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Mostrando postagens de junho, 2021

Escuta e reflexões sobre raciocínio desestruturado e amor*

  Visto que a historicidade é fator determinante da clínica filosófica, o que se faz diante de um partilhante que apresenta o tópico raciocínio desestruturado? A primeira questão a ser respondida é: o que é estrutura? Deverá ser o que é lógico? Se olharmos pelas lentes da Lógica Formal, onde 2+2 é sempre igual a 4, podemos dizer que há uma estrutura. Mas o que acontece quando o partilhante nos diz que “laranja” + ”bola” é igual a “carro”? Do professor Hélio Strassburger, que aborda a lógica da diferença, pude extrair uma pérola filosófica trazida por um de seus partilhantes da clínica psiquiátrica, cujo tópico raciocínio é tido como desestruturado. Segue-se então: “Hélio, o mundo lá fora é pequeno demais para mim!” O que é isso senão uma demonstração clara do que é a Lógica da singularidade ou Lógica Modal? Poderia uma pessoa que soma “laranja” com “bola” resultando “carro” caber neste mundo lógico e formal? Seguido a esse primeiro momento de reflexão, o próximo passo é saber c

Qual a abrangência terapêutica da Filosofia Clínica ?*

Essa pergunta vem atrelada, às vezes, a outra pergunta. Qual é a fundamentação filosófica da Filosofia Clínica? Vamos começar com outra pergunta? É possível que um pensador ou uma linha de pensamento (teoria) consiga abranger toda manifestação plural do fenômeno humano? Considerando o fenômeno humano e suas manifestações tão plurais, múltiplas ou diversas, como considerar que uma linha teórica ou um autor, por mais abrangente que seja sua visão, possa dar conta do fenômeno humano em sua totalidade? A não ser que não consideremos o fenômeno humano plural e diverso! Mas, se o considerarmos, por mais abrangente que seja uma perspectiva sobre o fenômeno humano, advinda de um autor ou de uma linha teórica, ela é limitada. Não só pela busca de referências que ele possa buscar, mas pela sua própria perspectiva selecionadora do que buscar e do que deixar de fora. A Filosofia Clínica não fundamenta seu método em um autor ou em uma linha teórica filosófica. Fundamenta, sim, no estudo da fi

Projeto resgata identidades por meio da cultura do cineclube***

  Sim: Cinema Paradiso é um dos seus filmes preferidos. A proposta de levar o cinema “onde o povo está” foi o que motivou a inscrição do projeto de um cineclube com sede em São Tiago, sua cidade natal, em um programa do Ministério da Cultura, que ambiciona implantar salas de cinema pelo interior do país. A formação em Filosofia e a especialização em Filosofia Clínica, ambas na UFSJ (Universidade Federal de São João del Rei/MG), deram substrato à paixão pela imagem como elemento de fruição estética e de transformação social, via resgate de identidades culturais. A matrícula recente no Curso de Comunicação viabilizou o desejo de tornar-se uma documentarista glauberiana, daquelas que trabalhariam bem com uma câmera (digital) na mão e uma ideia (aglutinadora) na cabeça (revolucionária). MARIANA FERNANDES, autora do projeto Cine Mais Cultura de São Tiago, quer resgatar o ritual do cinema, aquele que motiva as pessoas a saírem de casa para assistir a uma história projetada numa tela. M

Anotações e reflexões de um Filósofo Clínico*

Notas sobre a brevidade das reflexões Algo presente em minhas reflexões, sobretudo as relacionadas ao meu trabalho como terapeuta, são as proposições apresentadas como possibilidades. O consultório e a formação em filosofia clínica me levaram a considerar as singularidades. Ou seja, se considero a pessoa por si, não a comparo a ninguém, não faço estatísticas, não crio parâmetros normativos, não faço filtros do que há em comum nas pessoas. Considero a complexa individualidade de cada pessoa. Isso me inviabiliza generalizações. As universalizações são possíveis em teses filosóficas, sociológicas, teológicas etc. mas tropeçam quando se deparam com as exceções. E o consultório é o espaço onde a exceção é a regra (o paradoxo também é comum no consultório). Quando afirmo algo nessas reflexões, cabe destacar a brevidade das palavras impedindo as nuances, os desdobramentos, os aprofundamentos e uma série de respostas necessárias às objeções. É o risco de se expor em considerações breves.

