Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de dezembro, 2016

Soneto da Manhã Primeira*

Quero a manhã exata, a manhã viva, pois estas luzes e estes vôos na aurora, são só ensaios de manhãs.   E agora  o que eu quero é a manhã definitiva, a autêntica manhã pura, exclusiva, manhã nascida de si mesma e fora desta jubilação falsa e sonora que só por um momento nos cativa. Ah, a manhã da última promessa, manhã de um novo mundo que começa, mais acessível, mais humano e bom. Meu Deus, seria como chegasse a manhã do primeiro sol que nasce, a cor primeira e do primeiro som. *José Chagas         

Geometria dos ventos***

Eis que temos aqui a Poesia, a grande Poesia. Que não oferece signos nem linguagem específica, não respeita sequer os limites do idioma. Ela flui, como um rio. como o sangue nas artérias, tão espontânea que nem se sabe como foi escrita. E ao mesmo tempo tão elaborada - feito uma flor na sua perfeição minuciosa, um cristal que se arranca da terra já dentro da geometria impecável da sua lapidação. Onde se conta uma história, onde se vive um delírio; onde a condição humana exacerba, até à fronteira da loucura, junto com Vincent e os seus girassóis de fogo, à sombra de Eva Braun, envolta no mistério ao                                        mesmo tempo fácil e insolúvel da sua tragédia. Sim, é o encontro com a Poesia. *Rachel de Queiroz **(Poesia feita em homenagem ao poema "Geometrida dos Ventos" de Álvaro Pacheco)

Apontamentos de lógica superlativa*

Existe um mundo exageradamente singular. O lugar constitui-se de eventos descritos num vocabulário de exuberâncias. Uma estrutura onde tudo se agiganta diante das expressões de êxtase. Sua sobrevida se alimenta de anúncios nos eventos realçados. Seu teor fantástico traduz rumores de imensidão. Seu ser extraordinário transborda numa perspectiva exaltada. Nas entrelinhas do discurso bem ajustado essa lógica dos excessos busca emancipar-se. Um devir assim aprecia o refúgio numa dialética dos sobressaltos. Ao sujeito constituído nalguma esteticidade, não é raro seu meio prescrever tipologias.  Ao surgir em intensidade máxima contrapõe-se a rotina mediana. Seu dizer superlativo emancipa o cotidiano para engendrar sonhos. Os relatos dessa linguagem sugere um brilho incomparável ao seu autor. Desdobrando-se para além dos territórios reconhecidos, modifica o lugar_espaço_tempo ao seu redor.   Uma fonte inesgotável de paixões renova suas armadilhas existenciais. Assim, caminhar

O Livro*

Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação. Em «César e Cleópatra» de Shaw, quando se fala da biblioteca de Alexandria, diz-se que ela é a memória da humanidade. O livro é isso e também algo mais: a imaginação. Pois o que é o nosso passado senão uma série de sonhos? Que diferença pode haver entre recordar sonhos e recordar o passado? Tal é a função que o livro realiza. (...) Se lemos um livro antigo, é como se lêssemos todo o tempo que transcorreu até nós desde o dia em que ele foi escrito. Por isso convém manter o culto do livro. O livro pode estar cheio de coisas erradas, podemos não estar de acordo com as opiniões do autor, mas mesmo assim conserva alguma coisa de sagrado, al

Caminhar à deriva*

O tempo não mudou, o que mudou foi a prioridade" Mario Sergio Cortella As pessoas escravizadas pelo conceito do trabalho limitam-se à prática da vida e não praticar a vida no seu uso mais ordinário, a de viver na busca de tudo e de nada, o de simplesmente viver o instante em cada investigação de sua subjetividade.  Depois, o mais adiante é o que está em frente a si mesmo, o prático da vida. Ter essa força interna faz com que lidamos melhor a vida, é como saber ouvir o som das coisas, como saber compreender o sentido da linguagem que sai dos sons, saber flutuar nas cores existentes na palheta do pintor. Sim, é preciso termos mais tempo no nosso tempo de pensar sem o pensamento prático, buscar um pouco mais o ato de indagar, o investigar é a esperteza que só aprendemos com a vida, com aqueles que souberam viver bem esse tempo.  Aí, a importância de um dia termos andado de mãos dadas com os pais, com a nossa mãe pelas ruas da cidade escura. A noite é o silêncio

