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Terapia x Fé*


Podem as crenças ser objeto de terapia ?

Uma pergunta muito comum durante minhas aulas é se a fé pode ser objeto de trabalho terapêutico em consultório. Sim, a fé pode ser objeto de trabalho terapêutico e é normal que assim o seja. Muitas pessoas possuem crenças de grande peso subjetivo, desempenhando funções importantes, servindo de base para suas formas de valoração, base para suas representações de mundo, para sua visão de si mesmo, para suas buscas, para seus limites e assim por diante.

Neste sentido, um dos assuntos mais tratados em consultório diz respeito ao fato do objeto da fé ser ou não condizente com a Estrutura de Pensamento do sujeito. Isto é muito comum com pessoas que se desenvolveram durante toda a vida dentro de uma crença e recentemente trocaram de religião por algum fator externo, por um casamento, por uma mudança de endereço ou por um conflito qualquer.

Nestes casos, a nova religião pode não ser condizente para com a pessoa, por exemplo. Digamos que uma senhora já de idade tenha nos procurado em consultório dizendo que não se sente bem em sua nova igreja. Ela nos diz que gosta do lugar, gosta das pessoas, gosta daquela crença, acredita naquilo que ali é colocado e tudo mais, mas sente que algo está errado, algo que ela não sabe identificar.

Pesquisamos então na historicidade dela (história de vida) e descobrimos que ela passou quase sua vida inteira em uma igreja católica, com uma fé fortemente sensorial, na qual havia uma relação com o divino através dos sentidos. Uma fé sentida através do toque nas estatuas, através das imagens nos vitrais, no cheiro do incenso, no toque na água benta, na sensação de solidão que o formato daquela igreja gerava em seu interior.

Agora, no entanto, ela se encontra em uma religião completamente desprovida de elementos sensoriais, sem imagens, sem objetos de toque, sem os cheiros, uma fé abstrata, perfeita para muitas pessoas, porém muito distinta daquela para o qual sua subjetividade se preparou ao longo da vida. Nestes casos é muito comum que tenhamos que trabalhar terapeuticamente o objeto desta fé e suas formas de relação.

Outro assunto muito comum em consultório dizer espeito à qualidade da relação que se estabelece com aquilo em que se acredita. Essa relação com o divino se dá de uma forma afetuosa, paciente, tranquila e leve? Você se relaciona com essa fé da mesma forma como se relaciona com um ente querido, com um amigo ou pai? Você dispõe de tempo, atenção, gratidão para com isto? Ou você possui aquelas relações rígidas, pesadas, nas quais você só procura pela crença quando necessita, na qual faz cobranças, na qual você joga suas frustrações e a qual funciona muitas vezes como um supermercado, aonde você pede tal coisa e oferece tanto em troca?

Considere as formas de relações que você estabelece com as pessoas queridas, próximas e importantes. É esse o tipo de relação que você possui para com aquilo em que você acredita? Para algumas pessoas estas formas de relação mostram-se extremamente problemáticas e necessitam ser trabalhadas terapeuticamente, para se desenvolver assim aspectos como paz, confiança, esperança e bem estar destro desta fé.

*Gilberto Sendtko
Filósofo Clínico
Chapecó/SC

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