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Mostrando postagens de agosto, 2019

A invenção da realidade*

                                                                                “(...) Somos feitos da mesma matéria dos sonhos”                                                                                                        William Shakespeare Um dia alguém sonhou essa vida que somos hoje. Tendo como inspiração uma poética dos desajustes, sua repercussão anuncia horizontes em camadas de possibilidade. Nesse intervalo de luz e sombra se refugiam múltiplos segredos.    Sua estética difusa insinua seus códigos numa língua estranha. Ao deixar rastros esparramados num cotidiano passando, aguarda um sentido para aquilo despercebido. Seu silêncio vivaz se exila nas entrelinhas da redação cotidiana. A atitude filosófica acolhe essas narrativas fora do comum. A desenvoltura da estrutura de pensamento (eixo de referência) determina a natureza e o alcance desse saber aprendiz, a fatia de mundo que lhe cabe. Dentre suas características se destaca uma aptidão multifacetada

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) os dois principais artistas da literatura norte-americana, Poe e Hawthorne, ficaram distanciados da sociedade como poucos no mundo jamais ficaram; aos olhos dos contemporâneos deveriam parecer espectrais e distantes, quase nem humanos, e seria fácil mostrar que não é menos marcante a reação que um mundo essencialmente irreal para eles produz em suas obras" " (...) no coração do homem que não se conformará jamais - se é poeta - com ser somente um homem. Por isso o poeta se sente crescer em sua obra. Cada poema o enriquece em ser. Cada poema é uma armadilha onde cai um novo fragmento da realidade (...)" "Os poetas se compreendem de poema a poema melhor do que em seus encontros pessoais" "Todo leitor da obra completa de Keats - e de suas admiráveis cartas - observará que o périplo do poeta não o levou além de si mesmo, de suas próprias crenças reiteradamente sustentadas antes e depois de escrever a Ode" "Se o poeta é

Anotações e Reflexões*

A paternidade não nos dá respostas para os problemas da vida interior. As dúvidas, o vazio, a angústia - condição inescapável da existência humana! - continuaram lá quando o meu filho nasceu. Ter trabalhado além dos limites do corpo e da alma para pagar as contas, ter enfrentado sozinho assaltantes rondando a casa de noite, ter cuidado do sofrimento de quem amo: nada disso me tornou um super-herói, nem me fez capaz de curar as minhas feridas internas, as que todo mundo carrega consigo. Um pai não deixa de ser um homem cheio de contradições ao fazer o que precisa. A paternidade não nos dá soluções. * * * A paternidade não me deu soluções, mas acabou com pelo menos uma questão - daquelas grandes - na minha vida: quando me tornei pai, a pergunta sobre o "sentido da vida" perdeu o significado. Não, eu não descobri esse sentido. A paternidade não me deu esse tipo de resposta. O que aconteceu foi diferente: a pergunta simplesmente deixou de ter importância.

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Preciso, de qualquer maneira, retornar à Rússia; aqui, estou a perder minha força para escrever, não tendo à mão o que é essencial para o meu ofício - ou seja, as atualidades russas (das quais eu retiro minhas ideias), o povo russo. A toda hora vejo-me obrigado a perguntar, a pedir, sentindo-me deslocado" "(...) A parte mais vil dessa história (...) é que tenho essa natureza exageradamente apaixonada. Em tudo, entrego-me até o extremo, em toda a minha vida nunca consegui agir dom moderação" "Fico imensamente feliz por ter descoberto que trago paciência em minha alma por tanto tempo, que não desejo as coisas materiais e não preciso de nada mais que livros e a possibilidade de escrever e de estar sozinho por algumas horas todos os dias. Esse último desejo é o que mais me angustia. Por quase cinco anos tenho estado sob constante vigilância, ou com várias outras pessoas, e nem uma hora sequer sozinho comigo mesmo" "(...) Mais uma vez, mu

