- Nosso relacionamento
é aberto ou fechado?
- Por mim tanto faz.
- Desculpa, mas para
mim não é assim. Só consigo me relacionar se houver fidelidade conjugal.
Relacionamento fechado.
- OK, combinado.Vamos
fechar, mas precisamos esclarecer algumas questões. Se meu personal trainer
convidar para um café depois da aula e eu aceitar, isto é considerado
infidelidade?
- Claro que não.
- Preciso lhe contar
sobre o café? Não aconteceu nada, conversamos sobre dieta e exercícios.
- A principio, não é
necessário que eu saiba tudo sobre sua vida. Tudo certo querida.
- Na outra semana, o
personal me convida pra jantar. Não vai
rolar nada proibido, ele só quer me apresentar um programa de treinamento para
a maratona de abril.
Preciso lhe contar? Você acha isto uma forma de
infidelidade conjugal?
- Confio em você
querida, não precisa contar.
- Quinze dias depois,
você vai viajar e o personal me convida para assistir um filme sobre a maratona
de Paris em seu apartamento. Oferece-me um vinho, fico um pouco tonta e durmo
com ele. Quando você retorna, exponho o que aconteceu e comunico que nosso
relacionamento, antes fechado, agora deixou de ser. Você acha que ao narrar o
fato fui fiel ou infiel a você?
Limite é uma linha que
delimita, separa, divide, afasta. Fisicamente pode ser representado por cercas,
paredes e grades que dificultem a passagem de penetras indesejados. Dependendo
do contexto, podem proteger ou vulnerabilizar. Minha dúvida é saber se, de
fato, limites afastam ou são convites para invasões. Assaltantes preferem
invadir mansões protegidas por muralhas ou casebres indefesos?
Cercas existenciais
também são divisões que colocamos em nossas vidas e na vida dos outros. Servem
para manter pessoas fora ou para aprisionar dentro. São bem menos delimitadas e
muito mais frágeis que cercas físicas. Podem ser questionadas, alteradas, esticadas,
ultrapassadas e até mesmo destruídas com o poder da palavra. Promessas e bons
argumentos costumam remover paredes, mas os resultados nem sempre são
promissores.
Para alguns, fidelidade
é uma cerca existencial que se resume apenas ao lado hormonal. Relacionamento
sexual fora do casal é traição. Ponto final,
todo o resto é permitido. Para
outros, fidelidade abrange bem mais que contato físico. Envolve também
pensamentos, confiança, cumplicidade, sentimento, valores, preconceitos. Para
esses, a cerca é quase uma muralha.
Até onde vai a
fronteira da fidelidade? Será que João não traiu Maria todas as vezes que foi
indiferente aos limites que impunha e ela questionava ameaçando transgredi-los?
Ultrapassar limites seria um erro maior do que ficar aquém destes?
Aceitar um convite para
jantar é um gesto de educação, mas qual o limite das concessões sociais? Às
vezes o terreno é pantanoso, e onde o piso aparenta ser firme, uma taça de
vinho pode desequilibrar a estrutura.
Vivemos uma época de
limites nebulosos e até mesmo ausentes. Alguns casais, inseguros no
relacionamento amoroso, precisam a todo custo colocar uma baliza qualquer para
validar seus valores morais e sociais. Idealizam cercas para se aprisionar
mutuamente, sem se dar conta que estão se posicionando como controlador e
propriedade.
A obrigação de não
ultrapassar o limite imposto faz com que o amor fique em segundo ou terceiro
plano. Muitas vezes, é justamente a retirada do balizamento que determina de
fato e de direito o limite, que não deveria ser a cerca e sim o sentimento e a
sensibilidade. Relacionamentos deveriam ter limites ou horizontes?
Portas abertas nem
sempre são um convite para entrar ou sair.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Filósofo Clínico.
Porto Alegre/RS
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