Aconteceu num instante, foi sem
querer, não havia planejamento ou expectativa alguma. Ele a convidou para
passarem juntos a noite em sua casa e ela aceitou. Só por hoje, respondeu
timidamente. Nem havia clareado o dia, ela saiu para o trabalho, mal tiveram
tempo de se despedir. Foi tão maravilhosa a companhia que ele a convidou
novamente no sábado. Só por hoje foi como confirmou sua vinda. Muitas outras
vindas aconteceram, mas a senha era sempre a mesma: só por hoje (SPH), jamais
perguntava ou confirmava nada sobre o amanhã. Não necessitava dele para nada,
mas era parceira para tudo. Era livre e assim o deixava.
Numa destas noites frias do
inverno gaúcho, enquanto se aqueciam em abraços, sussurrou em seu ouvido
esquerdo que estava apaixonada. Com voz rouca e melosa frisou que “estava”
apaixonada, não que “era” apaixonada. Especialmente naquela noite estava se sentindo
muito apaixonada. Muitas outras declarações, agora mútuas, aconteceram seguidas
da já bem conhecida senha “só por hoje”. Assim, despretensiosamente, nem
perceberam que o só por hoje já dura mais de quinze anos.
Do outro lado da cidade, bem
diferente do primeiro casal, dois amantes apaixonados casavam cheios de
expectativas, jurando ficar juntos e se amar até que a morte os separasse. Só
que os planos não deram certo. Mal terminou a lua de mel, começaram as
desavenças, desconfianças, acusações, lágrimas. A cada dia que passava piorava
o clima, um não aguentava mais olhar para a cara do outro, dormir juntos nem
pensar. Casamento fracassado, amor na lata do lixo, expectativas frustradas,
vida miserável e um juramento solene obrigando-os a ficar juntos até que a
morte os separe.
Até hoje os velhinhos continuam
juntos, se torturando e empurrando o relacionamento com a barriga, esperando o
derradeiro dia em que finalmente a morte os separe, ou pior, eternamente os uma
por um destes sadismos da vida. Não quero
criar polêmica, mas acredito que o juramento poderia ser menos físico e mais
sentimental, isto é, o casal se compromete a ficar junto até que a morte do
amor os separe. E se você parar pra pensar vai perceber que a morte do amor é
uma das experiências mais marcantes e dolorosas da vida.
O relacionamento só por hoje,
SPH, sem promessas ou cobranças, é chamado de amor líquido, já que passa a
impressão de que pode escorrer pelas mãos, é transitório, só vale pelo dia de
hoje, não pensa no futuro. O segundo, com juras de um único amor para todo o
sempre, costuma ser chamado de amor romântico, verdadeiro. Só que por ironia, o
primeiro está vivo, o segundo morto.
Amor não tem nada a ver com
tempo, o coração nunca esquece o lugar onde deixou suas melhores batidas.
Eternidade tem a ver com a ausência de tempo na relação a dois e não com morte.
Tanto faz se durou um instante ou a vida inteira. E vida também não diz
respeito à batimentos cardíacos ou coisas do gênero. Ter vida significa
continuarem se mantendo os mesmos amantes que um dia se prometeram.
Relacionamentos podem não durar a vida inteira. Casamentos podem não durar a
vida inteira. Amor pode não durar a vida inteira. Saudade não dura à vida
inteira. Alguns para sempre duram para sempre apenas na imaginação. A única
coisa que pode durar e torturar uma vida inteira é a esperança de tentar fazer
durar.
Segundo os especialistas, existem
três tipos de amor. O primeiro acontece quando somos jovens. É o amor
idealizado, romântico, aquele das juras. Entramos com a crença de que será o
único amor de nossa vida e fazemos as maiores loucuras em nome dele. É o amor
que parece ser o certo. Todos já o experimentamos.
O segundo amor é aquele que vamos
em busca depois do primeiro ter falhado. É o amor que desejamos ser o certo.
Pensamos estar fazendo uma escolha diferente, mas na verdade ainda estamos
aprendendo. Pode até se tornar um ciclo, pois a cada novo segundo amor,
acreditamos que será melhor que o anterior, e, como viciados tentando conseguir
a próxima dose, suportamos a descida da montanha russa emocional na expectativa
de chegar ao alto novamente. Por vezes não é saudável, podendo até ser
desequilibrado e narcisista.
Muitos destes segundos amores
começam e terminam na cama, em compensação, muitos terceiros amores começam na
calma e não terminam jamais. O terceiro amor é aquele que não esperávamos, não
imaginávamos, não tínhamos expectativas, não vimos chegar. A conexão não se
explica, simplesmente se encaixa. Não há preocupação com o futuro, só por hoje
já basta. Sentimo-nos em casa, aceitos como somos, sem racionalidades ou
julgamentos. Não queremos ir embora porque sabemos bem lá no fundo que desta
vez deu certo.
Talvez haja algo de inesquecível
no primeiro amor, funcione e todos fiquem felizes. Talvez o segundo tenha algo
de único, de partir o coração e se decida lutar por ele ou por todos que se
seguirem. Mas há algo simplesmente incrível com o terceiro: vai mostrar porque
todos os outros relacionamentos anteriores falharam. Vai ensinar que felizes
para sempre não existe, mas vai fazer com que cada momento vivido juntos seja
para sempre. Conversas vão durar horas, beijos vão permanecer por anos e o amor
será eterno por várias vidas. Um dia todos vamos ter que morrer, mas que seja
em pleno voo. Vida tem prazo de validade, amor não.
Porque somos instantes, e num
instante não somos nada.
*Este texto é dedicado a todos
aqueles que haviam planejado casar em 2020 e tiveram de adiar seus planos por
força da pandemia. Agendaram data, reservaram salões, imprimiram convites e não
sabem quando o glorioso dia vai chegar. Calma. Força. Já passamos da metade. O
vírus vai passar, o amor deve continuar.
**Ildo Meyer
Médico. Escritor. Palestrante.
Mágico. Filósofo Clínico.
Porto Alegre/RS
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