Apontamentos e reflexões da prática clínica*

“Após aprender a parte teórica da filosofia clínica, começa um novo aprendizado para os que pretendem clinicar. A prática clínica é um recomeço. Cada partilhante é um início do zero. Talvez o aspecto mais filosófico da filosofia clínica seja o espanto ou admiração (θαύμας) diante da novidade apresentada em cada sessão. Tudo é novo o tempo todo. Nenhum caso se repete. Cada partilhante é singular, cada questão levada ao consultório vem com uma história particular que a constitui e com um jeito único de fazer essa experiência. O aparato teórico, quando bem estudado, apura a escuta e capacita para o cuidado” “Há certo equívoco em pensar que para todos os indivíduos o trato racional dos problemas pessoais seja suficiente para resolvê-los. Às vezes, é possível construir um tratado sobre o que se passa na vida e não dar conta de superar o incômodo – talvez sequer apareça nesse “tratado”. Também recorrer ao irracional pode não ajudar muito. Aquilo que constitui alguém de modo determina

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"A abertura para o mundo supõe que o mundo seja e permaneça horizonte, não porque minha visão o faça recuar além dela mesma, mas porque, de alguma maneira, aquele que vê pertence-lhe e está nele instalado"  "(...) o outro é o titular desconhecido dessa zona não minha" "Aparentemente, essa maneira de introduzir o outro como incógnita é a única que considera sua alteridade e a explica" "Há uma espécie de loucura da visão que faz com que, ao mesmo tempo, eu caminhe por ela em direção ao próprio mundo e, entretanto, com toda a evidência, as partes desse mundo não coexistam sem mim: a mesa, em si, nada tem a ver com o leito que está a um metro dela - o mundo é visão do mundo e não poderia ser outra coisa" "(...) não há propriamente intermundo, cada um habita apenas o seu, vê unicamente segundo seu ponto de vista" "O olhar dos outros homens sobre as coisas é o ser que reclama o que lhe é devido e que me incita a

Primeira impressão*

Cresci escutando e quase sempre acreditando no velho chavão da cultura popular “A primeira impressão é a que fica”. Segundo essa premissa, se você vai a um primeiro encontro, arrume-se bem, coloque perfume, seja agradável, interessado na conversa e suas chances de que o outro tenha uma boa impressão aumentarão bastante. Só que não. É muito difícil saber o que vai impressionar o outro e, mais ainda, a primeira impressão, seja lá qual for, apesar de ser importante, nem sempre é confiável e não precisa ser definitiva.   O cérebro humano foi programado para analisar em questão de milésimos de segundo se está frente a uma situação de perigo. Quando um desconhecido se aproxima, automaticamente inicia o processo de reconhecimento, chegando a conclusões rápidas com muito pouca informação. Avalia ameaças instantaneamente, levando em conta sentimentos, memórias, experiências, personalidade e necessidades. Isto é o que chamamos de primeira impressão, um recurso adaptativo com a finalidade

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Eu, alquimista de mim mesmo. Sou um homem que se devora ? Não, é que vivo em eterna mutação, com novas adaptações a meu renovado viver e nunca chego ao fim de cada um dos modos de existir. Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus" "(...) Mas para se experimentar uma surpresa é necessário que a rotina dos hábitos e manias seja por qualquer motivo suspensa" "O principal a que eu quero chegar é surpreender-me a mim mesmo com o que escrevo. Ser tomado de assalto: estremecer diante do que nunca foi dito por mim" "(...) E se eu falar, que eu me permita ser descontínuo: não tenho compromisso comigo. Eu vou me acumulando, me acumulando, me acumulando - até que não caibo em mim e estouro em palavras" "Sou como estrangeiro em qualquer parte do mundo. Eu sou do nunca" "Acho que loucura é perfeição. É como enxergar. Ver é a pura lo

Anotações e reflexões*

Uma ex-aluna, Danielle Christine, estudante de Jornalismo, perguntou-me ontem por que não escrevo de acordo com o "novo acordo ortográfico" (também chamado de AO90, em referência ao ano em que foi proposto). * * * "Acordos ortográficos" são maluquices da língua portuguesa. Nenhuma outra língua precisa disso; contudo, somente no século XX mudamos - por força de lei - quatro vezes a ortografia, sob o pretexto de "simplificá-la" ou de "uniformizá-la" entre os países lusófonos. A cada vez que isso ocorre, nossos jovens ficam mais distantes dos livros impressos no passado, que passam a oferecer dificuldades cada vez maiores para a leitura. Isso está fazendo com que a língua portuguesa se torne mais e mais uma língua sem profundidade histórica: os jovens conseguem ler somente o que foi editado nas últimas décadas - e perdem o universo de livros antigos que jamais serão reimpressos. O problema não é a transformação da língua: todas m

