Se deixar, eu me
apaixono por todo mundo
só que nem sempre
minhas paixões envolvem sexo
- quase nunca
e aí é que ninguém
entende
É que de onde venho,
nós vivemos em estado de graça
uns pelos outros
e só nos casamos quando
concebemos um filho
- naturalmente
e nem sempre vivemos
embaixo do mesmo teto
é que de onde venho não
existe teto
o que coroa nossas
cabeças se chama amor
*
Todo mundo vai e eu
fico. Olha lá todo mundo indo e eu fico. Todo mundo
vai. Tem, tem assento
vago ainda, eu fico. Todo mundo vai e eu fico. Olha lá
o moleque entrou, todo
mundo indo, e eu fico. Eu fico porque que de repente
cai chuva grande. Aí
você, vai também que é pra cair chuva grande. Vai que
eu fico. Eu fico e todo
mundo vai. Eu fico, sempre de olho grande esperando a
chuva. Vendo todo mundo
ir. Vai todo mundo. Eu fico.
Ficamos, eu, a chuva
que vai que cai, a rodoviária.
*
A poesia é um idioma.
Cada um tem o seu,
e há quem fale e
entenda vários. Qualidade
não conta. Não existe
idioma de qualidade.
O valor de um idioma é
identificar. Vai daí
que cada um conversa
mais com quem fala
a mesma língua.
*
Quem
de qual barro
a que molde
quem molda
quais tintas
quantas
qual carne
se tantas
se tentas
quem eras
quais eras
emboras
se tanto
plural
se pouco
afloras
*
Deus me livre de ser o
mesmo
hoje amanheci outro
amanhã serei outro
outro
depois ainda outro
e além, já outro
Porque vai chegar o dia
em que não me lembrarei
de mim, mesmo
E só então poderei ser
todos esses outros
outros
por inteiro
*Ana Peluso
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