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Mostrando postagens de setembro, 2017

Mais do que erudito, o estudante de Filosofia deve ser um pensador*

A concepção do estudo filosófico como um processo de aquisição de conteúdos, a ponto de tornar o estudante um erudito, não só é recorrente como constitui uma característica comum quando se pensa em uma formação filosófica. É nesse sentido que Folscheid e Wunenburger afirmam que: “A tentação clássica de muitos estudantes sérios é [...] enxergar com complacência essa operação de recuperação, que consiste em suprir as próprias fraquezas pela riqueza de pensamentos que se acumulam como bens adquiridos”[1]. Trata-se, portanto, de uma tentação que não se encontra somente presente na vida do estudante mediano, como também na prática dos estudantes sérios. Desse modo, ao ceder a essa tentação, o estudante torna-se pronto para defender todas as questões apresentadas pela filosofia valendo-se, para isso, daquilo que os outros filósofos disseram. Com isso, um estudante de filosofia, tratará a filosofia como um corpo de respostas às perguntas que lhe são feitas ou como um oráculo

Mundo*

                         “A compreensão significa o projetar-se em cada possibilidade de ser-no-mundo [...] existir como essa possibilidade.” Martin Heidegger O mundo é velho, vejo a foto, vejo a vida, O mundo não passa da minha memória, ele se perde. O mundo é uma árvore que virou pedra, o mundo é mais velho que minha dor. O mundo circula a Terra, a velhice é o mundo, meu capuz é velho, tão velho que minha amada foi embora para outro mundo. O mundo é o tempo que levo até meu trabalho, o lugar que invento mundos, que envelheço com minha dor e procuro fugir deste mundo naufragado, meu país é novo. Sou velho demais para o meu País. Pudesse eu, se quisesse, te daria um mundo, o melhor dos mundos. Não posso comprar nada, nem tudo nem nada, te devolvo os sonhos. Vou dar a volta ao mundo, circular é a fonte de vida, quando menos se espera tem uma nascente. *Prof. Dr. Luis Antonio Paim Gomes Filósofo. Editor. Livre Pensador. Porto Alegre/RS

Aprendimentos*

O filósofo Kierkegaard me ensinou que cultura é o caminho que o homem percorre para se conhecer. Sócrates fez o seu caminho de cultura e ao fim falou que só sabia que não sabia de nada. Não tinha as certezas científicas. Mas que aprendera coisas di-menor com a natureza. Aprendeu que as folhas das árvores servem para nos ensinar a cair sem alardes. Disse que fosse ele caracol vegetado sobre pedras, ele iria gostar. Iria certamente aprender o idioma que as rãs falam com as águas e ia conversar com as rãs. E gostasse mais de ensinar que a exuberância maior está nos insetos do que nas paisagens. Seu rosto tinha um lado de ave. Por isso ele podia conhecer todos os pássaros do mundo pelo coração de seus cantos. Estudara nos livros demais. Porém aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar. Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens. Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno grilo, podia desmontar os silê

Ensinamento*

Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento. Aquele dia de noite, o pai fazendo serão, ela falou comigo: "Coitado, até essa hora no serviço pesado". Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente. Não me falou em amor. Essa palavra de luxo. *Adélia Prado

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) a literatura de Noll (João Gilberto Noll) tira sua força da vida interior e de seus abismos, não dos fenômenos sociais, ou naturais, disponíveis a médicos e sociólogos" "Como Clarice e Kafka, é um escritor que pouco está se importando com a tradição literária, com o desenrolar monótono de tendências e de gêneros, ou mesmo com a recepção do que escreve - até porque cada leitor lê aquilo que quer e que pode ler, e nada mais" "Uma literatura que se calca no inconsciente e que se move nas frestas do irracional, que se faz às cegas e a cada passo, não seguindo manuais de boa conduta, não pode mesmo se pautar pela lógica e pela significação transparente" "Rilke (Rainer Maria Rilke) não separa poesia e vida mas, ao contrário, vê a poesia como o resultado de uma atitude existencial particular, aquela que se pauta não pelo alinhamento a grupos ou tendências literárias, mas pela absoluta solidão" "Em seu refúgio, Hilda (Hil

