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Entender os Outros*

Nós combatemos a nossa superficialidade, a nossa mesquinhez, para tentarmos chegar aos outros sem esperanças utópicas, sem uma carga de preconceitos ou de expectativas ou de arrogância, o mais desarmados possível, sem canhões, sem metralhadoras, sem armaduras de aço com dez centímetros de espessura; aproximamo-nos deles de peito aberto, na ponta dos dez dedos dos pés, em vez de estraçalhar tudo com as nossas pás de catterpillar, aceitamo-los de mente aberta, como iguais, de homem para homem, como se costuma dizer, e, contudo, nunca os percebemos, percebemos tudo ao contrário. Mais vale ter um cérebro de tanque de guerra. Percebemos tudo ao contrário, antes mesmo de estarmos com eles, no momento em que antecipamos o nosso encontro com eles; percebemos tudo ao contrário quando estamos com eles; e, depois, vamos para casa e contamos a outros o nosso encontro e continuamos a perceber tudo ao contrário. Como, com eles, acontece a mesma coisa em relação a nós, na realidade tudo é uma i

As dores e as delícias do estudo da filosofia clínica!*

Andei perdida de textos escritos, pensei que esse lado escritora meu havia se perdido por entre a vida corrida do dia a dia. As palavras iam e vinham na minha mente, mas eu não conseguia capturá-las com precisão. Terminando a pós esse ano me deparo com o trabalho final e petrifico entre mil e uma ideias. Conflitos, incertezas, questionamentos, dúvidas quanto a tudo o que aprendi e tudo que experienciei... Sinto-me mais conhecedora das minhas sombras e da minha luz. Entretanto, questiono o porquê dessa escolha dentre tantas outras que envolvem a filosofia. Sempre tive vocação para as questões existenciais, seja na minha representação de mundo, como na representação de mundo de outros. Mas vir a ser - filósofa clínica - é uma tarefa delicada que me faz temer muitas coisas. Ser cuidadora é algo muito frágil e precioso.  Tenho percebido carências tão primárias nas pessoas com as quais convivo que penso se realmente há uma segurança de "melhor viver" através de qualqu

Homenagem a Cervantes*

Na estepe de Castela o homem mede a sede, Mede o sol, desdém e força. Na estepe de Castela O homem mede suas malandanças, Caminha com a rudeza a tiracolo, Na estepe de Castela Campos desnudos, vento e argila, Céu côncavo, cifrado, Determinam o espaço substantivo, O estilo do silêncio: E o silêncio cria o homem de Castela. Armado por cinquenta anos de silencio Teu herói marcha com seu escudeiro Que não é seu duplo hostil ou lado oposto, Antes parte integrante de si mesmo. Não precisou marchar além da Espanha. Ao alcance da mão temos o homem, o mundo, Mesmo medidos num espaço angusto. Paralelamente, no teu livro total Se come terrestre experiência. No espaço e na medida de Castela, Na solidão do ar absoluto de Castela Distingui minha medida temporal. O homem foi criado para se conhecer circunscrito, Seus ângulos e arestas o definem. Castela interior que me demarcas, Correspondes à outra Castela clássica, Ameaçada Castela: aqui a indústria Já inaugura sua

Personagem*

“Eu sou...” Depois desse “Eu” geralmente vem uma definição que pode denunciar mais ou menos o que a pessoa tem de si mesma. Algumas pessoas ainda dizem no lugar da palavra “Eu”: as pessoas, a gente, nós, etc. São pessoas que falam de si mesmas na terceira pessoa, ou seja, de forma indireta definem a si mesmos. Essas definições em maior ou menor grau interferem na maneira como a pessoa conduz sua própria existência.  Quando o que uma pessoa acha de si mesma se liga a um personagem existencial que ela exerce pode-se dizer que ela se identifica naquilo que faz. Um exemplo disso são profissionais como advogados ou médicos que exigem que as pessoas se dirijam a eles como Dr. Fulano, ou seja, o Dr. define a pessoa. O mesmo acontece com os professores, que mesmo em uma rodinha de conversa no fim de semana são “professores fulanos”. A ligação entre os papeis que a pessoa vive e o que ela acha de si mesma em alguns casos acaba soldando e ela passa a ser o papel que exerce. O que el

