Sou jovem, bonita,
magra, elegante, inteligente, culta, viajada, analisada, independente, bem
humorada e desimpedida. Ano passado nos conhecemos e namoramos por um certo
tempo, depois rompemos. Ontem te vi acompanhado de uma mulher bem mais velha e
um tanto fora de forma. Pareciam muito felizes. Poderias me contar o que ela
tem que eu não tenho, ou o que ela faz que eu não fiz?
Claro que posso contar,
sem problema algum.
Ela tem 50 anos, 56 Kg,
algumas rugas, um doutorado, duas filhas, um beagle e uma mãe bem velhinha que
precisa de atenção. Tem também a consciência de que assim como a vida de sua
mãe, nossa relação não vai durar pra sempre. Física e/ou espiritualmente, um
dia vai terminar. Não adianta cuidar, agradar, presentear, fazer as vontades,
se embelezar, submeter, comprometer. Poderíamos até mesmo tentar mais filhos.
Tudo isso pode ajudar, mas não é garantia de união eterna.
Não está em nossas
mãos. Não temos controle sobre nossos sentimentos, e por vezes, nem mesmo sobre
nossas atitudes. Conseguimos conviver bem com o desafio de manter o equilíbrio
entre a vontade do amor fechado na relação com o parceiro e o desejo de ser
livre para viver novas experiências. Uma disputa entre simbiose e autonomia.
Alguns podem pensar que é desamor, desapego, amor liquido, descartável. Não
concordamos. Combinamos desde o inicio que nossa relação seria erguida na
vontade de estar com o outro, brincando, namorando e crescendo juntos.
Até quando vai durar?
Não sabemos, não nos afligimos, não forçamos a barra. O que temos do outro é só
o instante. Aproveitamos cada momento sagrado, e isto vale o tempo de toda uma
vida. Não temos um porto seguro e feliz
de chegada, vivemos no abrigo protetor do abraço, e isto nos carrega para outros
mundos.
Por que a necessidade
de firmar um compromisso formal escorado em algo tão frágil e efêmero como a
paixão?
Por que a esperança de
controlar algo tão poderoso como o amor mediante contratos e juras quebradiças
e transitórias?
A paixão numa relação
costuma ser proporcional ao grau de incerteza que cada um pode tolerar. Para
alguns, quanto maior a dificuldade e insegurança, tanto maior o fascínio e a
atração. Superado o obstáculo, esvaziada a paixão. Para outros, esta
vulnerabilidade é insuportável. As juras de amor trocadas funcionariam como
analgésicos, fornecendo uma aparente sensação de estabilidade num sentimento
usualmente incerto e sedutor como a paixão. Optamos por abrir mão de seguranças
ou garantias em troca da liberdade, do desejo e da emoção que possa nos
surpreender a cada instante que estivermos juntos. Gaiolas são o lugar onde as
certezas ficam presas. Trocamos gaiolas por asas e estamos voando.
Quando ela diz que me
ama, complementa sempre com a expressão “só por hoje”. Quando brigamos, nos afastamos
gracejando “só por hoje”. Cada um sabe que o outro não lhe pedirá o que não
pode pedir, sabemos que há um limite e o aceitamos. Para que nada nos separe,
nada nos una, exceto o sentimento invisível que nos liga. Ela não tem quase
nada. Ela me tem por inteiro. Só por hoje, que pode ser infinito.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS
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