Uma arqueologia das lembranças*

A gente até que tenta Distorce, retorce De novo tenta Inventa, inocenta Engavetar o tempo Passar a chave Passar a tranca... Memórias Lembranças Atravessam paredes! A gente até que tenta Um novo disfarce Inventa outra cena Acena pras sombras Pras sobras Cava sepulturas E acaba-se Arqueólogo Das lembranças Da memória E se acaba Antropólogo De penadas almas Nostálgicas! *José Mayer Filósofo. Poeta. Livreiro. Especialista em Filosofia Clínica. Porto Alegre/RS

Sou*

Sou o que sabe não ser menos vão Que o vão observador que frente ao mudo Vidro do espelho segue o mais agudo Reflexo ou o corpo do irmão. Sou, tácitos amigos, o que sabe Que a única vingança ou o perdão É o esquecimento. Um deus quis dar então Ao ódio humano essa curiosa chave. Sou o que, apesar de tão ilustres modos De errar, não decifrou o labirinto Singular e plural, árduo e distinto, Do tempo, que é de um só e é de todos. Sou o que é ninguém, o que não foi a espada Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada. *Jorge Luis Borges

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz" "(...) o rosto que o espelho reflete é igualmente aquele que o contempla" "A identidade das coisas, o fato de que possam assemelhar-se a outras e aproximar-se delas, sem contudo se dissiparem, preservando sua singularidade, é o contrabalançar constante da simpatia e da antipatia (...)" "A linguagem não é um sistema arbitrário; está depositada no mundo e dele faz parte porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam seu enigma como uma linguagem e porque as palavras se propõem aos homens como coisas a decifrar" "(...) se a língua é uma ciência espontânea, obscura a si mesma e inábil - em contrapartida é aperfeiçoada pelos conhecimentos que não se podem depositar em suas palavras sem nelas deixar seu vestígio e como que o lugar vazio de seu conteúdo" "O que erige a palavra como palavra e a ergue acima dos

Dançar e Punir*

“E assim, à medida que o sol se punha, uma visão foi se impondo aos meus olhos.” Antonin Artaud Nas redes sociais as pessoas que gostam de legitimar a cultura do óbvio, da constatação, da quantidade, essas, emburreceram de vez. Jogam suas frustrações na falta de tempo para compreender a vida, naquilo que ela possa nos apresentar de novo, de desconhecido. A vida é o tempo de todas as coisas, o mais simples é o extremo, destruidor ou construtivo: arrasar ou adorar. É mais fácil primeiro adorar, depois, em outro sentido, destruir o pensamento contrário; sem se dar conta, pode-se estar cavando o próprio erro: o fim é o limite para o pensamento duro. O que vem a ser o pensamento duro, bruto? É o pensar dentro da construção cultural dual, em que existem os polos do bem e do mal. Essa religiosidade racional é parte da vida, é claro, não serei eu a refutar todas as manifestações pelo simples fato de pensar diferente. Eis a reflexão dos frágeis, pensar, refletir, o contra

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

(...) Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito. Eu pensava que fosse um sujeito escaleno. - Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse. Ele fez um limpamento em meus receios. O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas… E se riu. Você não é de bugre? – ele continuou. Que sim, eu respondi. Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas - Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros. Há que apenas saber errar bem o seu idioma. Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de gramática. *Manoel de Barros

