Pular para o conteúdo principal

O que a filosofia tem a ver com o amor?*



Provavelmente você já ouviu falar que o termo filosofia pode ser explicado etimologicamente como a junção de dois termos: philos (amor, amizade etc.) e sophia (saber, sabedoria, conhecimento). Então, filosofia nada mais é do que o amor à sabedoria.

Também é possível que você saiba que, conforme atestam os manuais de filosofia, se atribui a Pitágoras a célebre história de que ao chamá-lo de sábio, o pensador — que também deu o nome ao teorema cuja criação lhe é atribuída — disse que a sabedoria é própria dos deuses e que ele era apenas um amante do saber, isto é, um filósofo.

Mas, ainda ficou a ser dito que a noção de filosofia remete a um pensamento que não estava presente somente em Pitágoras e, muito menos, na explicação etimológica da palavra. O sentido do amor, para o grego, é algo que constituirá seu modo de pensar. Compliquei muito? Tentarei explicar. (OBS: Espere uma exposição simplificada e não um artigo acadêmico).

Para explicar, recorro a dois pilares da filosofia ocidental: Platão e Aristóteles. Quando eles constroem seus respectivos edifícios filosóficos, colocam no cume (ou na base), a noção de algo absoluto. Para Platão, a perfeição está no Bem, já para Aristóteles, está no Ato puro.

Em ambos, o fundamento da realidade é algo divino. Mas não tem a ver com o Deus cristão. No caso de Aristóteles, o deus como Motor Imóvel, sequer se volta para o ser humano, que é imperfeito. Há, ao contrário, a busca humana dessa perfeição, de pensar deus como aquele que não tem necessidade, a quem nada falta. E o que essas ideias têm a ver com o amor?

O amor, seja como philia, que deu origem à palavra filosofia, seja como eros, que originou nosso termo erótico, remete ao desejo de algo que não temos total acesso. É um desejo daquilo que falta. Em outras palavras, é o desejo do saber que move o filósofo. O mesmo saber que seu amante jamais possuirá em sua totalidade.

No caso do amor humano, Platão chegou a dizer que é a incompletude do ser humano que o faz buscar seu complemento no outro. No caso da busca filosófica, a sabedoria é a perfeição que será procurada, mas jamais adquirida totalmente.

Voltando um pouco na questão da noção de Deus dos gregos, vale salientar que eles não tinham a ideia de uma divindade, como a concebida pelo cristianismo, na qual Deus busca um relacionamento com sua criação pecadora, isto é, imperfeita. Afinal, se o amor é o desejo pelo que falta e não falta nada a Deus, porque é perfeito, logo ele não ama. A ideia de amor gratuito e que se compadece dos imperfeitos, o agape, virá com a noção cristã de Deus.

O Deus aristotélico se basta e tende ao que é perfeito. Neste caso, quando pensa, e se pensa, esse Deus só pode pensar a si mesmo. Quanto aos homens, seu aperfeiçoamento está em voltar-se para essa perfeição última, essa causa primeira, esse Ato puro, esse sumo Bem.

Portanto, quando ama, o homem se volta para o que lhe falta, seja na esfera humana, relacionando-se com o próximo, seja na esfera intelectiva, almejando o saber, a perfeição, o deus. Assim, a filosofia é busca amorosa pelo saber.

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo
Filósofo. Escritor. Filósofo Clínico. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ

Comentários

Visitas