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Mostrando postagens de 2020

Instrução em Filosofia Clínica*

A Filosofia Clínica é um tema amplo a ponto de seu próprio sistematizador, Lúcio Packter, falar que mesmo uma enciclopédia seria um meio limitado para abarcá-lo. Tal tarefa, dizia ele, ficaria a cargo das gerações vindouras de estudiosos desta nova abordagem terapêutica. Em razão desta amplitude, tudo o que se disser sobre a Filosofia Clínica tocará apenas em breves partes do todo que a constitui.   Dito isto, pretendo apontar orientações de estudos para os iniciantes a fim de que, ao exercer o trabalho de consultório ou usar seus princípios para as mais diversas áreas profissionais, tenham meios de obter resultados consistentes. Essas orientações não são imposições. Como trabalhamos com a questão da singularidade, cada aspecto apresentado deve ser acolhido, adaptado ou até recusado à medida que encontrar ou não consonâncias em sua Estrutura de Pensamento. A primeira orientação diz respeito ao domínio teórico da abordagem. Embora a prática seja mais complexa do que a exposição didá

Casa da Filosofia Clínica, de Porto Alegre (RS), concede ao filósofo clínico Beto Colombo o título de Doutor Honoris Causa*

Catarinense de Criciúma (SC), Beto Colombo foi homenageado pela entidade por seus relevantes estudos em filosofia clínica nas organizações. Há dez anos, Beto Colombo levou os métodos da filosofia clínica – até então voltada exclusivamente ao atendimento em consultórios – para dentro das empresas, criando assim o que hoje se conhece como Filosofia Clínica nas Organizações.  O filósofo atende empresas em processo de sucessão e também analisa a cultura organizacional a fim de identificar a estrutura de pensamento das empresas, chegando ao que ele denominou de a Alma da Empresa, título de seu livro em parceria com o filósofo clínico Rosemiro Sefstrom, lançado em 2016 e que ganhou uma edição bilíngue (português-espanhol) no final de 2019, ambos publicados pela Dois Por Quatro Editora, de Florianópolis. Além de ter escrito diversos livros voltados à gestão e à filosofia, Colombo foi um dos fundadores do Instituto Sul Catarinense de Filosofia Clínica e atualmente coordena o curso de pós-g

As palavras e o horizonte existencial*

Primeiranistas de graduação em Filosofia às vezes "refutam o perspectivismo" com o seguinte joguete lógico que remete a uma contradição:   "Não há fatos - somente interpretações. Isto é um fato."   Ou, na notação da lógica proposicional,   P^~P   P, logo não-P.   Isto é: a afirmação de que não há fatos, mas só interpretações, conduz a uma contradição e, por conseguinte, não pode ser verdadeira.   A refutação parece persuasiva, não?   * * *   O diabo é que as palavras não são planas. Há profundidades hermenêuticas variáveis em cada uma delas.   No caso que expus acima, a primeira palavra "fato" corresponde ao plano ôntico, enquanto a segunda corresponde ao plano ontológico. Uma coisa são os "fatos" ("não há fatos") que lemos em um jornal, que sabemos numa conversa, que usamos para tomar decisões na vida. Outra coisa, bem diferente, é uma afirmação metafísica universal a respeito do funcionamento da estrutura da realidad

Retórica Mestiça*

Seu viés inusitado possui a linguagem própria dos fenômenos que tenta descrever. O autor, como investigador de raridades, busca afinar seu estilo de acordo com as fontes por onde transita. A ele se oferece o desafio de encontrar o melhor ângulo, para realizar a magia da interseção aprendiz.  Os enganos do primeiro olhar sugerem invisibilidades. Para acessar a mensagem por trás das aparências se faz impreciso reler e reler e reler, criando e alternando recursos metodológicos. Uma atenção flutuante se inspira, atualizando diálogos entre a representação objetiva e subjetiva. Assim a percepção pode estar nos contornos do não dito. Evidencia aquilo que ficaria vazio sem a sua intervenção.  Semelhante ao momento em que terapeuta e partilhante se mesclam na hora-sessão, esse processo faz referência à introspecção marginal. Os envolvidos nessa viagem compartilhada desvestem as certezas do cristal e perseguem derivações. O discurso híbrido realiza a pirueta em que dizível e indizível se legitim

