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Mostrando postagens de setembro, 2014

Escrever...*

Quem gosta de escrever entende. Quando a alma se encolhe não há como escrever. Torna-se algo impossível. Daí não tem o que fazer. A não ser esperar. Qualquer tentativa de esforço é em vão. As palavras partem-se pela metade. Não acham o seu lugar certo. Não conseguem completar uma frase inteira. As letrinhas tornam-se triangulares. Cheias de pontinhas. Não rimam. Não constroem melodias. Ferem-se umas as outras. Aí digo para mim mesmo: Ah, Zé, não machuque as letrinhas.... De repente aparece como que um clarão. E no ônibus. E eu sem caneta. Aproximei-me, timidamente, de todos os passageiros. Pedindo-lhes, por favor, uma caneta emprestada. Mas não havia canetas. Pensei em descer do ônibus e escrever na areia. Ou na água. Uma senhora viu meu alegre desespero e emprestou-me seu lápis de colorir os olhos. Aceitei, assim sem jeito. E que é o meu jeito. Escreveria a mim, através dos olhinhos dela.... Pouco depois, vendo-me escrever, minha amiga, sentada ao meu lado deu-me a

Fragmentos filosóficos delirantes*

"(...) Não é à crítica que me quero referir, porque ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala. Repontar com isso seria, além de absurdo, indício de um grave desconhecimento da história literária, onde os gênios inovadores foram sempre, quando não tratados como doidos (como Verlaine e Mallarmé), tratados como parvos (como Wordsworth, Keats e Rossetti) ou como, além de parvos, inimigos da pátria, da religião e da moralidade, como aconteceu a Antero de Quental, sobretudo nos significativos panfletos de José Feliciano de Castilhos, que aliás, não era nenhum idiota. (...)" "(...) Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exatamente os olh

Poéticas da Singularidade*

Voo em liberdade Suspirando flores Confiante na existência Brincando e dançando aos ventos Deixei de ser gente Sou pássaro passarinho Saí do meu ninho Viajo por ares a colher sementes Voo e sinto o sol Salto nas folhagens Dos múltiplos verdes Sou forasteiro de asas abertas a experimentar O vir-a-ser da real imaginação Rompo horizontes e mergulho nos mares do sem fim! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Filósofa Clínica, Escritora, Poeta Juiz de Fora/MG

Soneto XLIII*

Um sinal teu busco em todas as outras, no brusco, ondulante rio das mulheres, tranças, olhos apenas submergidos, pés claros que resvalam navegando na espuma. De repente me parece que diviso tuas unhas oblongas, fugitivas, sobrinhas de uma cerejeira, e outra vez é teu pelo que passa e me parece ver arder na água teu retrato de fogueira. Olhei, mas nenhuma levava teu latejo, tua luz, a greda escura que trouxeste do bosque, nenhuma teve tuas mínimas orelhas. Tu és total e breve, de todas és uma, e assim contigo vou percorrendo e amando um amplo Mississipi de estuário feminino. *Pablo Neruda

A Ordem do Discurso*

          Eu deitado na rede Que o médico disse Para pescar todos os sentidos profundos Rogério de Almeida                   A labuta de Paul-Michel Foucault, filósofo, que nasceu em Poitiers, na França, na década de 20, tem influenciado o pensamento em muitos campos da teoria social, principalmente da educação. Um dos principais desafios foucaultianos é a visão de que verdade e poder estão mutuamente interligados, através de práticas contextualmente específicas, que por sua vez, estão intimamente intrincadas à produção do discurso.          No magnífico texto, A Ordem do Discurso, Foucault ao se pronunciar, percebe uma voz sem nome, e com isso permite ser arrebatado pela palavra. Com sólidos conhecimentos acerca das diversas manifestações de poder através do discurso, Foucault nos leva a compreender as idéias básicas de sua linha filosófica sobre saber, poder e sujeito, bem como a descobrir o poder das palavras no discurso do indivíduo, que ora o exclui, reprime, ora o

