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Mostrando postagens de abril, 2021

O que é a Filosofia Clínica ?*

A Filosofia Clínica, em uma nova abordagem terapêutica, é a filosofia acadêmica adaptada à prática clínica, à terapia. Não trabalha com critérios médicos, com remédios ou com tipologias na construção de uma proposta terapêutica cujo objeto é buscar o bem-estar do ser humano.   O instrumental da Filosofia Clínica divide-se em três partes: os Exames Categoriais, a Estrutura de Pensamento e os Submodos. Nos Exames Categoriais, primeiro momento da clínica, através da historicidade, o filósofo clínico situa existencialmente a pessoa colhendo todas as informações de sua vida, desde as suas recordações mais remotas, até as informações de suas vivências mais atuais.   O material colhido, na história da pessoa atendida - que em Filosofia Clínica é chamada de partilhante, justamente pela condição de ser alguém com quem o filósofo compartilha momentos da existência -, é a base para o desenvolvimento do processo terapêutico.   A partir desses dados, num segundo momento, são verificados os tó

O instante aprendiz*

  Todas  as coisas são de tal natureza que, quanto mais abundante é a dose de loucura que encerram, tanto maior é o bem que proporcionam aos mortais”                                                                  Erasmo de Rotterdam   Ao esboçar apontamentos sobre uma lógica da loucura, um viés de absurdidade se desvela em estilhaços de múltiplas faces. Fronteira onde a normalidade se reconhece nos seus paradoxos.   Uma das características da expressividade delirante é ensimesmar-se em desacordo com o mundo ao seu redor. Cria dialetos de difícil acesso para proteger suas versões de maior intimidade.   O papel da Filosofia Clínica na interseção com a crise imediata também é apresentação indeterminada num processo caracterizado pelo exagero da manifestação Partilhante. Um não saber veicula provisórias verdades no compartilhar desconstrutivo das sessões. Representações existenciais difusas se alternam em narrativas no tempo da pessoa. A linguagem da loucura se constitui em um

Qual a abrangência terapêutica da Filosofia Clínica ?*

Essa pergunta vem atrelada, às vezes, a outra pergunta. Qual é a fundamentação filosófica da Filosofia Clínica?   Vamos começar com outra pergunta? É possível que um pensador ou uma linha de pensamento (teoria) consiga abranger toda manifestação plural do fenômeno humano? Considerando o fenômeno humano e suas manifestações tão plurais, múltiplas ou diversas, como considerar que uma linha teórica ou um autor, por mais abrangente que seja sua visão, possa dar conta do fenômeno humano em sua totalidade?   A não ser que não consideremos o fenômeno humano plural e diverso! Mas, se o considerarmos, por mais abrangente que seja uma perspectiva sobre o fenômeno humano, advinda de um autor ou de uma linha teórica, ela é limitada. Não só pela busca de referências que ele possa buscar, mas pela sua própria perspectiva selecionadora do que buscar e do que deixar de fora.   A Filosofia Clínica não fundamenta seu método em um autor ou em uma linha teórica filosófica. Fundamenta, sim, no estudo

Leituras Clínicas*

  “O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.”                                                           Hélio Strassburger   O trecho citado está na obra “A palavra fora de si” do professor Hélio e especificamente no texto dedicado “As linguagens da terapia”. Aqui é essencial dar-se conta de que o veículo que nos faz percorrer caminhos dentro do espaço clínico é a linguagem, e nesse sentido, é papel do cuidador dar espaço de passagem e fornecer proteção às cenas que se revelam sessão após sessão, acolhendo o conteúdo. Durante esses 4 anos de clínica, atendi algumas mulheres (sim, hoje falarei delas). Sou grata pela confiança que depositam no processo clínico, sei dos meus limites de filósofa clínica aprendiz, isso não nos

Notas sobre a brevidade das reflexões*

Algo presente em minhas reflexões, sobretudo as relacionadas ao meu trabalho como terapeuta, são as proposições apresentadas como possibilidades. O consultório e a formação em filosofia clínica me levaram a considerar as singularidades. Ou seja, se considero a pessoa por si, não a comparo a ninguém, não faço estatísticas, não crio parâmetros normativos, não faço filtros do que há em comum nas pessoas.   Considero a complexa individualidade de cada pessoa. Isso me inviabiliza generalizações. As universalizações são possíveis em teses filosóficas, sociológicas, teológicas etc. mas tropeçam quando se deparam com as exceções. E o consultório é o espaço onde as exceções são as regras (o paradoxo também é comum no consultório).   Quando afirmo algo nessas reflexões, cabe destacar a brevidade das palavras impedindo as nuances, os desdobramentos, os aprofundamentos e uma série de respostas necessárias às objeções. É o risco de se expor em considerações breves. Mas, a possível equivocidade

Escritura sub-versão*

A escritura aparece como um fenômeno incapaz de aprisionamento. Seu estorvo fundamental consiste na contradição ao discurso socialmente bem ajustado.  Sua busca de ser um processo criativo recheado de novas imagens, mensagens, desvãos, aprecia desconstruir caminhos de pretensão definitiva. A partir de si mesma inaugura estilos, idioletos, compartilha estéticas a deslizar epistemologias. Seu não ser reivindica um mundo no esboço de ser original. O discurso alienado é ensinado desde cedo nas escolas da infância existencial. A expressividade que anunciaria o sujeito singular costuma ser diagnosticada, internada, exilada de sua melhor condição. Os desvios assim são tratados a golpes de farmácia, propõem a normalização alienista. A sub-versão dos códigos reconhecidos aprecia a polissemia de um dia qualquer. Sei viés simbólico convida a vislumbrar e refletir sobre as tentativas de mordaça à obra escritura. Seu aspecto fora de si descreve um território inexplorado. Uma trama significativa des

