Não suportamos os que
são diferentes de nós porque têm a pele de cor diferente, falam uma língua que
não compreendemos, porque comem rãs, macacos, porcos, alho, porque se fazem
assim tão diferentes. Na vida, estamos sempre expostos ao trauma da diferença.
Algumas vezes na
existência, nos deparamos com situações que nos remetem ao olho do furacão, que
nos deixam alienados de nossos quereres. Vamos vivendo nossa vida em compasso
de espera, numa inércia de sentimentos, à mercê dos acontecimentos, onde o vazio
afetivo se torna cotidiano.
Habitamos nossa redoma
de vidro, sem disposição ou coragem para correr riscos. Essa atitude de inércia
desestabiliza nossas defesas, que foram construídas a ferro e fogo. Então, para
desafiar nossos paradigmas, surge o estrangeiro, levantando simultaneamente o
véu de nossa esperança e de nosso medo. Mas afinal, quem é esse estrangeiro?
Consideramos
estrangeiro, aquele indivíduo estranho a nós, não familiar, que nos instiga a
reações incômodas com suas idéias, seus conceitos e suas formas. Podemos reagir a essa situação de duas
maneiras: a primeira é considerar o estrangeiro estranho e ameaçador, que nos
provoca uma avalanche de sentimentos e um emaranhado de emoções contraditórias.
Nessa circunstância
surge o temor, sentimento ancestral, que invade nosso ser e nos consome de
forma avassaladora. Acabamos nos sentindo tão estranhamente ameaçados pelo
estrangeiro que, antes mesmo de chegarmos mais perto, nosso impulso é de
afastar-nos ou então destruí-lo. Destruir suas idéias, seus conceitos e toda
sua forma de ser tão diferente da nossa e, por isso, tão ameaçadora. Urge
que fujamos antes de que em algum
momento, ele nos destrua ou nos arrebate.
A segunda maneira de
lidar com essa situação, é tratar o estrangeiro não como um ser ameaçador e
sim, como um objeto exótico, isto é: aquele que está fora, para além de nós e
que nos instiga, impulsionando-nos a decifrá-lo, a conhecê-lo e a tentar
compreendê-lo, para então assimilar suas idéias, tão divergentes e estranhas as
nossas. Quem sabe, com essa atitude, possamos chegar a conclusão de que não
existe perigo, que a ameaça estava disfarçada em outro sentimento não menos
contraditório: Nosso medo.
Quando enfrentamos o
horror frente ao desconhecido, nesse instante, passado e presente passam a
coexistir. O desejo da descoberta se realiza, o passado se funde com o
presente, desenhando infinitas possibilidades.
Surge à vontade de
sentir, tocar, experimentar outra existência. Arrisca, clama nossa alma! Ao
seguirmos esse imperativo categórico, talvez descubramos a maneira de aceitar
esse diferente, que não nos é indiferente, sem nos sentirmos tão ameaçados,
quem sabe... Desvendar o outro e acolher o estrangeiro naquilo que ele tem de
diferente.
Destarte, nessa
estranha navegação pelas águas do desconhecido, possamos descobrir coisas
interessantes, mensagens que só a nós estavam reservadas, e que o nosso medo,
nos afastava do estrangeiro e de recebê-las.
Paulo Freire diz que As
relações que o homem trava no mundo com o mundo (pessoais, impessoais,
corpóreas e incorpóreas), apresentam uma ordem tal de características que as
distinguem totalmente dos puros contatos típicos da outra esfera animal. Há,
por isso mesmo, uma pluralidade na própria singularidade.
Aceitar o outro, esse
estrangeiro, enquanto ele seja uma réplica, um ícone de nós mesmos, não é
tarefa difícil. Porém, aceitar o estrangeiro, tão diferente e ameaçador,
naquilo em que ele é diferente – esta é razão nômade: mutável, coerente e
flexível como o próprio processo de existir. Razão nômade – tudo está em estado
de mutação, nada concluído. Possivelmente, algumas coisas absolutamente
contraditórias.
*Mariah de Olivieri
Filósofa, Artista
plástica, Filósofa Clínica
Porto Alegre/RS
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