Parte III
Outro ponto que merece
destaque na obra de Strassburger, e em sua concepção de quem é o filósofo
clínico, é a “interseção”. Além de empatia, amizade e confiança entre filósofo
e partilhante, o autor nos apresenta a mesma com algo mágico e dedica, dentro da
obra, um capítulo inteiro a esta questão tão importante no processo
terapêutico. Já no início de sua narrativa nos adverte:
“Existe um ponto de
frágil equilíbrio nas relações entre as pessoas. Alianças para aproximação com
o extraordinário da condição humana. Pelas rotas de acesso, a representação de cada um, vastos e
inexplorados continentes podem se mostrar.” (Strassburger, 2007)
Aqui o autor nos coloca
frente à natureza da interseção que deve ser sempre alvo de cuidado do
cuidador, pois qualquer agendamento indevido pode abalar a qualidade da interseção.
Por isso Hélio a trata como algo inebriante, algo que envolve numa só nuvem de
clareza tanto o filósofo quanto o partilhante. Essa é a mescla entre filósofo e
partilhante a que se refere Strassburger: “Pela via da interseção, peculiares
experimentações se oferecem ao papel existencial do ser terapeuta. Fenômenos a
constituírem mensagens em busca de tradução.” (p.13) Porém, não é sem risco que
o filósofo percorre o mundo do outro. Hélio adverte que se o clínico não
estiver de posse de sua estruturação como pessoa e como clínico, esse possível
desconhecimento pode representar um entrave no processo terapêutico,
prejudicando a reciprocidade em clínica. Portanto, para o autor, além do conhecimento
de sua própria estrutura é requisito fundamental ao clínico a suspensão dos juízos
da pessoa do filósofo. Afirma também que os riscos que estão envolvidos na relação
filósofo clínico/partilhante são partes constituintes do ser terapeuta.
Outro ponto tratado pelo
autor em relação à sua concepção sobre o filósofo clínico é com respeito à
formação. Inicialmente ele está de acordo com as clássicas concepções apresentadas
anteriormente que são decorrentes da estrutura curricular. Para ser filósofo clínico
é necessário ter curso superior em filosofia em faculdade reconhecida pelo MEC,
cursar a especialização e em seguida a formação, trazendo consigo as vivências
e as pesquisas, além de passar pela clínica didática e estágio supervisionado.
Porém, de acordo com
Strassburger: “Como novo paradigma, a Filosofia Clínica experiencia
perplexidades inevitáveis no contexto da história das terapias. Propõe ruptura
e mudança ao apontar novos rumos. Um descortinar de horizontes, até então tidos
como inexistentes.” (p.96)
A fala do autor, sobre
as questões paradigmáticas, nos remete ao pensamento de Thomas Kuhn quando em
sua obra “A estrutura das revoluções científicas” (1962) afirma que a vantagem
de um paradigma é que ele concentra em si a pesquisa. Sem um paradigma,
cientistas e estudiosos acumulam pilhas diferentes de dados quase ao acaso e ficam
todos ocupados demais em dar um sentido ao caos e derrotar as teorias
concorrentes para progredir de forma consistente. O problema, com os paradigmas
de acordo com Kuhn, é que eles tendem a se tornarem fechados e rígidos. Novos
avanços tornam-se cada vez mais acessíveis apenas a quem os professa. Os
cientistas que têm alguma coisa a oferecer,
mas rejeitam o paradigma, são frequentemente descartados e tidos como "excêntricos".
Caminhos de pesquisa potencialmente frutíferos são bloqueados porque não partem
de premissas aceitas. Embora possibilite descobertas, todo paradigma, é também
um tipo de cegueira: ele nos dispõe a enxergar algumas coisas e a ignorar inteiramente
outras.
Já para Strassburger:
“Os pesquisadores em
busca de fundamentações, teórica e prática, para estudos em nova abordagem,
deverão incluir, necessariamente, na sua bagagem de investigações, o convívio
diário com a defesa intransigente com a ciência normal. (...)
As ideias e abordagens
recém-descobertas não buscam justificar suas antecedentes, apresentam-se como
reflexão crítica e desconstrução. Oferecem opções ao apontar caminhos de
contramão ou mão nenhuma. Propondo superação, revelam possibilidades até então
desmerecidas como contradição insuperável. Uma fenomenologia em desdobramentos
de originalidade descortina-se ao olhar do descobridor.” (p.97)
Hélio não descarta,
pelo contrário, julga necessário para o estudante o diálogo com antigos
paradigmas para que assim se possa compreender e aceitar o novo. Contudo, para o
autor os estudos devem propiciar escolhas aos estudantes e não conceitos e
dogmas prontos e acabados. Também acredita que a vivência da teoria no mundo
real (na prática) é fundamental para a construção do ser terapeuta. Podemos
entender que para Strassburger não há espaço apenas para a prática ou para a
teoria na formação do filósofo clínico, há que se estabelecer “uma relação
afinada entre fundamentação teórica e fundamentação prática. A partir de onde
as expressividades podem elaborar-se ao papel existencial do filósofo clínico.”
(p.98)
Há também uma postura
muito clara do autor em relação à partilha entre a formação do filósofo clínico
e a composição de teses de doutorado ou dissertações de mestrado, ou mesmo
qualquer outro estudo teórico que venha a atrasar ou dificultar o processo de
formação do filósofo clínico. O autor se mostra contra essa partilha e deixa-nos
bem claro que a filosofia clínica costuma “ser uma companheira ciumenta” e que exige
atenção em tempo integral. Claro está que essa postura é vinda da singularidade
de Hélio e muitos podem ou não concordar com ela. No entanto, convém ressaltar
que para o autor a formação do filósofo clínico inicia-se antes da
especialização, visto que este já deve estar disposto a enfrentar a caminhada
sem pular etapas, e ainda prossegui-la depois da parte teórica.
“Prosseguindo num contexto de formação
continuada, os grupos de estudo se mostram eficazes. As publicações e demais
espaços de interação e diálogo compõe um conjunto importante para melhorar
ações clínicas”. (p.98)
(...)
(...)
*Marta Claus
**Revista Partilhas
Instituto Mineiro de Filosofia Clínica Ano IV,
n. 4, nov. 2017
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