Todo o mundo tem um pouco*

Diz a sabedoria popular que de médico e de louco todo mundo tem um pouco. De onde surgiu essa ideia? Não gosto muito de generalizações, mas, no meu caso particular, consegui o diploma de médico bem cedo na vida. Aos vinte e três anos já o tinha segurado nas mãos, levado para emoldurar e, poucos dias depois, estava lá, devidamente afixado em lugar nobre na parede do consultório. O título de louco foi muito mais difícil de conquistar. Exigiu um tempo bem maior para me aprimorar e, por enquanto, não está em exposição.   Confesso que durante a faculdade, cheguei a pensar em ser psiquiatra, mas todos os que eu conhecia eram, digamos assim, “um tanto” estranhos, e não queria, de forma alguma, ficar parecido com eles. Na época, fugia de qualquer coisa que se assemelhasse à loucura. A brincadeira era fazer do velho ditado um trocadilho, e dizer que os psiquiatras tinham “um pouco” de médico e “muito” de louco. Generalizações, como é sabido, conduzem a equivocidades. Durante décadas, me con

Cascas de sonho*

  “Nossos sentidos se desenvolveram de maneira diferente,  e por isso precisamos usar a imaginação  para ter uma vaga ideia do que acontece dentro das árvores.”                            Peter Wohlleben     O coração teme, sobreleva-se, alcança a dor do pensamento. O exercício de dar vida e sentido às frases é a metáfora movendo o fora do lugar. A linguagem que gagueja, cresce em momentos de perplexidade, nos momentos da solidão se põe a fazer versos, à deriva. Cria das histórias imaginárias, teorias no caminho, no andar em direção ao lado de lá, é este homem em páginas amarelecidas, em voz metalizada nas crostas de uma árvore secular. O melhor de tudo é quando o sonho é capturado logo no momento do acordar, anotações salvas, o sonho ganha uma vida. Meandros do inconsciente, tão real, um tipo de retomada de roteiro perdido. A adolescência está por trás da casca, no momento mais povoado do corpo, a solidão profunda adormece, acorda no sonhar de outro ontem. Lá parado no tempo

DSM-5: Thomas Insel, Thomas Szasz e Simão Bacamarte*

  Em 2013, o neurocientista Thomas Insel criticou o lançamento do DSM-5. Ele escreveu que "diferentemente das definições de isquemia cardíaca, linfoma e Aids, os diagnósticos do DSM são baseados em conjuntos de sintomas clínicos, e não em medidas objetivas de laboratório." Aqui lemos um eco da crítica à instituição psiquiátrica feita por Thomas Szasz no artigo "The myth of mental illness" (de 1961!). https://www.technologyreview.com/.../nimh-will-drop.../       Só que em vez de criticar por inteiro a idéia de doença mental, como fizera Szasz, Thomas Insel simplesmente decidiu estabelecer critérios científicos para diagnosticar esse tipo de "doença".   Insel passou anos trabalhando com neurociência e com a genética das desordens mentais. Foram 20 bilhões de dólares que, segundo o próprio, só serviram pra financiar muitos artigos científicos inúteis. https://www.wired.com/.../star-neuroscientist-tom-insel.../   Agora ele se volta para as questões compo

O que é a filosofia clínica***

  A Filosofia Clínica, em uma nova abordagem terapêutica, é a filosofia acadêmica adaptada à prática clínica, à terapia. Não trabalha com critérios médicos, com remédios ou com tipologias na construção de uma proposta terapêutica cujo objeto é buscar o bem-estar do ser humano.   O instrumental da Filosofia Clínica divide-se em três partes: os Exames Categoriais, a Estrutura de Pensamento e os Submodos. Nos Exames Categoriais, primeiro momento da clínica, através da historicidade, o filósofo clínico situa existencialmente a pessoa colhendo todas as informações de sua vida, desde as suas recordações mais remotas, até as informações de suas vivências mais atuais.   O material colhido, na história da pessoa atendida - que em Filosofia Clínica é chamada de partilhante, justamente pela condição de ser alguém com quem o filósofo compartilha momentos da existência -, é a base para o desenvolvimento do processo terapêutico.   A partir desses dados, num segundo momento, são verificados os

A experiência como uma forma de estagnação*

  Alguns de nós tiveram um lado cientista desde criança: abrir lagartixas, jogar um brinquedo no ar, pular de alturas perigosas, colocar o dedo na tomada etc. foram algumas das atividades que nos abriam para novos mundos. Não éramos os mesmos depois de quebrar um braço pulando de uma escada pensando que conseguiríamos voar como o Superman. Neste caso, nem a maçã de Newton teria sido tão convincente para nos provar a existência de uma gravidade.   No entanto, a noção de que diversas experiências ao longo da vida podem nos tornar abertos ao novo nem sempre se realiza. Isso pode ocorrer por diversas razões dentre as quais está a confirmação de uma ideia solidificada.   Na ciência da nutrição (da qual me aproximo como um amador) isso é bastante comum. Ao isolar determinadas (muitas) variáveis é possível dizer que comer carne pode gerar ou prevenir um câncer, que o jejum é benéfico ou maléfico etc. Pensar em ciência exata construída por seres humanos não tão exatos é algo bastante ambíg

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