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Mostrando postagens de fevereiro, 2014

Tabacaria*

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo. que ninguém sabe quem é ( E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens, Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus ne

Cotidiano, poesia, filosofia*

Fico a pensar... E a pesar... Tempo sem tempo Excessos e tantas faltas Modelos de saúde perfeita e tanta doença Marginalidade por todo lado Corrupção aplaudida em votos Mundos paralelos no entorno Alienação midiática... Carnaval e futebol para mascarar O desamor fantasiado em amor - Quem é o Homem? - Quem somos nós? *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, escritora, filósofa clinica Juiz de Fora/MG

Literal_idades*

Uma expressão levada ‘ao pé da letra’ gostaria de significar-se sem intermediários. Descrever a alma do autor através das suas palavras, gestos, visões, inspirações. Traduzir estados de espírito tal e qual. Propor sua própria objetividade – nota promissória – da ciência tradicional. O dado literal reivindica a busca por uma intencionalidade sem rasuras. O sentido da autoria num instante, uma fotografia da estrutura de pensamento. Para acessar a região onde a representação tem origem se exige um conhecimento da subjetividade. Um fenômeno assim, em seus aspectos preliminares, requer uma aproximação de maior qualidade. Uma descrição para registrar a essência da linguagem singular. Ao sujeito, em busca de compartilhar-se, nem sempre é possível elucidar suas vontades. Eis um risco da interpretação especialista, a qual, distanciada da fonte discursiva, costuma cegar diante dos rastros da intenção primeira.   A partir dessa correspondência entre pensar e dizer, um querer en

A um ausente*

Tenho razão de sentir saudade, tenho razão de te acusar. Houve um pacto implícito que rompeste e sem te despedires foste embora. Detonaste o pacto. Detonaste a vida geral, a comum aquiescência de viver e explorar os rumos de obscuridade sem prazo sem consulta sem provocação até o limite das folhas caídas na hora de cair. Antecipaste a hora. Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas. Que poderias ter feito de mais grave do que o ato sem continuação, o ato em si, o ato que não ousamos nem sabemos ousar porque depois dele não há nada? Tenho razão para sentir saudade de ti, de nossa convivência em falas camaradas, simples apertar de mãos, nem isso, voz modulando sílabas conhecidas e banais que eram sempre certeza e segurança. Sim, tenho saudades. Sim, acuso-te porque fizeste o não previsto nas leis da amizade e da natureza nem nos deixaste sequer o direito de indagar porque o fizeste, porque te foste *Carlos Drummond

O fim das certezas*

Heráclito com o devir, Platão com sua dialética, Aristóteles com potência e ato, Kant com os limites da razão, Kierkegaard com a angústia, Husserl com as críticas às certezas das ciências contemporâneas, e tantos outros pensadores, dos quais esses são apenas de caráter ilustrativo, mostram o limite e as incertezas diante da busca de dar um caráter absoluto ao saber humano.   Filosofia é busca pelo saber. O que há de mais comum no universo filosófico é o reconhecimento de que não se está dando a certeza absoluta para suas buscas. Não há frustração por isso. Aqui a humanidade mostra uma de suas realidades mais originais, o reconhecimento da limitação. Albert Camus postula que diante do mundo, o homem vive o sentimento de absurdo quando reconhece que sua razão não pode abarcá-lo. Heidegger apresenta a angústia diante da limitação humana com a morte, como passo necessário para existir autenticamente. Sartre apresenta a falta de determinação ou destino e a angústia diante da li

O Mapa*

Olho o mapa da cidade Como quem examinasse A anatomia de um corpo... (É nem que fosse o meu corpo!) Sinto uma dor infinita Das ruas de Porto Alegre Onde jamais passarei... Há tanta esquina esquisita, Tanta nuança de paredes, Há tanta moça bonita Nas ruas que não andei (E há uma rua encantada Que nem em sonhos sonhei...) Quando eu for, um dia desses, Poeira ou folha levada No vento da madrugada, Serei um pouco do nada Invisível, delicioso Que faz com que o teu ar Pareça mais um olhar, Suave mistério amoroso, Cidade de meu andar (Deste já tão longo andar!) E talvez de meu repouso... *Mário Quintana

Motivos para se desapaixonar*

Sempre fui apaixonado por futebol. Acho até que era um tanto fanático pelo meu clube, o Internacional de Porto Alegre.  Ia ao estádio assistir todos os jogos, com chuva, frio ou vento forte. Ganhando ou perdendo estava lá para ver meu time jogar e torcer por uma vitória. Aos poucos fui perdendo o interesse a ponto de hoje não assistir nem aos jogos transmitidos pela televisão. Mas a apatia não foi sem motivo. O futebol se profissionalizou demais, virou muito mais técnica que talento. O amor pela camiseta e a garra que marcaram minha infância já não são os mesmos. E quando as coisas deixam de ser feitas por amor e paixão e o dinheiro passa a ser o combustível, a graça e a beleza murcham como flores sem água no deserto. Meu fascínio pelo futebol acabou, mas lá no fundo ainda ficou a lembrança dos bons tempos e o desejo de resgatar a paixão de ir à campo vestindo a camiseta do clube, pintar o rosto com a cor vermelho-paixão e voltar orgulhoso ao final da pa