A lua e os sonhos*

Tremendo. Frio nos ossos. Entardecer róseo na alma. Fresta entre os dois mundos. O que está para além do horizonte? Vastidão do infinito. O que sempre foi e será. Mundo das possibilidades. Colcha de cristais e fios de seda. Olimpo inteiro. Planetas e Deuses. Naves espaciais e anjos. Realidades paralelas. Tremendo. Fogueira acesa. Ventos limpando arestas. Bacantes dançando à Dioniso. Lua nova plantando sonhos. Prenúncio de flores... Desejos renascendo do coração. Saturno despede da retrogradação. Todos respiram aliviados. Por enquanto, na casa do Centauro, Ele planeja uma faxina mais leve. A noite chega com céu estrelado O frio continua intenso. A fogueira esquenta a alma. E a lua nova traz fio de esperança. Para quem sabe e compreendeu! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Filósofa Clínica. Livre Pensadora. Juiz de Fora/JF

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Devo frisar que, desde sempre, o ato de pensamento esteve voltado para os que se fazem perguntas, e não para os que já têm as respostas" "O sentido para a pessoa é fornecido pela pluralidade das máscaras que a constituem, e pelo contexto no qual suas diversas máscaras poderão expressar-se" "O próprio do sonho é efetivamente escapar a uma lógica de controle de si mesmo" "As máscaras pós-modernas estão sob influência. Influência de coisas, de problemas ancestrais. Traduzem a força impessoal que, de forma subterrânea, vem de muito longe, e às vezes se exprime à luz do dia" "Nascer com o mundo sem passar pelas palavras, eis efetivamente o que parece estar em jogo em todas as práticas tribais e em seus excessos" "No caso, a adesão aos totens coletivos parece-me traduzir um (re)conhecimento de si como resultado de um devir. Todos estamos na estrada. A realidade é estruturalmente impermanente" "O gê

Filosofia Clínica: retomada do olhar filosófico*

 “Somente quando a estranheza do ente nos acossa, desperta e atrai ele a admiração. Somente baseado na admiração [...] surge o ‘porquê’. Somente porque é possível o porquê enquanto tal, podemos nos perguntar, de maneira determinada, pelas razões e fundamentar. Somente porque podemos perguntar e fundamentar foi entregue à nossa existência o destino do pesquisador.” (HEIDEGGER, Martin. O que é Metafísica?. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 242.) Hoje a filosofia acadêmica ensinada nas faculdades e universidades tende a ser uma grande assimilação dos conteúdos escritos dos pensadores que nos precederam. Heidegger nos advertia em suas obras sobre a possibilidade mais comum entre os homens, que é o de estar na inautenticidade. Esta consiste no olhar derivado do mundo, na perspectiva mais cotidiana, vivendo segundo o que “se diz”. Ao contrário da autenticidade, que se dava com o olhar mais voltado para o espanto e admiração diante do que nos rodeia ou constitui

Ismália*

Quando Ismália enlouqueceu, Pôs-se na torre a sonhar… Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar. No sonho em que se perdeu, Banhou-se toda em luar… Queria subir ao céu, Queria descer ao mar… E, no desvario seu, Na torre pôs-se a cantar… Estava perto do céu, Estava longe do mar… E como um anjo pendeu As asas para voar… Queria a lua do céu, Queria a lua do mar… As asas que Deus lhe deu Ruflaram de par em par… Sua alma subiu ao céu, Seu corpo desceu ao mar… *Alphonsus de Guimaraens

A palavra reminiscência*

As narrativas da historicidade, ao reviver antigas memórias, atualizam uma retórica das evidências. Assim é possível a reinvenção pessoal na própria história. Sua matéria-prima, ao mesclar-se com os dias de hoje, é capaz de novas interseções na estrutura de pensamento. Essa intencionalidade discursiva emancipa periferias de si mesma. Ao rememorar eventos, esses já são outros eventos. As novas ideias e vivências, ainda na perspectiva subjetiva, podem modificar a malha intelectiva. Esse movimento permite a contemplação e qualificação do ser singular na alternância dos endereços existenciais. É comum que as antigas referências de lugar, tempo e circunstância apresentem, ao olhar de agora, um território de estranheza, o qual, ao transbordar, traduz-se como ressignificação. A reapresentação dos dados da memória atualiza o discurso pessoal para sobreviver. A aptidão de rememorar, ao transportar e modificar suas representações, esboça uma estética para decifrar incógnitas. Su

