Pedro (21) e Ana (18)
conheceram-se no verão em Atlântida. Foi numa daquelas baladas que iniciam
depois da meia noite e só terminam ao amanhecer. Ele se aproximou, ela não se
afastou. Ele pegou sua mão, ela não retirou. Ele chegou mais perto, ela o
beijou. Não se soltaram mais. Um só tinha olhos para o outro. Fizeram mil
planos, realizaram quinhentos, refizeram duzentos, esqueceram os outros
trezentos. Não importa, estavam felizes.
Um destes planos era
uma viagem no mês de julho para Porto de Galinhas, Pernambuco. Queriam escapar
do frio no inverno gaúcho. Economizaram, utilizaram pontos para comprar a
passagem aérea, reservaram uma pousada perto do mar e partiram para uma lua de
mel de quinze dias.
Foi a viagem dos
sonhos, voltaram ainda mais apaixonados. Ficaram especialmente encantados com
um passeio de jangada que percorria um mangue até chegar a um parque ecológico
onde existe uma área de preservação de cavalos marinhos. Puderam observar e até
mesmo tocar os pequenos animais.
Ficaram sabendo que
cavalos marinhos só se relacionam sexualmente com um parceiro por toda a vida.
Quando um dos dois morre, o outro se isola e fica solitário até morrer também.
Além de escolherem um único parceiro, nessa espécie é o macho quem engravida,
possuindo uma bolsa incubadora onde carrega os ovos depositados pela fêmea.
Alguns estudos em cativeiro desmentem a fidelidade dos cavalos marinhos, mas
isto também pouco importa.
Pedro e Ana adoraram os
bichinhos e resolveram se tatuar homenageando os cavalos marinhos, perpetuando
a viagem e celebrando seu amor eterno. Pedro pintou o macho em seu ombro
esquerdo e Ana desenhou a fêmea no lado direito. Caminhariam e dormiriam sempre
com Ana ao lado esquerdo, assim os cavalos marinhos estariam continuamente lado
a lado.
Boas histórias são
feitas de imprevistos, e o imprevisível aconteceu. Pedro e Ana que haviam
jurado e tatuado amor eterno separaram-se, encontraram outros pares e seguiram
suas vidas. Até aqui nenhuma novidade, situações assim acontecem todo dia.
Agora é que vai começar a bela história.
Alguns verões mais
tarde, Pedro e Laura (companheira atual) caminhavam mansamente pelas areias de
Atlântida, quando cruzaram com Ana e Marcelo (companheiro atual). Educadamente
cumprimentaram-se, trocaram algumas palavras, despediram-se.
A conversa não durou
três minutos, tempo mais que suficiente para Laura perceber um cavalo marinho
idêntico ao de Pedro no ombro de Ana. Aliás, Laura percebeu a tatuagem nos
primeiros dez segundos, os outros dois e pouco minutos foram gastos contendo a
raiva para não avançar em Pedro e Ana.
Laura estava indignada,
enfurecida, mal conseguia falar. Considerou uma traição Pedro nunca ter
comentado a existência de uma tatuagem igual no ombro de uma ex-namorada e
exigiu que ele retirasse aquela mácula do corpo. Pedro tentou argumentar, mas
nada a convencia. Laura não dormiria mais na mesma cama com aquela tatuagem,
outrora angelical e meiga, agora diabólica e traiçoeira. Não houve alternativa.
Depois de muitas discussões e desgaste, contra a vontade de Pedro, o pobre do
cavalo marinho foi removido.
Pedro e Ana deveriam
ter pensado melhor antes de fazer uma tatuagem gêmea em seus braços? Namorados
erram ao marcar definitivamente o nome de seus pares em seus corpos?
Pedro falhou ao não
contar para Laura que existia um cavalo marinho igual ao seu no ombro de uma
ex-namorada?
Pode ser considerada
traição omitir uma informação do passado afetivo?
Quem define a
relevância do que deve ser dito ou silenciado?
Laura tem o direito de
exigir a retirada da tatuagem?
Pedro deveria remover a
tatuagem para agradar Laura?
O que você pensa a
respeito?
Quando todos julgam,
ninguém é inocente.
Quer saber o outro lado
da história? Marcelo e Ana estão muito bem. Ana tem mais quatro tatuagens
espalhadas pelo corpo, e Marcelo, que possuía um corpo imaculado, sentiu que
faltava algo. Havia uma incompletude latente, uma busca permanente. Uma noite,
enquanto observava Ana dormir a seu lado, encontrou a resposta. Bem cedo pela
manhã, correu para uma oficina e pediu para tatuar um belo cavalo marinho em
seu ombro esquerdo. Pronto, a busca estava encerrada, o casal estava completo
novamente, o macho re-encontrara sua única e eterna fêmea. Cavalos marinhos
fora do cativeiro são fiéis sim. E provavelmente inocentes, mas para Marcelo e
Ana isto não tem a menor importância.
Quando ninguém julga,
todos são inocentes.
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Palestrante. Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS
**Troquei os nomes para
não comprometer, mas a história é verídica.
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