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Fragmentos Filosóficos, Delirantes*


"Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exatamente os olhos para saber isso, porque então éramos todos felizes"

"Dividiu Aristóteles a poesia em lírica, épica e dramática. Como todas as classificações bem pensadas, é esta útil e clara; como todas as classificações, é falsa. Os gêneros não se separam com tanta facilidade íntima, e, se analisarmos bem aquilo de que se compõem, verificaremos que da poesia lírica à dramática há uma gradação contínua"

"(...) compreendendo a essencial inexplicabilidade da alma humana, cercar estes estudos e estas buscas de uma leve aura poética de desentendimento. Este terceiro ponto tem talvez qualquer coisa de diplomático, mas até com a verdade, meu querido Gaspar Simões, há que haver diplomacia"

"Há entre mim e o mundo uma névoa que impede que eu veja as coisas como verdadeiramente são - como são para os outros"

"É que a poesia é espanto, admiração, como de um ser tombado dos céus, a tomar plena consciência de sua queda, atônito diante das coisas"

"Ora um desvio patológico equilibrado é uma de duas cousas - ou o gênio ou o talento. Ambos estes fenômenos são desvios patológicos, porque, biologicamente considerados, são anormais; porém não são só anormais, porque têm uma aceitação exterior, tendo, portanto, um equilíbrio. A esse desvio equilibrado chamar-se-á gênio quando é sintético, talento quando é analítico; gênio quando resulta da fusão original de vários elementos, talento quando procede do isolamento original de um só elemento"

"(...) Se é este, porém, o efeito do ideal puramente objetivo nas almas inferiores, nos espíritos superiores, que são os suscetíveis de criar, o efeito é outro. Não podendo buscar consolação espiritual na religião, força é que a busquem na vida"

"Como pode uma época compreender ou apreciar aquilo que, por definição a supera ?"

*Fernando Pessoas in "Alguma Prosa" Ed. Nova Fronteira. RJ. 1990.   

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