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) o viajante apresenta um risco moral inegável, e isso por ser portador de novidades!" "É seu escapismo, essa capacidade de se movimentar, que o predispõe toda hora à sublevação, aos transbordamentos afetivos, à quebra da ordem estabelecida. O errante não perdeu nada em sua propensão ao movimento, até faz disso uma cultura, e isso é intolerável quando prevalecem os valores estabelecidos"  "A nostalgia do outro lugar engendra a errância que, por sua vez, favorece um ato fundador. A anomia e a efervescência são fundações sólidas de qualquer nova estruturação" "É uma boa metáfora do aspecto fundador do nomadismo que, por saber escapar da esclerose da instituição, pode ser eminentemente construtor" "Em constantes peregrinações, sempre à margem, vivendo e suscitando a aventura, o profeta está nas encruzilhadas. Seu discurso está sempre no limite, sua atitude é um desafio ao instituído. Seu discurso está sempre no limite,

Onde encontrar a poesia ?*

- Oi, quem bate? - É uma poesia!! Insiste a poesia Em bater levemente Assim, de forma tímida À portinha dum paraíso Coração feito abrigo Para que ele se abra Abracadabra!!! Desfaz o feitiço Pela doçura De alguma poesia Não existe Poesia em si Existe , sim, poesia em mim Existe , sim, Poesia em ti. Poderia ainda o amor Ser o contato Entre duas poesias? Até a queda livre pode ser livre... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Retrato do artista quando coisa*

A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas. *Manoel de Barros

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Descrevendo o lógos como um zôon, Platão segue alguns retóricos e sofistas que, antes dele, opuseram à rigidez cadavérica da escritura a fala viva, regulando-se infalivelmente sobre as necessidades da situação atual, as expectativas e a demanda dos interlocutores presentes, farejando os lugares onde ela deve se produzir, fingindo curvar-se no momento em que ela se apresenta ao mesmo tempo persuasiva e constrangedora. O lógos, ser vivo e animado, é também um organismo engendrado" "O  lógos é, pois, o recurso, é preciso voltar-se para ele, e não somente quando a fonte solar está presente e nos ameaça queimar os olhos se os fixarmos nela; é preciso ainda voltar-se para o lógos quando o sol parece ausentar-se em seu eclipse. Morto, apagado ou oculto, esse astro é mais perigoso do que nunca" "Durante o reino de Osíris (rei-sol), Thot, que era também seu irmão, 'iniciou os homens nas letras e nas artes', 'criou a escritura hieroglífica para

Desejos*

Há muito, muito tempo começamos a gestar o micróbio da realidade que temos agora. Os anos calcificaram tanto a percepção até não mais lembrarmos que as agruras enfrentadas são justamente os males um dia pensados, materializados nas condições físicas e materiais do entorno ora vil. Um ditado para isso: “cuidado com o que desejas, pois pode se realizar”. Naquele tempo, não se sabia do “Segredo”, essa geração espontânea a partir do pensamento. E foi-se, dia após dia, não podendo mudar as circunstâncias nem a si mesmo, elaborando pragas e perjúrios, fornecendo substância para o que seria, no meio da jornada, uma pedra oca a guardar a escuridão. Numa estrada de terra no meio do quase nada, o motorista diz: “Olhe como são as coisas. Quando eu era menino, ficava andando nas estrada no Ceará, andava muito mesmo; de vez em quando, pegava carona e eu pensava – ainda vou dirigir um carro por essa terra toda. E hoje to aqui, sou motorista”. Por isso a gente precisa planejar o que quer

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) o Viajante curioso é para o Passageiro responsável aproximadamente o que o camaleão era para o urso. O primeiro investigador, etnógrafo, no limite, espião, para recolher conhecimento, tem antes de mais nada necessidade de se fazer admitir no espaço-tempo onde transita: é por isto que, seja qual for o lugar onde se introduz, ele tem que se disfarçar segundo a 'cor local', até quase confundir-se com o Outro, sem chegar, no entanto, jamais a querer se fundir nessa identidade diferente (...)" "(...) Desse ponto de vista, a mudança, esperada, desejada, assumida, torna-se paradoxalmente produtora de identidade. Aderir a ela, não é nesse caso 'morrer um pouco' deixando partir, como o que foi, uma parte de si que não será mais: é talvez, exatamente ao contrário, um dos meios mais elementares de afirmar sua própria existência, tanto ao olhar de si mesmo como diante de outrem. É mudar se não 'a vida', em todo caso, o sentido de sua própria v