Enquanto Faço Verso*

Enquanto faço o verso, tu decerto vives. Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue. Dirás que sangue é o não teres teu ouro. E o poeta te diz: compra o teu tempo Contempla o teu viver que corre, escuta O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo. Enquanto faço o verso, tu que não me lês Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala. O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas: “Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”. Irmão do meu momento: quando eu morrer Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo: Morre o amor de um poeta. E isso é tanto, que o teu ouro não compra, E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto Não cabe no meu canto. *Hilda Hist

Esperança*

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano Vive uma louca chamada Esperança E ela pensa que quando todas as sirenas Todas as buzinas Todos os reco-recos tocarem Atira-se E — ó delicioso voo! Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada, Outra vez criança… E em torno dela indagará o povo: — Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes? E ela lhes dirá (É preciso dizer-lhes tudo de novo!) Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam: — O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA… *Mário Quintana

Sociedade sem escolas!*

Imagine uma sociedade sem escolas.  Esta sociedade também não terá aprendizados? Sim, terá. A relação direta entre escola-aprendizado é tão falaciosa quanto a relação escola-educação. Uma criança que entra na escola formal, e isso não é de hoje, muitas vezes já sabe ler, falar outra língua, por influência familiar ou porque viajou com pais desde muito pequena, tem seu gosto pela leitura incentivada por uma família que adora ler, já sabe tocar algum instrumento musical, já tem contatos mais aprofundados com algum esporte que, porventura, os pais jogam.  Como ela obteve todas essas aprendizagens se, embora intencional, nenhuma foi precedida de um currículo formal? Não é de hoje também, que muitos educadores e filósofos já atentaram para o fato do autodidatismo ser a melhor forma de aprender. E por quê? Por que ela é automotivada. Se a automotivação é o motor do aprendizado – qualquer aprendizado e em qualquer idade ou fase da vida – por que obrigar as crianças a irem à escol

Agendamentos*

As vezes penso que sou feita de ar, mar e poesia. Estranha sensação de não pertencer ao mundo dos seres humanos. Ora me sinto água, ora me sinto chão, e, de repente, viro multidão! São tantas as personas da minha alma que não consigo quantificar. Olho discretamente minha sombra na parede. Enxergo uma figura com forma de "ser" refletida e me encanto! Quanto mais profundo for o sentimento de busca mais e mais eu me encontro. Um encontro meio tímido, um pouco silencioso... Apenas um encontro! E pensar que por vezes me senti tão distante de tudo isso que estou sendo e fazendo a cada amanhecer!!! É, viver sempre tem um porquê. No desespero da música que a vida apresenta em cada hora, da noite ou do dia, eu reencontro o sentido de tantas palavras mal proferidas. Quantas noites insones, perdidas! Quantos dias de choro e de luta para se manter de pé diante da hipocrisia que muitas vezes se apresenta nua e crua na estrada da nossa vida, cidade, lugar coraç

As multidões*

Não é dado a todo o mundo tomar um banho de multidão: gozar da presença das massas populares é uma arte. E somente ele pode fazer, às expensas do gênero humano, uma festa de vitalidade, a quem urna fada insuflou em seu berço o gosto da fantasia e da máscara, o ódio ao domicílio e a paixão por viagens. Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis pelo poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua solidão também não sabe estar só no meio de uma multidão ocupadíssima. O poeta goza desse incomparável privilégio que é o de ser ele mesmo e um outro. Como essas almas errantes que procuram um corpo, ele entra, quando quer, no personagem de qualquer um. Só para ele tudo está vago; e se certos lugares lhe parecem fechados é que, a seu ver, não valem a pena ser visitados. O passeador solitário e pensativo goza de uma singular embriaguez desta comunhão universal. Aquele que desposa a massa conhece os prazeres febris dos quais serão eternamente privados o egoísta, fechado como

Convites*

Tudo roda continuando... e nossa jornada convida a sair do eu para sermos Nós! *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Filósofa Clínica, Escritora Juiz de Fora/MG

Certeza*

Se é real a luz branca desta lâmpada, real a mão que escreve, são reais os olhos que olham o escrito? Duma palavra à outra o que digo desvanece-se. Sei que estou vivo entre dois parênteses. *Octávio Paz