O que é ser saudável ?***

Se existisse isso de ser saudável e talvez a pessoa dissesse sempre aquilo mesmo que pensa, trabalharia em algo que tem a ver com ela, teria amizades por afinidade, faria amor com quem ama.    Existisse mesmo a pessoa saudável e Deus estaria com ela, os pássaros viriam ter com ela nas janelas e as janelas se abririam para o mundo. As crianças teriam escola e cresceriam com esperança - que não seria mais uma utopia. Os velhos seriam então apenas velhos e os adolescentes teriam a descarga adequada para seus dez mil hormônios.   Haveria ainda solidão, tristeza, medo, ansiedade, é claro, e por que não ? Mas apenas às vezes, e seriam desejáveis porque ensinariam. A pessoa ficaria triste porque ocasionalmente isso é parte da vida, mas não estaria costumeiramente triste.   Existisse a pessoa de fato saudável e eu não precisaria escrever este artigo, não teríamos livros de auto-ajuda nem de hetero-ajuda, as escolas de psicologia virariam respeitáveis museus e os médicos tratariam de cons

As dores e suas réguas*

  As recepções de hospitais costumam exibir um cartaz que informa o nível de prioridade no atendimento aos pacientes. É uma espécie de tabela de risco, com cinco níveis, desde ‘emergência’ até ‘pouco urgente’.  O atendimento imediato, por exemplo, contempla pacientes com parada cardiorrespiratória, em estado de choque ou com perfurações e hemorragia. O nível mais brando de risco (não urgente) contempla pacientes com dor leve, escoriações e pode levar horas e horas até um enfermeiro ou médico se ocupar do problema… Já complicações de saúde como crise de asma, dor de cabeça intensa, taquicardia e dor abdominal correspondem aos níveis intermediários: muito urgente, pouco urgente e urgente.   Já pensou se as dores e desconfortos emocionais também pudessem ser medidos com uma régua tão objetiva? Dor de amor: emergência. Dor de saudade: muito urgente. Dor de decepção: urgente. Dor de tédio: pouco urgente. Dor de reprovação: pouco urgente. Outro sujeito poderia apresentar tabela diversa. Do

A Medicina e os Remédios*

  Querido leitor, que você esteja bem.  Hipócrates, filósofo grego, foi membro de uma família que, durante várias gerações, praticara a ciência da saúde, por isso é considerado o pai da medicina moderna. Inclusive, é atribuída a ele a frase “que seu remédio seja o seu alimento e que seu alimento seja seu remédio”.   Quando falamos em remédio, você que lê este artigo, provavelmente deve ter lembrado daqueles que compramos nas farmácias. Mas remédio não é só isso. Algumas pessoas, ao passar na casa da mãe e sentem aquele cheirinho de bolacha, de pão que vem do forno a lenha, este cheiro pode ser um saudoso remédio. Já para outras, o simples fato de ouvirem uma música que tem a ver com sua historicidade, pode estar se remediando. Sim! Se estas músicas entram em seus corações acalmando, então se transformou num remédio.   Tem um conhecido meu que sente aquele cheiro adocicado do estrume de gado e logo faz um deslocamento à gostosa infância rural, hoje vivenciada na selva de pedra. Aque