A solidão*

Um jornalista filantropo disse-me que a solidão é má para o homem, e, em apoio a sua tese, cita, como todos os incrédulos, as palavras dos Padres da Igreja. Eu sei que o Demônio frequenta prazerosamente os lugares áridos e que o Espírito do assassínio e da lubricidade inflama-se maravilhosamente na solidão. Mas é possível que esta solidão não seja perigosa senão para almas ociosas e divagantes que povoam suas paixões e suas quimeras. É certo que um tagarela, cujo supremo prazer consiste em falar do alto de um púlpito ou de uma tribuna, se arriscaria a tornar-se um louco furioso na ilha de Robinson. Eu não exijo de meu jornalista as corajosas virtudes de Crusoé, mas peço que ele não acuse os amantes da solidão e do mistério. Há, em nossas raças faladoras, indivíduos que aceitariam com menos repugnância o suplício supremo se lhes fosse permitido fazer do alto do cadafalso uma copiosa arenga, sem medo de que os tambores de Santerre lhes cortassem intempestivamente a palav

Amores Modernos*

Indivíduos realizados, alegres e com vidas próprias, compõe casais mais interessantes, interagentes, interativos. É bom pensar que uma característica marcante do amor é a clara percepção do outro, e o cuidado em não frustrá-lo nem coagi-lo gratuitamente. Indivíduos realizados, alegres e com vidas próprias, compõe casais mais interessantes, interagentes, interativos. Tentar impedir que o outro se cuide fisicamente, que estude, que dance, que jogue bola, para não correr o risco dele se interessar por alguém em uma dessas oportunidades, empobrece a relação, limitando a mente e o corpo. Tolhe a libido, inibe o desejo sincero e a vontade de impressionar o parceiro se fazendo atraente. A insegurança e o não permitir que o outro evolua, respire e viva, faz com que os casais fiquem atrofiados, sem papo, sem entrosamento e sem graça. … mas se o outro der claras mostras de querer estar sozinho, lá se vão todas as declarações de compreensão, maturidade, responsabilidade, di

O menino que escrevia versos*

"De que vale ter voz se só quando não falo é que me entendem? De que vale acordar se o que vivo é menos do que o que sonhei? (VERSOS DO MENINO QUE FAZIA VERSOS)" — Ele escreve versos! Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha. — Há antecedentes na família? — Desculpe doutor? O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não. O pai da criança, mecânico de nascença e preguiçoso por destino, nunca espreitara uma página. Lia motores, interpretava chaparias. Tratava bem, nunca lhe batera, mas a doçura mais requintada que conseguira tinha sido em noite de núpcias: — Serafina, você hoje cheira a óleo Castrol. Ela hoje até se comove com a comparação: perfume de igual qualidade qual outra mulher ousa sequer sonhar? Pobres que fossem esses dias, para ela, tinham sido lua-de-mel. Para ele, não fora senão período d

E se...*

             E se um dia você acordasse e tudo a sua volta tivesse mudado? Se todas as coisas tivessem mudado de lugar? Se as árvores já não crescessem do mesmo jeito? Se as pessoas comessem coisas diferentes e de modo totalmente distinto do qual você havia se habituado a ver? Se todo constructo educacional prévio, tivesse se tornado obsoleto e outro modo houvesse se consolidado sem que você tivesse se dado conta antes? Se o mundo que você conhecia antes, já não fosse, em nada, parecido com o que você acaba de se deparar ao acordar?             E se você resolvesse levantar de sua cama, no desconserto das novas perspectivas, e resolvesse se aventurar nessas novidades? Se resolvesse comparar menos as coisas que vê agora com as que antes havia se habituado? Se, então, se permitisse tocar as coisas de forma única, nova? Se, semelhante a uma criança, se permitisse o maravilhar-se ante tudo o que nunca viu? Se deixasse com que as coisas que causassem alegr

O cântico da terra*

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a flor. Eu sou a fonte original de toda vida. Sou o chão que se prende à tua casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranqüila ao teu esforço. Sou a razão de tua vida. De mim vieste pela mão do Criador, e a mim tu voltarás no fim da lida. Só em mim acharás descanso e Paz. Eu sou a grande Mãe Universal. Tua filha, tua noiva e desposada. A mulher e o ventre que fecundas. Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor. A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu. Teu arado, tua foice, teu machado. O berço pequenino de teu filho. O algodão de tua veste e o pão de tua casa. E um dia bem distante a mim tu voltarás. E no canteiro materno de meu seio tranqüilo dormirás. Plantemos a roça. Lavremos a gleba. Cuidemo

Modelo Mental*

Kant, filósofo alemão, diz que o homem tem um esquema mental que o permite reconhecer e agrupar as coisas de acordo com suas categorias. Para ele as categorias já estão em nós, ou seja, é uma característica inata do ser humano, aspecto que a Filosofia Clínica discorda. Outro filósofo, chamado de Arthur Schopenhauer, diz que o mundo é de acordo com minha representação, ou seja, existe um mundo diferente para cada pessoa. Unindo as ideias destes dois grandes pensadores pode-se dizer então que para cada um o mundo é vivido de maneira diferente e ainda que cada um tem um modelo mental através do qual percebe e classifica o mundo que está a sua volta. Desse modo, alguns modelos mentais permitem que algumas pessoas andem pela cidade e percebam certas coisas, como carros, pessoas, estradas, prédios, mas não lhe permitem ver as flores, os pássaros, os cachorros, a grama verde. Agora, imagine que você gerencie uma organização. Nela, de acordo com o seu modelo mental que orienta a sua r

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