Parafraseando***

Antes de libertas, As palavras sonham. A emoção, então, prevalece E a razão se aquieta O sonho das palavras é destemido É urgente! As sensações estão presentes E as palavras brotam. Veem com os olhos do coração Ouvem o que com elas se parece E retumbam, céleres os seus anseios. Palavras vão, palavras sonham Sonhos utópicos e realizam o seu espanto... Destroem, constroem em devaneios O destino a elas se apresenta em forma de labirinto Um rascunho, pelo meio...incompletas... À moda de mensagens certeiras, destemidas. Ilegíveis, inaudíveis? Talvez... Mas, por vontade, realizáveis São fortes as palavras tímidas... A mesma natureza, que as move, Faz do rascunho que elas montam O percurso das ideias proibidas Em busca da fresta que as conduza Por aquelas zonas indecifráveis. Por que, então, o sisudo discurso Em tensos rompantes, já esquecido? Discurso inaudível, invisível sim Pois as palavras ditas se esvaem ... As ai

Noite*

“O sol data o tempo interpretado nas ocupações.” Martin Heidegger Eu não sei se a solidão maior é estar sozinho ou é estar diante das certezas absolutas da vida. Se a certeza é uma definição, o absoluto de todas as coisas afunda-se nas incertezas de algo que é coisa do humano, demasiado humano.  Estamos envolvidos até a morte com as certezas.  O sujeito chega e solta sua sentença, ele vem com suas armas de morte, não de vida, pois a vida está bem distante das certezas do sujeito que as sentencia. É melhor tomar conta da vida que simplesmente desaparecer. *Prof. Dr. Luis Antonio Paim Gomes Filósofo. Editor. Livre Pensador. Porto Alegre/RS

Clarice Lispector entrevista Pablo Neruda*

Clarice Lispector — Você se considera mais um poeta chileno ou da América Latina? Pablo Neruda — Poeta local do Chile, provinciano da América Latina. Clarice Lispector —Escrever melhora a angústia de viver?   Pablo Neruda — Sim, naturalmente. Tra­ba­lhar em teu ofício, se amas teu o­fí­cio, é celestial. Senão é infernal. Clarice Lispector — Quem é Deus?   Pablo Neruda — Todos algumas vezes. Nada, sempre. Clarice Lispector — Como é que você descreve um ser humano o mais completo possível?   Pablo Neruda — Político, poético. Físico. Clarice Lispector — Como é uma mulher bonita para você?   Pablo Neruda — Feita de muitas mulheres. Clarice Lispector — Escreva aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento?   Pablo Neruda — Estou escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos? Clarice Lispector — Em que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?   Pablo Neruda — Acredite-me tolo ou patriótico,

Leitor incomum*

“(...) Suas palavras chegavam aonde outros não conseguiam.”                     Virginia Woolf Um dizer protagonista aprecia surgir na vida do texto. Sua mensagem parece se divertir em passar despercebida a primeira vista. A textura inaudita ressoa poesia, musicalidade, convida ao sonho da vida real. Sua eficácia parece estar associada à multiplicação dos significados, reinvenção dos sentidos, descrição de um discurso a se traduzir como a própria autoria. Com ele a pluralidade de eventos, personagens se desdobra nas páginas da obra, uma trama convidativa às transgressões do leitor singular.    A essência da leitura parece ser a qualidade da interseção entre autor e leitor. As revisitas ao teor discursivo inicial, recheado de nuanças, brechas, incompletudes, dão boas vindas ao estranhamento dos originais. Esses momentos restariam perdidos sem a aptidão multiplicadora das palavras.      Uma de suas expressividades é apontar o que não pode ser dito naquilo que se di

Os Ombros Suportam o Mundo*

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus. Tempo de absoluta depuração. Tempo em que não se diz mais: meu amor. Porque o amor resultou inútil. E os olhos não choram. E as mãos tecem apenas o rude trabalho. E o coração está seco. Em vão mulheres batem à porta, não abrirás. Ficaste sozinho, a luz apagou-se, mas na sombra teus olhos resplandecem enormes. És todo certeza, já não sabes sofrer. E nada esperas de teus amigos. Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação. *Carlos Drummond de Andrade

Milagres*

Ora, quem acha que um milagre é alguma coisa de especial? Por mim, de nada sei que não sejam milagres: ou ande eu pelas ruas de Manhattan, ou erga a vista sobre os telhados na direção do céu, ou pise com os pés descalços bem na franja das águas pela praia, ou fale durante o dia com uma pessoa a quem amo, ou vá de noite para a cama com uma pessoa a quem                                                                                      /amo, ou à mesa tome assento para jantar com os outros, ou olhe os desconhecidos na carruagem de frente para mim, ou siga as abelhas atarefadas junto à colmeia antes do meio-dia de verão ou animais pastando na campina ou passarinhos ou a maravilha dos insectos no ar, ou a maravilha de um pôr-de-sol ou das estrelas cintilando tão quietas e brilhantes, ou o estranho contorno delicado e leve da lua nova na primavera, essas e outras coisas, uma e todas — para mim são milagres, umas ligadas às outras ainda

Visitas