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Uma intuição não se prova, se vivencia" "O tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas" "Como realidade, só existe uma: o instante. Duração, hábito e progresso são apenas agrupamentos de instantes, são os mais simples dos fenômenos do tempo" "(...) Mas, por firmes que sejamos, jamais nos conservamos inteiros, porque nunca fomos conscientes de todo o nosso ser"  "Para as concepções estatísticas do tempo, o intervalo entre dois instantes é apenas um intervalo de probabilidade; quanto mais seu nada se alonga, maior é a chance de que um instante venha terminá-lo" "(...) leva em conta não apenas os fatos, mas também, e sobretudo, as ilusões - o que, psicologicamente falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do espírito é ilusão antes de ser pensamento" "Mas a função do Filósofo não será a de deformar o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrat

Desfabricar*

“[...] mas só porque tínhamos de nos cingir aos fatos não queria dizer que devíamos deixar de pensar ou não era permitido usarmos a nossa imaginação...” Paul Auster A verdade é que quando escrevemos, digo, escrevo no impulso. A razão nunca abandonou-me, exceto no momento em que tenha perdido totalmente a fé na lei sonhada pelos homens, regida por uma onipotência, vontade acima dos homens, exceto, diante da razão traiçoeira. A razão ou fé, pensei: a luz no fim do túnel, é a única que me engana [...]  Andei pensando em fazer uma saída do Rio Grande do sul, ou seja, esquecer por lapso de tempo não compreendido, levar a bandeira da vitória ou da derrota, pior, achar que se é na identidade que a alma deva ser reconfortada...Me perco, estou à deriva. Os braços avançam pretensamente à margem do nunca encontrado outro lado da paz. Um rio tem sua extensão de medo e finitude. A existência requer mais do que braços longos e ágeis, precisa ter técnica, unidade e fragmento a cortar o

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) temos de descobrir a linguagem, como estamos descobrindo o espaço; o nossos século será, talvez, marcado por essas duas explorações" "(...) os desvios (com relação a um código, a uma gramática, a uma norma) são sempre manifestações de escritura: onde se transgride a norma, aparece a escritura como excesso, já que assume uma linguagem que não estava prevista" "O escritor está condenado a trabalhar sobre signos, para variá-los, desabrochá-los, não para deflorá-los: a sua forma é a metáfora, não a definição" "Repetir o exercício (ler várias vezes o texto) é liberar pouco a pouco os seus 'suplementos'" "De todas as matérias da obra, só a escritura, com efeito, pode dividir-se sem deixar de ser total: um fragmento de escritura é sempre uma essência de escritura. Eis por que, quer se queira quer não, todo fragmento é acabado, a partir do momento em que é escrito" "(...) a escritura começa onde a fa

Problemas de casamento*

Aconteceu com meu pai, e só fui saber agora, dois anos depois do seu falecimento. Certa vez uma noiva ao entrar na igreja, desencadeou uma crise de falta de ar tão intensa, que precisou ser levada ao hospital. Foi atendida por meu pai, especialista em asma e alergia, porém não conseguiu se recuperar a tempo de retornar à cerimônia. Infelizmente o casamento teve que ser cancelado. Convidados e familiares ansiosos, constrangidos e preocupados aguardaram na igreja até receberem a noticia de que a noiva passava bem e remarcaria uma nova data para o evento. Imaginem a situação do noivo. Passada a crise, Anita, a noiva, iniciou um tratamento medicamentoso a base de vacinas dessensibilizantes e, concomitantemente, uma terapia de apoio, pois ataques de asma podem ser provocados por abalos emocionais. Combinaram que a data do matrimônio seria marcada quando médico, psicólogo e noivos estivessem tranqüilos de que aquela cena não mais se repetiria. Três meses depois, Anita casou sem

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