Amigos, ao encontrar essa
que talvez seja uma das mais tristes tirinhas do Calvin - neste caso, uma
tirinha criada por um fã -, recordei vividamente de algo que passei há alguns
anos como professor numa escola privada.
* * *
No último ano em que lecionei Filosofia no fundamental, para uma turma de oitavo ano (isto é: crianças de treze e catorze anos), havia um menino com olhos que faiscavam com o fogo da vida. Alegre, falante, brilhante.
Ele não conseguia
participar das aulas sentado. Por isso, na minha classe podia andar pela sala
livremente - e foi em uma aula de Filosofia que descobriu que recuperava a
calma o foco ao se deitar sob o quadro, justamente no espaço em que o professor
usualmente caminha durante as explicações.
Pois bem: durante uma
aula, a coordenadora entrou na sala e viu o pequeno deitado ali. Imediatamente
gritou com ele, que teria sido conduzido à direção se eu não houvesse
interferido.
Quando expliquei, privadamente, que não somente autorizava, mas mesmo encorajava-o a participar das aulas deitado no chão - pois assim ele ficava mais confortável e atento -, a coordenadora olhou fundo nos meus olhos por alguns segundos.
Até hoje não sei
se ela queria me intimidar ou me entender. Sei que, frente à minha impassibilidade,
começou a rir: "Hahahaha, só você mesmo, hein, Bertoche". Acho que
recebi naquele momento a indulgência reservada aos professores de Filosofia,
esses esquisitões.
Resultado: ele continuou
a participar das minhas aulas até o fim do ano letivo caminhando
peripateticamente entre os colegas ou, qual um Diógenes, esparramado sob a
lousa.
* * *
Um tempo depois, o jovem
foi meu aluno novamente, já no ensino médio.
O fogo dos seus olhos
havia se apagado. Sentava-se encolhido na carteira escolar e nada falava
durante as discussões de filosofia. Não procurava nenhum professor mais
simpático para conversar animadamente na hora do recreio.
Às vezes, dormia durante
a aula. Ajustando os medicamentos, me disseram.
Fui conversar com a
coordenadora sobre ele.
"Ah, é sobre o aluno
fulano de tal? A família medicou, os professores estão elogiando, ele agora
está ótimo, né?"
O meu coração chorou.
*Prof. Dr. Gustavo Bertoche.
Filósofo. Escritor. Musicista. Filósofo Clínico. Além do doutoramento acadêmico (UERJ), possui o doutorado "Honoris Causa" conferido pelo Conselho da Casa da Filosofia Clínica em 2019.
Teresópolis/RJ
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