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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"Não é à crítica que me quero referir, porque ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala. Repontar com isso seria, além de absurdo, indício de um grave desconhecimento da história literária, onde os gênios inovadores foram sempre, quando não tratados como doidos (como Verlaine, e Mallarmé), tratados como parvos (como Wordsworth, Keats e Rossetti) ou como, além de parvos, inimigos da pátria, da religião e da moralidade, como aconteceu a Antero de Quental, sobretudo nos significativos panfletos de José Feliciano de Castilho, que, aliás, não era nenhum idiota." 

"O princípio da cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. Quando um doido sabe que está doido, já não está doido. Estamos perto de acordar, disse Novalis, quando sonhamos que sonhamos."

"Se é este, porém, o efeito do ideal puramente objetivo nas almas inferiores, nos espíritos superiores, que são os suscetíveis de criar, o efeito é outro. Não podendo buscar consolação espiritual na religião, força é que a busquem na vida."

"(...) o heleno sentindo que a vida é imperfeita, busca aperfeiçoá-la em si próprio, vivendo-a com uma compreensão intensa, vivendo de dentro, como espírito, a essência do transitório e do imperfeito."

"Ora, um desvio patológico equilibrado é uma de duas cousas - ou o gênio ou o talento. Ambos estes fenômenos são desvios patológicos, porque, biologicamente considerados, são anormais; porém não são só anormais, porque tem uma aceitação exterior, tendo, portanto, um equilíbrio. A esse desvio equilibrado chamar-se-á gênio quando é sintético, talento quando é analítico; gênio quando resulta da fusão original de vários elementos, talento quando procede do isolamento original de um só elemento." 

"A vida de Caeiro não pode narrar-se pois que não há nela de que narrar. Seus poemas são o que houve nele de vida."

"Toda obra fala por si, com a voz que lhe é própria, e naquela linguagem em que se forma na mente; quem não entende não pode entender, e não há pois que explicar-lhe. É como fazer compreender a alguém um idioma que ele não fala."

"Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. (...) Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada, por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço."

"A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste."

*Fernando Pessoas in "Alguma prosa". Ed. Nova Fronteira. 1990. RJ

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