Anotações e reflexões de um Filósofo Clínico*

A arte expõe, esclarece, ilumina e é por isso que todo poeta pode enxergar nuances, cores e formas até mesmo na mais profunda escuridão presente em qualquer intimidade de submundos subjetivos que por alguma razão tocam-lhe na flor da sua pele escura e tão amiga do sol. E aí é quando mais comove fazendo com que uma expressão singular transborde da própria incontinência que torrencia e derruba todas as barreiras por amor.  Ser poeta é definitivamente um repente de poder ver na escuridão de qualquer submundo onde a esperança e a graça tenha se ausentado pelo excesso de apego ou de egoísmos quase sempre disfarçados por retóricas utilitaristas e capazes de iludir tão somente aqueles tantos que jamais puderam aprender a lógica básica da vida e a história do seu povo e do seu lugar que também é a sua própria história. Afinal, há poesia em tudo que pulsa como a vida assim como há poetas que cantam, que tocam instrumentos harmônicos ou melódicos, que pintam e bordam, que desenham e que danç

Qual é a função do filósofo?*

  Entendo que seja a de tornar acessível, por meio da linguagem, uma ordem das coisas - isto é: revelar uma região ontológica. * * * Boa parte do que fazem os professores universitários de filosofia - e é assim em todo o mundo, mas muito especialmente no Brasil - é, essencialmente, comentário sobre a obra de um filósofo. De fato, o comentarismo filosófico é um exercício muito útil, e mesmo necessário. Contudo, comentar a obra de um filósofo não é filosofar. A filosofia é outra coisa. * * * Afinal, os textos de um filósofo podem dar acesso à filosofia, mas a filosofia não está nesses textos. * * * A filosofia é uma atividade integral do homem. Ela mobiliza o ser inteiro. Não está nos livros dos filósofos. Não está em livro nenhum. Os livros, em si, não são filosóficos: eles são papel e tinta. Quando alguém os lê e entende, acessa uma região anteriormente ignorada da realidade – mas não compreende "a" filosofia. Ela não diz respeito a um conjunto de textos: ela diz

A Palavra Devaneio*

É incomum notar a existência de algo que restaria silenciado, não fora um olhar absorto, indeterminado, sentir improvável de um sonhar acordado. Esse lugar de refúgio aos desatinos da criação, concede uma estética de acolhimento ao viajante das quimeras. Nessa região, onde eventos sem nome rascunham invisibilidades, é possível intuir vias de acesso de essência não epistemológica. Seu teor, ao pluralizar versões desconsideradas, faz acordar aquilo que dormia. Ao desalojar esses fenômenos, desconstrói o aspecto irrealizável das promessas. Esses fenômenos reivindicam a singularidade alterada para se mostrar. Assim a pessoa, deslocando-se por esses refúgios, ao ser ela mesma, já é outra. Uma estética do devaneio, ao convidar para o exercício da ficção, oferece achados imprevisíveis. Inicialmente desconfortável nesse chão desconhecido, o sujeito pode vivenciar insegurança, dúvida, receio. No entanto, ao persistir as visitas por esse ambiente especulativo, pode desvendar-se em projetos,

Anjo tatuado*

Então, o mundo parou, o toque se apoderou, As mãos na pele, o toque da vida é parte do amor, A vida contorna a solidão, o sorriso teu se expressa, E a noite não descansa nos olhos da sonhadora.   Se eu amo é porque a barra tá limpa, o dia findará, E por estar no alto de um prédio a te ver um anjo, O pisar nos telhados com vista para o mar, É como morder e morrer no olhar da solidão.   Não faça da vida o que o amor te pertence, Circularidade dos dedos na infância em liberdade, O cuidar dos amores é signo até a tristeza, E o teu riso, a vida em todos os sentidos.   *Prof. Dr. Luis Antonio Paim Gomes Filósofo. Poeta. Editor. Livre Pensador. Porto Alegre/RS

O que é a Filosofia Clínica ?*

  A Filosofia Clínica, em uma nova abordagem terapêutica, é a filosofia acadêmica adaptada à prática clínica, à terapia. Não trabalha com critérios médicos, com remédios ou com tipologias na construção de uma proposta terapêutica cujo objeto é buscar o bem-estar do ser humano. O instrumental da Filosofia Clínica divide-se em três partes: os Exames Categoriais, a Estrutura de Pensamento e os Submodos. Nos Exames Categoriais, primeiro momento da clínica, através da historicidade, o filósofo clínico situa existencialmente a pessoa colhendo todas as informações de sua vida, desde as suas recordações mais remotas, até as informações de suas vivências mais atuais. O material colhido, na história da pessoa atendida - que em Filosofia Clínica é chamada de partilhante, justamente pela condição de ser alguém com quem o filósofo compartilha momentos da existência -, é a base para o desenvolvimento do processo terapêutico. A partir desses dados, num segundo momento, são verificados os tópico

