Este é um ensaio de
ficção autobiográfica da série “Aconteceu com um amigo”. Qualquer semelhança
com pessoas ou acontecimentos é fruto do inconsciente ou provavelmente
aconteceu num mundo virtual. Se você conseguir imaginar e entrar na história,
então já será realidade.
Bom dia,
Faço parte de um grupo
de homens que cada vez mais cresce no mercado: separado, cinquentão,
estabilizado financeiramente, à procura de uma mulher mais jovem, bonita,
madura intelectualmente, companheira e independente.
Dizem que tenho “dedo
podre” e só encontro mulheres problemáticas, mas a verdade é que só colocam nas
prateleiras carne com papelão, leite com farinha, verdura com agrotóxico. Assim
fica difícil encontrar algo de bom nas gôndolas.
O que me fascina em uma
mulher é o que ela tem entre as duas orelhas. Inteligência emocional,
sensibilidade, afetividade, maturidade, cultura, ética, charme, humildade, bom
humor. O que encontro nas ofertas do supermercado costuma ser maquiagem, botox,
alisamento, tatuagem, silicone, carência, trauma, arrogância. Nos aplicativos
da Internet, o que mais chama atenção são os perfis perfeitos, quase todos
falsificados ou com prazo de validade vencido. Acabo não comprando nada.
Claro que nesta busca,
por vezes estou esfomeado e devoro um big mac, um chocolate qualquer numa
embalagem bonita ou uma banana split bem gostosa, mas sou consciente que estou
praticando uma extravagância apenas naquele dia, depois retorno com minha
dieta.
Sei também que não
preciso me contentar com o que sobrou no fundo da prateleira ou ofertas de
ocasião. Existem mulheres fascinantes com buscas semelhantes a minha. O
problema é encontrá-las e, passo seguinte, aproximar-se. Antigamente os
príncipes surgiam montados em cavalos brancos ou sentados em porsches vermelhos.
Hoje podem chegar virtualmente através de mensagens eletrônicas. O risco é o
mesmo, por trás de um cavalo, um carro, um belo texto ou uma embalagem bonita,
pode existir um sapo ou um(a) tremendo(a) idiota.
Como saber? Pesquisa,
referências, experimentação, indicação. Só que chega uma hora em que as pessoas
cansam desta busca e acabam por levar
qualquer coisa mesmo. É o que tenho visto em muitos relacionamentos: se todos
namorassem por estar apaixonado e não por carência, o número de solteiros
quadruplicaria.
Um dia meu terapeuta
pegou o mapa do mundo e perguntou se eu procurava uma mulher bonita. Ao
responder afirmativamente, recortou o mapa pela metade. Na seqüência, quis
saber se precisava ser independente e, antes da minha resposta, já foi rasgando
novamente o mapa. Quanto mais exigências eu fazia, menor ficava o papel, até
que já não era mais possível segurar com as mãos. Com este exercício, pretendia
mostrar que a mulher desejada existia, mas teria que procurá-la talvez a vida
inteira, sem garantia de sucesso. E se por acaso a encontrasse, deveria torcer
para rolar uma boa química.
A partir deste
exercício, procurei diminuir minhas expectativas. Tentei abrir mão da
maturidade, algumas cenas de ciúme logo contrariaram minha proposta. Abdiquei da cultura, mas confundir Kant com
cantor de rock foi demais. Quando confiei por inteiro, fui traído. Sejamos
sinceros, não dá pra se contentar com um(a) parceiro(a) só porque é hétero,
independente e disponível. É muito pouco. Se for bonito(a), charmoso(a) e bem
humorado(a), já melhora, mas ainda falta muito. Para alguns, a lista é
infinita, para outros, é mínima.
Será que devo me
conformar com o mediano, ficar na zona de conforto e desperdiçar uma existência
fingindo que o coaxo é o canto do cisne? Preciso nivelar por baixo? Estou
errado em idealizar a busca de minha alma gêmea? Dizem que sou exigente demais,
procuro defeitos, desprezo as oportunidades e vivo fora da realidade.
Antes só, que mal
acompanhado. Nem é questão de estar mal acompanhado, o problema é a sintonia.
Se não for pra acrescentar, pra estar em sintonia fina, vibrando na mesma
freqüência com a companheira, prefiro um livro, um filme, um tinto, um amigo.
Mas a busca continua. Se atualmente os homens se encontram em vantagem
numérica, as mulheres têm a vantagem de ser especialistas em pesquisas de
mercado. E mais, o sexto sentido feminino é um radar muito poderoso, mas
precisa estar ligado, revisado e atualizado, porque nestas pesquisas corre-se o
risco de deixar para trás um ingrediente que nem foi citado, mas pode ser
fatal: o amor.
Apaixonei-me por cinco
mulheres ao longo da vida. Casei com duas. Amei três. Apaixonar, amar e casar
são situações que se relacionam, mas sobrevivem independentemente. Quando
juntas, formam um trio imbatível. Quero as três. Coladinhas. Nada menos que
isso.
PS – Desculpa a
brincadeira com a maquiagem, botox, alisamento e inteligência das mulheres. Foi
uma figura de linguagem. Você é uma das tantas mulheres que desconstroem esta
metáfora.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Palestrante. Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS
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