Tu Tens um Medo
Acabar.
Não vês que acabas todo
o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo
dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades
imensas.
Até não teres medo de
morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens
amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses
outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que
ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à
felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum
destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo…
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os
caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença
silenciosa.
Todas as coisas esperam
a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas
esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua
renúncia!
Sem orgulho da tua
renúncia!
Abre as tuas mãos sobre
o infinito.
E não deixes ficar de
ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus
olhos
Humanos,
Esquecidos…
Enganados…
No momento da tua
renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor…
… E tudo que era
efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é
eterno.
*Cecília Meireles
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