Fragmentos Filosóficos Delirantes*

"Ao nomear, com excessiva precisão, aquilo que se apreende, mata-se aquilo que é nomeado. Os poetas nos tornaram atentos a tal processo" "(...) Do momento em que há vida, há labilidade, dinamismo. A vida não se deixa enclausurar. Quando muito é possível captar-lhe os contornos, descrever-lhe a forma, levantar suas características essenciais" "(...) se o que está em estado nascente for medido com base no padrão daquilo que já está estabelecido. O establishment, com efeito, não é uma simples casta social, é, antes de mais nada, um estado de espírito que tem medo de enfrentar o estranho e o estrangeiro"  "De um modo mais amplo, para que se tenha uma justa visão daquilo que é o outro, talvez seja necessário identificar-se com ele, ainda que seja de modo provisório, e examinar seus atos a partir do interior, sem a prioris judicativos ou normativos" "(...) o instituinte, aquilo que periodicamente (re)nasce, nunca está em per

A palavra ressonância*

Escrever sobre os desdobramentos de um encontro clínico reivindica, inicialmente, um estado de redução fenomenológica. Trata-se de visualizar, descrever eventos numa matriz compartilhada, por onde acessos inesperados se apresentam. As poéticas da terapia esboçam seus inéditos numa interseção bem-sucedida. Enredos inimagináveis, não fosse a alquimia da atuação subjuntiva, a qual, iniciada na hora-sessão, multiplica-se no cotidiano por vir. Dos múltiplos aspectos sobre seu alcance, destaca-se a alteração dos pontos de vista. Reinvenção dos roteiros pessoais ampliados pela introspecção do instante de construção compartilhada.  A cooperação da categoria tempo, lugar aprecia multiplicar esses momentos irrepetíveis. Ao acolher compreensivamente o que ressoa, é possível modificar representações, redescobrir-se em meio ao ir e vir das novas conexões.  Os movimentos assim mencionados possuem um silêncio impregnado de originais. Num presente que se amplia, outros percursos se re

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"O círculo da poesia e da vida é vicioso, como o é o círculo da ficção e da metaficção. O poeta é homem em sua condição metafísica. O homem não é um peta, a menos que abandone sua atitude terra-a-terra. A vida está alhures, diz Kundera (...)" "(...) O experimento, hoje, no campo da poesia implica, portanto, a consciência da instabilidade e do caráter histórico da linguagem com a qual se defronta o poeta, que não é mais um indivíduo livre subjetivo, mas antes um participante ativo de invenções" "(..) A vanguarda é então um discurso que reescreve constantemente a experiência estética. Assim sendo, a vanguarda mantém uma relação ativa com a modernidade. Nessa dialética pode-se introduzir o pós-modernismo, mas como uma estrutura diferencial, e não como o fim da modernidade" "O gesto vanguardista por excelência é a provocação verbal ou visual. Os criadores vanguardistas que se batizam de futuristas, surrealistas, dadaístas, ultraístas, cri

Singularidade*

Para a filosofia (obviamente alguns autores, isso não é uma aceitação geral), a singularidade é um exercício, pois nascemos particulares – somos parte de algum grupo, de alguma família, de uma cidade, etc. – e tornamo-nos singulares, com o esforço de imprimir nossa personalidade única. Para alguns, somos universais desde que nascemos, pois fazemos parte do todo seja da humanidade, do universo, da ecologia, etc. Em alguns casos, em uma filosofia ontológica, nossa existência é única porém atrelada a gêneros ou espécies. Tornamo-nos – seja o que for - comparando-nos com outros ou em hierarquia com outros gêneros ou espécies. A Filosofia Clínica tem o pressuposto da singularidade na abordagem com o fenômeno humano, mesmo que o próprio indivíduo que venha até um filósofo clínico não se considere singular. Alguns não querem ser vistos existencialmente como singulares, mas como existindo em grupos ou em conexão com particulares ou universais. Assim se efetivam existencialmente. Para a