Anotações e Reflexões de um Filósofo Clínico*

  O que significa dizer que o filósofo clínico é um aprendiz? Embora seja apresentado em cursos que variam entre 18 e 24 meses, o conteúdo da filosofia clínica preencheria tranquilamente uma formação de quatro anos com a carga horária de uma graduação. Ainda assim, continuaria sendo um curso com conteúdos introdutórios. Um filósofo clínico aprende a teoria, realiza a formação da prática, mas precisará continuar seus estudos teóricos e práticos por toda a vida. A alma humana não se esgota em uma formação. O certificado que habilita à clínica é uma autorização e não a comprovação de que não há nada mais a ser aprendido. A filosofia clínica é um aprendizado para a vida toda. Hoje, dez anos depois de ter iniciado minha formação, me vejo tão iniciante quanto meus alunos que estão há alguns meses na formação. Meus professores são os filósofos clínicos com os quais converso, os artigos e livros que leio, os áudios e vídeos que acompanho, e os partilhantes que atendo semanalmente. Ser filóso

Imagens do Lado*

  "pedaço de mar,   iça,   onde moras,   sua capital,   a inocupável"   Paul Celan O turbilhão de acontecimentos deixa meus pensamentos eletrizados, como fios desencapados. Não é mais a soma, é o estilhaço da realidade que exige do pensamento a força de todos os lados, da natureza, dos sentimentos, do medo, do amor, da compaixão, do humanismo que guardo aquecido durante anos e anos de vivencia ínfima diante da realidade. A razão é a máquina que move os filamentos da vida movente.   MORRO DE MEDO   Entre a dor e solidão surge a dúvida   O amor não tangível percorre a vida,   O corpo percorre a morte?   Entre o olho a imagem do sonho,   Caminha em passos da finitude,   Meus tremores são embuste da velhice.   A sagacidade do tocar imaginário,   Da velocidade da decepção,   Do abandono sem métrica, do soluço,   Da melodia que vence a palavra,   Um argumento gasto no soluço,   A recusa da doença,   A infinita música,   A longitud

Descrituras*

“(...) Deram-me esta bela gravata... como um presente de desaniversário!   – o que é um presente de desaniversário ? – Um presente oferecido quando não é seu aniversário, naturalmente.”                                       Lewis Carroll   Uma redação se faz página cotidiana na vida de qualquer pessoa, quer ela entenda ou não. Algo que restaria esquecido, não fosse a ousadia semiótica a tentar decifrar essa trama de códigos imperfeitos. Por esse esboço, a lógica descritura se incompleta para prosseguir inconclusa, aberta, viva. Nem sempre se escolhe escrever. Algumas vezes são as palavras a escolher um sujeito para se dizer. Conteúdos de rascunho, ilação, percepção extemporânea, reflexão. Aproximações com a zona interdita nas margens de cada um. O tempo aprecia conceder eficácia de tradução aos traços persistentes. O sujeito prisioneiro dessa armadilha conceitual experimenta liberdades nem sempre possíveis de mencionar na forma retórica. A relação do universo singular com o mun

Dialogar*

Sobre a Filosofia Clinica Dialogar ou não com as outras linhas Terapêuticas.   Estudei por sete anos Psicologia e por questões circunstanciais, tive contato direto com a Psiquiatria, estudando e aprendendo durante 12 anos. Convivi com terapeutas do Brasil inteiro, tive uma clinica de terapia comportamental e eu mesma como paciente fiz terapia cognitiva, Gestáltica, psicanalítica até chegar na Filosofia Clinica.   Com isso , acho que posso dizer alguma coisa enquanto paciente e como estudante e pesquisadora. Entendo que se tem uma linha que dialoga com as outras é a Filosofia Clinica, primeiro por ser honesta no sentido de dar o mérito de sua fundamentação a mãe de todas, ou seja a própria Filosofia, que por si só já é um oceano tão grande e recheado de conteúdos que poderíamos dela já ter múltiplas e infinitas linhas terapêuticas.   Segundo porque profissionais de todas as áreas podem fazer o certificado B, que da a base teórica a clinica filosófica, porem para a pratica e para o

