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Leitura e Escrita*

A leitura, é de facto, em meu entender, imprescindível: primeiro, para me não dar por satisfeito só com as minhas obras, segundo, para, ao informar-me dos problemas investigados pelos outros, poder ajuizar das descobertas já feitas e conjecturar as que ainda há por fazer. A leitura alimenta a inteligência e retempera-a das fadigas do estudo, sem, contudo, pôr de lado o estudo. Não deve­mos limitar-nos nem só à escrita, nem só à leitura: uma diminui-nos as forças, esgota-nos (estou-me referindo ao trabalho da escrita), a outra amolece-nos e embota-nos a energia. Devemos alternar ambas as actividades, equilibrá­-las, para que a pena venha a dar forma às ideias coligidas das leituras. Como soe dizer-se, devemos imitar as abelhas que deambulam pelas flores, escolhendo as mais apropriadas ao fabrico do mel e depois trabalham o material recolhido, distribuem-no pelos favos e, nas palavras do nosso Vergilio, o líquido mel acumulam, e fazem inchar os alvéolos de doce néctar. (...)

Em busca de um milagre. Dica de um jovem filósofo para se resistir à tentação de ser santo*

Vamos admitir: não somos mais do que nos fizemos com nossas próprias escolhas, quase sempre substituindo o esforço da esperança pelo seu inverso, acostumando-nos a tomar por verdadeiro que já somos o que ainda esperamos realizar. Como sempre houve muitas pequeninas e importantes coisas para serem feitas na concretização dos nossos sonhos, todo aquele que espera nunca alcança. Há quem diga ter fé sem nunca haver sentido esperança. A primeira é uma certeza absoluta, uma consciência quite consigo mesma, que se satisfez com alegria em haver entregue tudo de si, permitindo suportar todo sacrifício do mundo, pois já se encontra confiante que Deus lhe aceitou no reino dos céus. Ter fé em Deus, na concepção cristã, não significa crer que Ele nos livrará das dores e desafios. Nunca poupou nenhum santo. Ao contrário, ter fé é aceitar de bom grado a cruz dos próprios pecados ou erros e perdoar-se responsavelmente, assumindo as conseqüências com a cabeça erguida e doçu

Fragmentos de poesia, filosofia, vida*

"Não nascemos livres: a liberdade é uma conquista - e mais: uma invenção"   "A palavra é a amante e o amigo do poeta, seu pai e sua mãe, seu deus e seu diabo, seu martelo e sua almofada. Também é seu inimigo: seu espelho"   "Cada poema é único. Em cada obra lateja, com maior ou menor intensidade, toda a poesia. Portanto, a leitura de um só poema nos revelará, com maior  certeza do que qualquer investigação histórica ou filológica, o que é a poesia " "A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade" *Octávio Paz

Apontamentos de lógica superlativa*

Existe um mundo exageradamente singular. O lugar constitui-se de eventos descritos por um vocabulário de exuberâncias. Uma estrutura onde tudo se agiganta diante das expressões de êxtase. Sua sobrevida se alimenta de anúncios dos eventos realçados. Seu teor fantástico expressa rumores de imensidão. Seu ser extraordinário transborda numa perspectiva exaltada. Nas entrelinhas do discurso bem ajustado essa lógica dos excessos busca emancipar-se. Um devir assim aprecia o refúgio numa dialética dos sobressaltos. Ao sujeito constituído nalguma forma de esteticidade, não é raro o olhar da tradição prescrever-lhe alguma tipologia, enquadrando-o como desajustado. Ao surgir numa intensidade máxima contrapõe-se a rotina mediana. Seu dizer superlativo emancipa o cotidiano para engendrar sonhos, arremessar possibilidades. Os relatos dessa linguagem sugere um brilho incomparável ao seu autor. Desdobrando-se para além dos territórios conhecidos, modifica recriando o lugar_espaço_tempo ao seu re