Médicos e detetives*

O diagnóstico de uma doença é como uma tarefa sherlockiana. Cada paciente fornece uma série de sinais e sintomas exclusivos, que precisam ser interpretados para se chegar a um diagnóstico.  O paciente vai contando uma história, mostrando algumas pistas, deixando alguns sinais, para que sejam investigados. Cada caso é um caso. O médico vai sendo desafiado todo instante a entrar no mundo do paciente e conhecê-lo. Pode perceber, por exemplo, que a dor referida não coincide com o local da lesão, que não existe ferida alguma que justifique aquele pranto ou dor, que a chaga se apossou do paciente, mas a causa está na família, que os sinais e sintomas direcionam para o lado oposto da história relatada, que não é a morte o maior medo do paciente, que não é a doença o motivo do sofrimento. Como decifrar estes enigmas? Ao entrar realmente no mundo do outro, identificando-se com seu modo singular de viver, não se volta o mesmo. Volta-se com todas as experiências adquiridas. Alguns médicos não

Era uma vez...*

“Às vezes, eu acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã” (Alice no País das Maravilhas, Tim Burton, 2010)   As singularidades adentram os espaços terapêuticos das mais improváveis formas. Alguns chegam indecisos sobre o porquê de estarem ali, afinal nem sempre existe obviedade; outros talvez não saibam que seja uma porta para descobertas tão incômodas quanto difíceis. Existe a probabilidade de que um turbilhão os perpasse, podendo arremessá-los até a mais insana possibilidade de ser. Na verdade, percorrer caminhos de encontros pode ser tão inusitado quanto permanecer inerte no estado catatônico em que a normalidade desavisada costuma nos mergulhar. Cada um tem sua estrada, suas histórias na bagagem, que muitas vezes arrastam melancólicos ou sem vontade, desgostosos do que mais desejam. Na verdade, as histórias se misturam em potes, cujo fundo nem sempre é visível. Falas entrecortadas de peculiaridades trazem à tona que um dia fui assim... há muito tempo não sei m

Por que cursar Filosofia Clínica ?*

A etapa da formação teórica em filosofia clínica é a modalidade mais procurada. Poucos entre os que fazem essa etapa, seguem as etapas da formação para habilitação à clinica, isto é, se tornam terapeutas. A etapa teórica se presta aos mais variados fins. Os psicólogos, os psicanalistas e terapeutas de diversas áreas a utilizam para complementar seus trabalhos em consultórios. Os professores a aproveitam para qualificarem suas interações com os alunos. Os profissionais da saúde, para auxiliar em sua prática às vezes aguçando seu olhar cuidador. Os padres e os pastores costumam utilizar para qualificar o olhar compreensivo em relação ao outro em suas práticas pastorais. Temos também advogados, vendedores, editores, escritores, gerentes entre muitos outros tendo proveito com essa formação. Muitos utilizam para suas respectivas áreas profissionais, outros o fazem para aprimoramento pessoal, qualificando suas existências. A filosofia clínica é um modo privilegiado de compreens

Poéticas do amanhã*

  “Antes eu era transparente,  agora sou cheio de cores.”                     Arthur Bispo do Rosário   A inédita conversação nos recantos da palavra delirante possui característica de anúncio. Sua perspectiva de grande abertura oferece derivações a insinuar vontades e perseguir refúgios existenciais. Uma filosofia dos devaneios sugere novas menções. O hospício cotidiano, esse lugar legitimado por força de lei, atualiza seu discurso em paradoxos com olhares desfocados. Enquanto a enfermaria multiplica a fenomenologia dos delírios, o lugar reinventa a camisa de força da normalidade e persegue os poetas enlouquecidos pelo não-dizer. No caso da vírgula contida nesses atalhos, dizeres desconsiderados prosseguem em rituais de ilusão. Sua estrutura significante faz referência aos incríveis vislumbres, numa palavraria sem sentido aos endereços já superados. A condição de miserabilidade física do sonhador medicado faz reverência à medicina dos enganos. Essa como ciência da correção d

Manter-se tranquilo em meio à turbulência*

Existem circunstâncias que podem ser controladas e outras que não - já diziam os filósofos estoicos, dentre eles Sêneca e Epicuro. O conselho, proferido há mais de dois mil anos e muito sábio até os dias atuais, resumia-se basicamente a nos atermos somente aos aspectos controláveis da vida se quiséssemos ter um mínimo de bem-estar.   Fenômenos da natureza, atitudes de outras pessoas e trânsito são apenas alguns exemplos do que não controlamos. Por mais que tenhamos força do pensamento, tecnologia e boa vontade para fazer o impossível, esses são elementos que não conseguimos manipular ao sabor de nossos desejos.   Por outro lado, existem algumas coisas que conseguimos manter num nível razoável de manejo pessoal. Nossos pensamentos, nossos sentimentos e nossas ações são alguns exemplos.   Como reagimos aos fatos, portanto, está inteiramente sob o nosso controle, certo? Mais ou menos. Algumas teorias antigas dizem que temos somente 5% de livre arbítrio. Todo restante seria resposta

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