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) Hermann Hesse (...) É também verdade que vivia à margem, ora na Suíça, ora na Itália, exilado em si mesmo, sempre inquieto e dividido, por esse aspecto homem de seu tempo e, no entanto, muito estrangeiro a seu tempo. Seu destino é curioso. Mais do que qualquer outro, ele tem direito ao título de cosmopolita" "(...) o que faz o tormento dos sonhos, seu poder de revelação e de encantamento, é que eles nos transportam em nós para fora de nós, lá onde o que nos é interior parece estender-se numa pura superfície, sob a luz falsa de um eterno fora" "Virginia Woolf, fala de 'realidade'; ela diz que o romancista 'busca trazer à luz a parcela de realidade que é a sua' (...) como essa realidade não é dada de antemão, nem nos outros livros, mesmo os considerados obras-primas, nem no mundo que se abre a nosso olhar cotidiano, como ela nos escapa constantemente, inacessível e como que furtada por aquilo que a manifesta, é uma realidade tã

Apontamentos e notas de consultório*

“Como alguém pode viver sem a preocupação com as contas nesse mundo movido pelo dinheiro, perguntou o partilhante com tom de revolta. É por isso que eu trabalho muito depois do horário, e completou, porque quanto mais horas extras, mais dinheiro no fim do mês. Eu penso no futuro dos meus filhos, disse abatido. Hoje eles são pequenos, explicou apaziguando a voz, mas preciso garantir a faculdade deles. Mas, minha mulher não entende isso e me cobra presença em casa, contou com palavras engasgadas. Por isso estou aqui, e completou, porque preciso de ajuda. O terapeuta ouvia atentamente cada palavra” “Fechou a porta despedindo-se do último partilhante daquele dia e sentou-se. Com olhar vago, relembrou da triste notícia. Um conhecido de longa data cometera suicídio na véspera daquele dia. O filósofo clínico pegou sua água e bebeu na tentativa simbólica de desfazer o nó na garganta. Um jovem de sorriso fácil, cativante, cheio de vida e saúde não está mais aqui, pensou melancólico. Sua

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Há na música qualquer coisa de inefável e de íntimo; além disso, ela passa perto de nós semelhante à imagem de um paraíso familiar embora eternamente inacessível; ela é para nós ao mesmo tempo perfeitamente inteligível e completamente inexplicável; isso se deve ao fato de que ela nos mostra todos os movimentos do nosso ser, mesmo os mais escondidos, libertos daí em diante dessa realidade que os deforma e os altera" "O poeta é, portanto, o resumo do homem em geral: tudo o que alguma vez fez bater o coração de um homem, tudo o que a natureza humana, numa circunstância qualquer, fez brotar para fora de si, tudo o que alguma vez habitou e amadureceu num peito humano, tal é a matéria que ele trabalha, como trabalha todo o resto da natureza (...)" "(...) Só as obras verdadeiras, tiradas diretamente do seio da natureza e da vida, permanecem eternamente jovens e sempre originais, como a própria natureza e a própria vida, visto que não pertencem a nenhuma

Movimento(s) de Leitor*

“A arte só está próxima do absoluto no passado, e é apenas no Museu que ela ainda tem valor e poder.”                                                             Maurice Blanchot Meu grupo é tão seleto que não existe, vivo no limbo da desatenção, permaneço só. A multidão amordaça, é calada, dizimada que nem cauda da serpente explodindo por balas perdidas. Vejo no espelho o movimento do corpo, a luz difusa, a névoa de um domingo quase sol meio cinza. Corro louco, feito refugiado, do meu próprio país para ver o mar. Não olho para trás nunca mais é forte demais. Fuga dos sonhadores, minha alma dentro do casaco cinza que atravessa o frio sem se entregar. Depois, nado fundo para não mais voltar. Jamais. Sigo em braçadas até o fim do livro. Leitura voraz, audição do silêncio. A mesma cena que passa aos olhos é um filme autoral, a mesma cruz um sonho insistente de causar questionamentos. Ouço o tilintar do pensamento, notas dissonantes, ritmo das pernas, braços em sincronia