Incertezas*

Hoje estava pensando em como é difícil viver nesse mundo repleto de incertezas de um constante vai e vem por todos os lados. Sentei em um bar – sim, porque à beira do caminho é só para os literatos – para tomar um chope e pensar na vida.  Recentemente, li um livro de um filósofo brasileiro chamado Mário Sergio Cortella que nos coloca muitas inquietações. O livro se chama: Qual a tua obra? e eu me peguei pensando nisso enquanto tomava minha gelada.  Confesso que não consegui pensar em nada... Só via pessoas indo e vindo em um frenesi que toma conta hoje de qualquer lugar no mundo – afinal, somos mais de 7 bilhões de destruidores do meio ambiente. Ainda absorto em meus pensamentos o olhando fixamente para o nada, comecei a pensar que poderia estar ficando maluco e que poderia estar sendo acometido pela doença dos grandes filósofos, assim como Nietzsche: a loucura. Sim! Porque nada faz sentido!  As pessoas passando, de um lado para o outro, os ônibus e os carros – aliás,

O verdadeiro significado de uma produção artística*

A verdadeira arte só encontra força para germinar em meio ao caos, ao desespero e a confusão. André Cardoso Czarnobai A arte trabalha com signos, ícones que atravessam nossos sentidos e se dirigem ao inconsciente. Cada vez que acontece a manifestação artística através da produção de uma obra, o artista deseja, entre tantas coisas, extirpar seus demônios; essa é a maneira que ele encontra para se expressar; sendo um perscrutador de caminhos, desnuda sua alma. Marcel Duchamp afirma que o artista tira as certezas, mas sem colocar outras no lugar das que desaparecem, ele é um eterno buscador de novos paradigmas; provocando através da observação de sua obra a procura por um novo olhar, tão urgente em um mundo ávido por formas criativas de comunicação. O artista desenvolve e torna visível um universo próprio; mantendo sua inquietação através de sua obra, buscando em seu cotidiano elementos que se tornaram invisíveis ao olhar humano, muitas vezes desavisado e rotineiro, tor

Nem tudo é fácil*

"É difícil fazer alguém feliz, assim como é fácil fazer triste. É difícil dizer eu te amo, assim como é fácil não dizer nada É difícil valorizar um amor, assim como é fácil perdê-lo para sempre. É difícil agradecer pelo dia de hoje, assim como é fácil viver mais um dia. É difícil enxergar o que a vida traz de bom, assim como é fácil fechar os olhos e atravessar a rua. É difícil se convencer de que se é feliz, assim como é fácil achar que sempre falta algo. É difícil fazer alguém sorrir, assim como é fácil fazer chorar. É difícil colocar-se no lugar de alguém, assim como é fácil olhar para o próprio umbigo. Se você errou, peça desculpas... É difícil pedir perdão? Mas quem disse que é fácil ser perdoado? Se alguém errou com você, perdoa-o... É difícil perdoar? Mas quem disse que é fácil se arrepender? Se você sente algo, diga... É difícil se abrir? Mas quem disse que é fácil encontrar alguém que queira escutar? Se alguém reclama de você, ouça...

Aninha e suas pedras*

Não te deixes destruir… Ajuntando novas pedras e construindo novos poemas. Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça. Faz de tua vida mesquinha um poema. E viverás no coração dos jovens e na memória das gerações que hão de vir. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem a estas páginas e não entraves seu uso aos que têm sede. *Cora Coralina

As mesmas palavras*

"Em seu ser atual, as palavras, acumulando sonhos, fazem-se realidades."  Gaston Bachelard Uma só expressão pode conter, em si mesma, a pluralidade indescritível de significados. Parece uma propriedade especial, essa aptidão de multiplicar-se, para acolher a diversidade existencial em cada um.   É improvável ser o dicionário de sinônimos e antônimos, o guardião de todas as possibilidades para ler, reler, desler suas variáveis discursivas. O território mutante das singularidades aprecia resguardar-se na vontade subjetiva.  Seu esboço, a reivindicar uma chave de leitura específica, popõe qualificar o reencontro com a fonte de onde partiu. Em todo lugar, a cada instante, existe um convite para desbravar inéditos. Mesmo o antigo dialeto, recuperado pelo novo olhar, pode ser refúgio de originais. Assim, as mesmas palavras podem ser outras palavras.  O encontro da expressividade com a intenção do autor, delimita seu sentido. Aqui não se busca o transbordamento

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