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Uma arte de compor raridades*

Um novo lugar surge da interseção entre duas ou mais estruturas de pensamento, vínculo de convivência animado pela diversidade dos encontros. Essa nuance discursiva passa longe de um molde universal, incabível ao método da Filosofia Clínica.

A partir de uma sensação estranha, protagonista em uma história inédita, algo mais pode acontecer. Num esboço existencial compartilhado se apresenta alguém em vias de tornar-se. Ao olhar fenomenológico do Filósofo, acolhendo e descrevendo essas narrativas do Partilhante, se faz possível acessar esses desdobramentos de natureza singular. Eventos onde aparece e se elabora aquilo até então sem espaço para se contar. 

Na perspectiva de um e outro, esse instante aprendiz qualifica o olhar sobre o mundo que o constitui e por ele é constituído. Ao acrescentar linguagens, desvendar rotas, emancipar territórios, revela uma arqueologia expressiva sob os escombros do antigo vocabulário. O conceito de singularidade, ao ser inclusão, se faz paradoxo às lógicas da exclusão. 

Veja-se o contrário disto: o caso dos métodos da tradição, com suas definições e tipologias a priori, ao conceder excessivo crédito a sua experiência e antevendo patologias, concedendo diagnósticos e prognósticos, rasuram a originalidade diante de si. 

Um saber de periferia se descreve ao significar-se como multiplicador de realidades. Seu teor de transgressão, ao reescrever o velho dicionário, emancipa os novos territórios. O interior das palavras contém um discurso existencial em processo. Nessa transição entre um momento e outro se elaboram dialetos em vias de autodescrição. 

A compreensão desses refúgios da singularidade reivindica uma arte de compor raridades. A atividade clínica do Filósofo, por sua especificidade, fonte de inspiração e método, busca qualificar essa relação com o outro em seu contexto. Uma convivência onde a novidade atualiza sua tradução em reflexos de espelho. 

O discurso Partilhante, numa linguagem própria, ao referir suas verdades fora da lei, compartilha horizontes de não-ser. Sendo a regra uma exceção, ser singular é ser extraordinário! Esse estado de incompletude existencial anuncia um processo de desenvolvimento pessoal. 

A noção de estrutura de pensamento acolhe os desmerecimentos da tipologia, como: autista, prodígio, excepcional, gênio, esquizofrênico..., permitindo uma via de acesso ao fenômeno em vias de tornar-se. As lógicas do acolhimento costumam se expressar em palavras de significado flutuante. As brechas da intencionalidade permite ampliar os limites sem fim dessas margens. 

O rio de Heráclito não cessa de renovar suas águas! 

*Hélio Strassburger 

Filósofo Clínico na Casa da Filosofia Clínica


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