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O Solitário*

Como alguém que por mares desconhecidos viajou, assim sou eu entre os que nunca deixaram a sua pátria; os dias cheios estão sobre as suas mesas mas para mim a distância é puro sonho. Penetra profundamente no meu rosto um mundo, tão desabitado talvez como uma lua; mas eles não deixam um único pensamento só, e todas as suas palavras são habitadas. As coisas que de longe trouxe comigo parecem muito raras, comparadas com as suas —: na sua vasta pátria são feras, aqui sustém a respiração, por vergonha. *Rainer Maria Rilke

O prazer de ensinar*

Há muito tempo descobri que estou na profissão certa. Hoje aconteceu a confirmação disso. Minha querida e amada senhora Filosofia não foi a bola da vez. Por incrível que possa parecer (eu fugi de exatas e fui logo para a mais humana das humanas), foi MATEMÁTICA que me pediram ajuda! Um aluno chegou a mim e disse: “tio, quanto é -9-5?” Eu disse: “-14”. E ele ficou com olhar de ponto de interrogação: “ah...”. Então peguei papel e lápis e fui explicar o princípio básico das contas de somar com sinais diferentes – positivo, negativo. Ele falou: “posso ficar com o papel?” “Claro!”, respondi. Alguns outros me olharam estupefatos: “você sabe matemática? Então ensina a gente!” Sinto um imenso prazer em ensinar! Sentir-me útil de alguma maneira é uma coisa que transborda meu coração. Meus ex-alunos de pré-vestibular comunitário podem não ter dado muita importância ao que falei, mas eu sinto imensa gratidão ao vê-los em seus cursos universitários! (Uns já t

Quando a vida se torna ficção*

Há muitos filmes de ficção que parecem nascidos de fatos verídicos. Quando terminamos de assistir a determinados filmes, chegamos mesmo a duvidar que tal história nunca tenha existido. Os papéis foram tão bem interpretados, a música casava-se perfeitamente com as cenas, a iluminação e as paisagens onde ocorreram as filmagens chegavam a beirar a perfeição. Cada gesto e expressão facial dos atores expressavam uma verdade que poderia enganar a pessoa mais esperta. Esta realidade dos filmes de ficção é vivenciada por muitas pessoas que criam para si mesmas verdadeiros roteiros de um mundo que não existe. Nesta trama que compõe o roteiro de suas vidas estas pessoas ganhariam facilmente o Oscar de melhores atores e atrizes na categoria ficção. É complexo definirmos quando começa o processo de criação de um roteiro de ficção na vida. Geralmente ele é desenvolvido a partir de uma grande dor, ou perda. Interessante notarmos que os grandes roteiros de ficção começam justamente a par

A palavra miragem*

Um visar insinua mensagens num sopro de palavra irreconhecível. Seu dizer reverencia um lugar onde se antecipam realidades. Sua distorção do ângulo de visão lhe concede a nudez da primeira mirada. Essa lógica busca as possibilidades absurdas à espera das infinitas leituras. As expressões caladas pela camisa de força da normalidade (rituais médicos, religiosos, escolares), poderia anunciar incontáveis horizontes. Suas derivações ofereceriam novas verdades. Uma tez de olhar inédito compartilharia o segredo dos refúgios. Sua fonte anunciaria a poética do existir para além da razão exclusiva. O movimento da nuvem contradição exalta incompletudes, antíteses, irregularidades. Com ele uma subversão se aproxima, relembra as margens desmerecidas. Aqui a definição pode ser desconcerto, aniquilar aquilo que busca compreender. Numa realidade assim disposta, trata-se de um crime inafiançável a pretensão de viver sem fronteiras. A palavra miragem reivindica um espírito visionário, muitas vez

O Voo*

Goza a euforia do voo do anjo perdido em ti. Não indagues se nossas estradas, tempo e vento desabam no abismo. Que sabes tu do fim... Se temes que teu mistério seja uma noite, enche-o de estrelas conserva a ilusão de que teu voo te leva sempre para mais alto no deslumbramento da ascensão. Se pressentires que amanhã estarás mudo, esgota como um pássaro as canções que tens na garganta. Canta, canta para conservar a ilusão de festa e de vitória, talvez as canções adormeçam as feras que esperam devorar o pássaro. Desde que nasceste não és mais que um voo no tempo rumo ao céu? Que importa a rota voa e canta enquanto resistirem as asas. * Menotti Del Picchia

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