave bálsamo da misericórdia e ajudar uma alma machucada encontrar a cura para suas mazelas presentes na historicidade.

Por isso mesmo, que todo encontro é sempre terapêutico, porque nele esta há oportunidade de viver a misericórdia como fonte de humanização e cuidado. Muito mais do que a cura, quem nos procura deseja encontrar um ombro que acolha as dores existenciais e caminhe junto colaborando na descoberta de novos horizontes.

Todo aquele que partilha a caridade para com o próximo já está enfaixando as feridas da alma com o silencioso curativo da misericórdia. 

*Pe. Flávio Sobreiro
Filósofo. Teólogo. Estudante de Filosofia Clínica
Cambuí/MG

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