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Traduzir-se*

 Uma parte de mim  é todo mundo:  outra parte é ninguém:  fundo sem fundo.  Uma parte de mim  é multidão:  outra parte estranheza  e solidão.  Uma parte de mim  pesa, pondera:  outra parte  delira.  Uma parte de mim  almoça e janta:  outra parte  se espanta.  Uma parte de mim  é permanente:  outra parte  se sabe de repente.  Uma parte de mim  é só vertigem:  outra parte,  linguagem.  Traduzir uma parte  na outra parte  - que é uma questão  de vida ou morte -  será arte? *Ferreira Gullar

Invasão oceânica*

Em uma entrevista, o filósofo Pierre Hadot define sua conversão filosófica na juventude a partir da uma visão espetacular do céu noturno e, definindo a emoção que o acometeu naquele momento, diz que foi invadido por um “sentimento oceânico” de prazer e admiração. Vou usar essa expressão dele com uma pequena alteração na linguagem mas tentando manter o significado no sentido de uma coisa que é maior do que aquilo que se pode suportar e que acaba por colocar abaixo os limites que antes faziam parte desse algo bem definido. No caso, vou usar a frase invasão oceânica. O sentido dessa frase já coloquei, mas em que contexto pretendo usá-la? No contexto familiar. A psiquiatria e seus conceitos já romperam a barreira da própria profissão e assim invadiram várias instituições e áreas que nada tinham a ver com sua atividade inicial e seu território original. Uma dessas instituições e território invadido foi o das escolas. Elas, por sua vez, invadidas, acumula

Carpe Diem*

Que faço deste dia, que me adora? Pegá-lo pela cauda, antes da hora Vermelha de furtar-se ao meu festim? Ou colocá-lo em música, em palavra, Ou gravá-lo na pedra, que o sol lavra? Força é guardá-lo em mim, que um dia assim Tremenda noite deixa se ela ao leito Da noite precedente o leva, feito Escravo dessa fêmea a quem fugira Por mim, por minha voz e minha lira.     (Mas já se sombras vejo que se cobre       Tão surdo ao sonho de ficar – tão nobre.       Já nele a luz da lua – a morte – mora,       De traição foi feito: vai-se embora.) *Mário Faustino

Vontade e método*

Para algumas organizações o que vale é basicamente a motivação, o ânimo, a vontade. Dizem os gestores que sem motivação os resultados não aparecem, por isso estão constantemente investindo em palestras motivacionais. A motivação tem como função fazer com que a pessoa tenha vontade de trabalhar, que ela queira, busque, tenha ânimo para produzir. Para outras organizações o peso maior está sobre o método, sendo que o aspecto motivacional fica um tanto de lado, cabendo aqui um discurso mais racional, de cunho mais prático. Tanto na organização voltada para a motivação, quanto naquela voltada para o método, os resultados irão aparecer. No entanto, há uma limitação quando se fala em vontade, pois por mais que se tenha vontade, a falta de um método pode conduzir tudo ao fracasso. A vontade pode continuar e o fracasso se repetir, isso intermináveis vezes. A não ser que se tenha um complexo de Sísifo, que é começar algo que já sabe que vai dar errado, a sugestão é continuar com a v

Poeta*

do poeta tudo se espera faça um poema aí, eles dizem que contenha a primavera estação que ainda vem um poeta se comanda basta acionar, eles pensam que o poema anda envie-me um soneto até a noite quero um haikai de manhã tenha uma ideia brilhante para enfeitar este instante ao poeta se encomenda rimas ricas, por favor, não esqueça das aliterações de ser raro, claro e breve nos dê hoje, tudo que nos deve crie desejos invente necessidades encante a todos com sua capacidade pagamos pouco, é verdade, mas você pode receber mais tarde afinal, o poeta vive de vento, flores, sonhos, basta, pensam eles, alimentar sua vaidade me empresta tua emoção aí, artista, é o que todos esperam mas não tem ninguém à vista querendo ouvir a poesia que faz o coração do poeta quando silencia.  *Alice Ruiz 

O veneno da inveja e suas consequências*

“Há poucos homens capazes de prestar homenagem ao sucesso de um amigo, sem qualquer inveja.”                                                                     Ésquilo Não posso garantir que a frase acima seja do autor em questão. Mas uma coisa sei: ela carrega consigo uma verdade. Muitos se alegram com as dores do outro. Contraditório? Não. Quando alguém não consegue uma vitória que havia buscado, há uma solidariedade por vezes camuflada. Nem todos se alegram, mas é verdade também que nem todos se compadecem. É mais fácil ser solidário na dor que se alegrar com as conquistas dos amigos. Ver a felicidade alheia causa sintomas que roubam a paz que falta no olhar de quem vê o sorriso da vitória. Um sorriso que não nasce dos nossos próprios lábios sempre é fácil de ser digerido. Bom mesmo é sorrir com nossas conquistas e ver o olhar do outro querendo consumir em prestações a nossa felicidade. Triste realidade de quem vive na dependência do consumismo alheio. Mais tri

A cidade e os livros*

O Rio parecia inesgotável àquele adolescente que era eu. Sozinho entrar no ônibus Castelo, saltar no fim da linha, andar sem medo no centro da cidade proibida, em meio à multidão que nem notava que eu não lhe pertencia — e de repente, anônimo entre anônimos, notar eufórico que sim, que pertencia a ela, e ela a mim —, entrar em becos, travessas, avenidas, galerias, cinemas, livrarias: Leonardo da Vinci Larga Rex Central Colombo Marrecas Íris Meio-Dia Cosmos Alfândega Cruzeiro Carioca Marrocos Passos Civilização Cavé Saara São José Rosário Passeio Público Ouvidor Padrão Vitória Lavradio Cinelândia: lugares que antes eu nem conhecia abriam-se em esquinas infinitas de ruas doravante prolongáveis por todas as cidades que existiam. Eu só sentira algo semelhante ao perceber que os livros dos adultos também me interessavam: que em princípio haviam sido escritos para mim os livros todos. Hoje é diferente, pois todas as

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