Anotações e Reflexões de um Filósofo Clínico*

Amigos, a mais importante conquista da Modernidade não foi material: não foi a industrialização, nem o desenvolvimento dos aparatos técnicos, nem mesmo o progresso da ciência natural.   A mais importante conquista da Modernidade - via o processo que Kant chamou de Aufklärung - foi de natureza político-cultural: a autonomia do pensamento e da expressão.   Por isso, a virtude moderna por excelência é a capacidade de discordar, discutir e debater com liberdade, tolerância e serenidade.   * * *   Amigos, não há, na comunidade de idéias que é a rede social, nada mais ridículo que o patrulhamento ideológico. Sempre que vejo alguém se julgando no direito de decidir como o outro deve pensar e o que deve dizer, tenho a certeza: o patrulhador está na infância política - e é um ἰδιώτης, um idiota, no sentido mais preciso.   * * *   As polêmicas são necessárias para o movimento da razão. Como dizia Bachelard, "a verdade é filha da polêmica, não da concórdia". A ausência da dú

Algumas considerações sobre as terapias*

A revista SUPERINTERESSANTE, edição 254, trouxe como matéria de capa: Terapia Funciona?   Dei um longo depoimento, depois troquei alguns e-mails com a jornalista responsável pela matéria, onde aparece uma citação minha e algumas linhas esperançosas sobre o meu trabalho.   Segundo a jornalista Denize Guedes, que assina a matéria, as neuroimagens de pesquisas, como a realizada na Universidade de Leeds, Inglaterra, apontam para um parecer: talvez “a psicoterapia não funcione pelo motivo que os terapeutas apontam”. O que faria com que a psicoterapia funcionasse na opinião de muitos especialistas é o efeito placebo, a convicção da pessoa de estar sendo auxiliada, da sugestão, da vontade da pessoa em sair do conflito.   Existe algum endereçamento na Filosofia Clínica sobre isso?   Primeiro, algumas vezes a psicoterapia funciona pelos motivos nomeados pelos terapeutas. Exemplo: às vezes impulsos reprimidos, o trabalho direto com os conflitos, a identificação de crenças entortadas fazem com qu

O domador, o mágico e o palhaço em mim*

O que fazer para aguentar o isolamento social desta pandemia? Para mim, escrever é uma maneira de conviver em paz com a solidão e o isolamento. Posso estar trancado dentro de um quarto por horas a fio, posso não ver ninguém por vários dias, mas se estiver escrevendo não estou só, sequer no quarto estou. Mais que isso, quando escrevo, escapo temporariamente deste mundo de competição, pandemia, corrupção, preconceito, desigualdade e outras coisas que me fazem mal e entro no meu mundo encantado, onde crio cenários, personagens e histórias que me dão energia pra aguentar e enfrentar a dureza da vida.   Para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, “A Arte torna a vida suportável”, ou seja, através destas escapadelas esporádicas da realidade o ser humano consegue a estabilidade necessária para suportar as adversidades cotidianas. A meu modo, procuro ficar o máximo de tempo no mundo cativante da poesia, musica, dança, cinema, teatro, pintura, mágica. Poderia escolher outro caminho e me apart

Reflexões de um Filósofo Clínico*

O privilégio de um espaço terapêutico O espaço terapêutico pode ser um âmbito privilegiado de construções compartilhadas. Nele, filósofo clínico e partilhante ensaiam hipóteses de outras vias. Onde antes parecia haver uma bifurcação, um dilema entre duas vias igualmente ruins, podem surgir outras direções antes impensadas. Na história de vida relatada pelo partilhante, podem emergir indícios de caminhos abertos, mas não trilhados. Vendo isso, o filósofo tem a possibilidade de construir a clínica por essas vias. A singularidade dos casos não nos permite dizer quais são essas vias e para onde elas levarão a pessoa. Mas, há chances consistentes de lograr êxito quando tais caminhos estão de acordo com as direções para as quais a pessoa se dirige existencialmente.                                                         ************ Já atendi casos assim? Nós, terapeutas, corremos o risco de acumular atendimentos com casos parecidos e, com isso, construirmos uma noção de que saberemo

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