Toda a vida num único momento*

Pensar que a felicidade está onde não estamos é dar asas ao inatingível; se há momentos em que rimos e nos sentimos plenos, por que não admitir que a felicidade é possível?   Por que essa busca incessante do ad aeternum, se este tempo não foi feito para nós, humanos, e sim para os deuses?   Se é tão difícil ser feliz e se é tão bom sê-lo, por que não fingir pelo menos um sorriso.   Fingir?   Fingir seria certamente uma máscara e esta não condiz com a vivência plena que precisamos ter das coisas. Ser feliz deve ser um peito aberto, desarmado ante o medo da incongruência ou do inesperado, colocar-se frente à vida sem temer que um soco por trás pegue-nos as costas.  Deve-se confiar e rir, achando que o momento seguinte será melhor ainda. Utopia?  Que importam denominações, suposições, possibilidades.... ser feliz deve ser tão bom quanto caminhar na chuva e não se molhar; deve ser tão bom quanto abraçar um amigo, sentindo-o apenas como tal e, às vezes, sentindo no entrelaçar d

Saber não é poder**

A contemporaneidade se caracteriza pelo volumoso número de métodos de crescimento pessoal. Tanto os métodos psicológicos como o cognitivo-comportamental (TCC), quanto a programação neurolinguística (PNL) ou até livros de autoajuda (AJ), nos “empurram” meios de superar dificuldades, hábitos ou qualquer outro tipo de “problema” em nossas vidas. Mas, quais os limites dessas abordagens? A Filosofia Clínica (FC), uma abordagem terapêutica, traz consigo diversos ganhos. O primeiro deles está no fato de reconhecer que não é a principal, única ou última das possibilidades de viabilização do bem estar de uma pessoa (seja lá o que podemos entender por “bem-estar”). Assim, a FC nos ensina que a religião, os livros, os amigos, as abordagens psicológicas e psicanalíticas, as escolas e tantos outros meios, podem contribuir para determinados fins almejados por uma pessoa. Diante das possibilidades elencadas acima, é importante ressaltar que a diversidade se dá pela singularidade

Personagem*

Teu nome é quase indiferente e nem teu rosto mais me inquieta. A arte de amar é exatamente a de se ser poeta. Para pensar em ti, me basta o próprio amor que por ti sinto: és a ideia, serena e casta, nutrida do enigma do instinto. O lugar da tua presença é um deserto, entre variedades: mas nesse deserto é que pensa o olhar de todas as saudades. Meus sonhos viajam rumos tristes e, no seu profundo universo, tu, sem forma e sem nome, existes, silêncio, obscuro, disperso. Teu corpo, e teu rosto, e teu nome, teu coração, tua existência, tudo - o espaço evita e consome: e eu só conheço a tua ausência. Eu só conheço o que não vejo. E, nesse abismo do meu sonho, alheia a todo outro desejo, me decomponho e recomponho. *Cecília Meireles

Intimidade*

                                               No dia do lançamento do livro, estava preocupado. Parecia até que o autor era eu. Nunca havia comparecido a uma sessão de autógrafos restrita a pouquíssimos convidados. Imaginava uma sala quase vazia onde o autor, depois dos trinta minutos iniciais de movimentação de pessoas, restaria isolado, apoiado em uma mesa, torcendo para que mais alguém entrasse na livraria. Depois de mais uns trinta minutos de espera e solidão disfarçada, encerraria a sessão com a sensação de vazio. Não gostaria que isto acontecesse contigo e gastei várias horas pensando estratégias de preencher física e emocionalmente a livraria. A idéia de fazer o lançamento em um local pequeno, íntimo, numa cidadezinha no interior de Minas Gerais havia sido tua. Eu era apenas um convidado. Achei que não deveria questionar, afinal de contas, você é uma escritora experiente e eu, apenas um aprendiz. Também fiquei com receio de te contaminar com meus fantasmas. Apesar dist

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