Nunca se Escreve para Si Mesmo*

O escritor não prevê nem conjectura: projecta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos outros; se hesita, sabe que o futuro não está feito, que é ele próprio que o vai fazer, e, se não sabe ainda o que acontecerá ao herói, isto quer simplesmente dizer que não pensou nisso, que não decidiu nada; então, o futuro é uma página branca, ao passo que o futuro do leitor são as duzentas páginas sobrecarregadas de palavras que o separam do fim. Assim, o escritor só encontra por toda a parte o seu saber, a sua vontade, os seus projectos, em resumo, ele mesmo; atinge apenas a sua própria subjectividade; o objecto que cria está fora de alcance; não o cria para ele. Se relê o que escreveu, já é demasiado tarde; a sua frase nunca será a seus olhos exactamente uma coisa. Vai até aos limites do subjectivo, mas sem o transpor; aprecia o efeito dum traço, duma máxima, dum adjectivo bem colocado; mas

Não és os Outros*

Não há-de te salvar o que deixaram Escrito aqueles que o teu medo implora; Não és os outros e encontras-te agora No meio do labirinto que tramaram Teus passos. Não te salva a agonia De Jesus ou de Sócrates ou o forte Siddharta de ouro que aceitou a morte Naquele jardim, ao declinar o dia. Também é pó cada palavra escrita Por tua mão ou o verbo pronunciado Pela boca. Não há pena no Fado E a noite de Deus é infinita. Tua matéria é o tempo, o incessante Tempo. E és cada solitário instante. *Jorge Luis Borges

Semioses*

De preferência, as pessoas rotulam, é mais fácil. Na minha infância autodidata, falavam mal de gibi, hoje falam de internet. Já bradavam quando comecei nesse meio, nos anos 90. Observo tantos serem os meios de exposição. Se fazem mal uso, vai do caráter de cada um. Tenho amigos de todos os tipos; uma curiosidade é que os amigos físicos, reais, firmes e confidentes, às vezes se comunicam melhor comigo por escrito. Ao vivo somos um tanto diferentes. Na verdade, tudo seria questão de meio adequado para entregar-se. Por opção ou facilidade, alguns se dão melhor com a palavra escrita, ali conseguem coordenar suas ideias, até mesmo sem o peso da convicção, da entonação das frases e dos acentos da voz. Entenda-se: o ser tem muitas camadas, a verbal é apenas uma. De algumas pessoas observei personalidades variadas: eram uma ao escrever, outra ao telefone, outra pessoalmente, e ao microfone... Em cada ambiente de comunicação, eram certos tópicos que apareciam. Na minha mente, c

Anonimato*

Quero o anonimato das estrelas que brilham sem serem notadas e mesmo assim não deixam de irradiar sua luz quero o anonimato da chuva que devolve vida à terra seca quero o anonimato da lua que encanta os poetas e desperta nos silêncios da alma as palavras fecundadas pela beleza que nascem da contemplação quero o anonimato dos rios que enfrentam dificuldades para chegar ao mar e ao concluírem seu percurso não recebem aplausos mas imersos na felicidade sabem ser apenas silêncios de agradecimento *Padre Flávio Sobreiro Poeta, escritor, estudante de filosofia clínica Cambuí/MG

Taumaturgos*

"Fazer durar o que passa, adiantar ou atrasar a hora prescrita, apoderar-se dos segredos da morte para lutar contra ela, servir-se de fórmulas naturais para ajudar ou frustar a natureza, dominar o mundo e o homem, refazê-los, talvez criá-los.."                        Marguerite Yourcenar                             Existe uma pluralidade de eventos, ainda sem batismo, na atividade clínica. Essa irrealidade, nem sempre decifrável, aprecia se esboçar em algum ponto do constructo metodológico, as habilidades, o talento do terapeuta, a qualidade da interseção, como um oráculo em busca do melhor instante para se revelar. Esse rascunho, sobre o fenômeno taumaturgia, se propõe a uma breve introdução sobre o tema.  Ao realizar um movimento descritivo dessas práticas tão antigas e tão próximas, um subterfúgio ritual se desdobra em várias línguagens. Ao eficaz articulador da palavra mágica se oferece a matéria-prima das fontes da palavra terapia. Sua mensagem secreta, refug

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