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) penetrar na verdade de qualquer coisa, é sempre um ato místico, do qual a melhor lógica pode apenas tagarelar superficialmente"  "Quem é que, por palavras lógicas, pode exprimir o efeito que a música tem sobre nós ? Uma espécie de fala inarticulada e insondável, que nos leva à borda do infinito e nos deixa por momentos a olhar para dentro dele!" "Sem um grande coração, sem uma visão clara e profunda, nenhum homem, seja em que ramo de vida for, pode prosperar (...). A natureza não faz todos os grandes homens, como não faz todos os outros homens, no mesmíssimo molde. Sem dúvida que há variedades de aptidão; mas há-as infinitamente mais de circunstâncias; e muitíssimas vezes são só as últimas que prevalecem"   "(...) não tenho ciência de nenhum homem verdadeiramente grande que não pudesse ser todas as espécies de homem (...). Creio que há nele o político, o pensador, o legislador, o filósofo; num ou noutro grau ele podia ter sido

Vou contar um segredo*

Hoje, na escola, conversei com S., a simpática moça responsável por devolver os alunos aos pais. S. me contou que adora crianças. Todavia, ela e o marido não se sentem "preparados" para encarar a responsabilidade de ter um bebê. * * * Vou contar um segredo. Nunca ninguém está preparado. Não existe aquele momento em que você diz: "Pronto! Agora temos bastante dinheiro, tempo disponível, juventude e saúde". Não! Ninguém tem o dinheiro necessário para tudo o que uma criança precisa: escola, plano de saúde, roupas, brinquedos, passeios. Se, por felicidade, o dinheiro sobra, então o tempo é que é escasso. Trabalho, compromissos sociais, cuidados com a saúde - como ter um filho se não temos tempo? E o tempo escorre feito areia pelas mãos: cada dia que passa é um dia a menos na vida com nossos filhos - os que já estão aqui e os que, quem sabe?, no futuro estarão. Praticamente todas as mães, praticamente todos os pais que conheci na v

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) as ficções fazem o leitor viver 'o impossível', tirando-o do seu eu particular, ultrapassando os limites da sua condição, e fazendo-o compartilhar, identificado com os personagens da ilusão, uma vida mais rica, mais intensa, ou mais abjeta e violenta, ou simplesmente diferente daquela em que estão confinados nesta prisão de segurança máxima que é a vida real" "(...) mostrar como é precário e sujeito a erros o conhecimento que o homem pode ter de outros homens e como, por isso mesmo, seu juízo moral é insuficiente e frequentemente equivocado" "O incompreensível - o infinito - nos rodeia, e no entanto existe" "(...) existe algo fora do homem e de que há um vínculo, impalpável mas indestrutível, que une o homem com o Desconhecido: a oração é uma tentativa de diálogo com essa sombra, e qualquer pessoa que tenha rezado sabe que essa sombra ouve e responde" "O homem precisa de certezas. Pode encontrá-las na ciên

A filosofia clínica e o relativismo*

A filosofia clínica é uma abordagem terapêutica criada ou sistematizada em diálogo com vinte e cinco séculos de tradição filosófica. A filosofia que sempre tocou no tema da verdade e da Verdade, no sentido absoluto, inspirou a filosofia clínica que fala de uma verdade subjetiva – o que não é inédito na filosofia. Diante disso, perguntamos: a filosofia clínica é relativista? A filosofia clínica não nega uma verdade objetiva. Porém, na vida prática, percebemos que vivemos a partir de percepções subjetivas dessas mesmas verdades. Em outras palavras, nossas vivências, histórias, relações, interpretações e sentimentos moldam nossa percepção e, por conseguinte, nossa vivência no mundo; e estes fatores determinam nossos alcances e limites existenciais. Mesmo tendo uma noção teórica da vastidão do universo, olhamos imediatamente para o céu e vemos estrelas brilhando; não necessariamente pensamos ver o brilho de estrelas que deixaram de existir e chegou até nós percorrendo anos luz

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) Mas, felizmente para a humanidade, cada homem é só quem é, sendo dado ao gênio, apenas, o ser mais alguns outros" "Há metáforas que são mais reais do que a gente que anda na rua. Há imagens nos recantos de livros que vivem mais nitidamente que muito homem e muita mulher" "Por que exponho eu de vez em quando processos contraditórios e inconciliáveis de sonhar e de aprender a sonhar ? Porque, provavelmente, tanto me habituei a sentir o falso como o verdadeiro, o sonhado tão nitidamente como o visto, que perdi a distinção humana, falsa, creio, entre a verdade e a mentira" "Vivemos todos, neste mundo, a bordo de um navio saído de um porto que desconhecemos para um porto que ignoramos; devemos ter uns para os outros uma amabilidade de viagem" "Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que univ

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