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Mostrando postagens de março, 2020

As poéticas da singularidade e seus inimigos***

                             Um novo paradigma deverá conter, necessariamente, contradições com aquilo que busca superar. A nova abordagem, ao emancipar práticas de cuidado e atenção à vida, também redesenha o mapa das problemáticas existenciais. É o caso da Filosofia Clínica, a qual, se fossemos pensar numa história das terapias, seria um capítulo pós Psicanálise. Ao contrário do que afirmam alguns próceres do saber instituído, praticado como uma forma hegemônica de entendimento da questão humana, a Filosofia Clínica desvincula o fenômeno da singularidade das amarras da tipologia, da verdade dos psicofármacos, cuja mordaça limita e condiciona sua expressividade, submetendo seu devir existencial a lógica dos manuais (DSM’s).        Uma das questões essenciais a crítica desses métodos da classificação, é o fato de sua interpretação do fenômeno humano acontecer à distância de onde eles ocorrem, ou seja, o sujeito singular compreendido em sua originalidade, se expressando em l

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"(...) não existem ciências exatas, nem mesmo a matemática, livres de ambiguidades, de erros, de negligências. O valor da poesia está no seu paradoxo, o que a poesia diz é aquilo que não é dito" "(...) Para um escritor a palavra escrita é a realidade" "As grandes histórias de amor vividas por nós escritores raramente são escritas. As histórias de amor que podem ser contadas são as medíocres" "O escritor deve ser essencialmente um subversivo e a sua linguagem não pode ser nem a mistificatória do político (e do educador), nem a repressiva, do governante" "(...) A nossa linguagem deve ser a do não-conformismo, da não-falsidade, da não-opressão. Não queremos dar ordem ao caos, como supõem alguns teóricos. E nem mesmo tornar o caos compreensível" "A poesia, a arte enfim, transcende os critérios de utilidade e nocividade, até mesmo o da compreensibilidade. Toda linguagem muito inteligível é mentirosa" &q

O tempo com tempo*

Em nosso quintal observo Limões, caquis, laranjas e maracujás. Ouço pássaros e latido de cães. Vejo folhas de outono ao vento. Sinto perfume da grama. A exuberante erva cidreira grita: -Aqui estou! Olhe para mim! Tanta beleza, Deus nosso! No fundo do nosso quintal. Sinto a benção da natureza. Sentada estou sob a mangueira. Quanto tempo elas estão aqui E não as namorava. Flores por todas as partes me receberam sem cobrar e julgar. Ah! É nosso Quintal! O sol recolhido deixa o outono chegar. Abacateiro repleto de frutos me convida. Há poesia em todos os cantos A me encantar! Há tempo no tempo! Que quero eu, se já me foi dado? Qual o verdadeiro sentido de tudo em mim? Penso nas Confissões de Agostinho, No Livro Vermelho de Jung, Vitor Frankl na Guerra... Ah! Em Manuel de Barros! E Rubem Alves! Ah! nosso quintal! Vejo agora meus pés no chão. Sinto a unidade da terra neles. Que mais quero eu? Apenas aqui ficar. Respirar e de

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"A leitura funciona como um modelo geral de construção do sentido. A indecisão do intelectual é sempre a incerteza quanto à interpretação, quanto às múltiplas possibilidades da leitura" "A relação de Guevara com o dinheiro está na mesma linha. Por isso não surpreende que tenha chegado a diretor do Banco Nacional em Cuba. Sempre vive de uma economia pessoal precária, fora do social, nunca tem nada, nunca acumula nada, só livros" "(...) outra maneira como Guevara se definia na época. O vagabundo, o nômade, aquele que não aceita as normas de integração. Mas também o que divaga, aquele cuja única propriedade é o uso livre da linguagem, a capacidade de conversar e contar histórias, as histórias intrigantes de sua exclusão e de sua experiência na estrada" "(...) em tudo o mais Guevara funciona como uma identidade neo nacional, é o estrangeiro perpétuo, sempre fora do lugar"  "Kafka inverte as relações, altera os nexos. Não há

Reflexões de um Pensador*

Só é amor se não houver domínio, nem prisão, nem posse e muito menos propriedade. Só é amor se houver respeito, liberdade para ficar ou partir quando quiser e, sobretudo, confiança para se despir por dentro e por fora sem correr risco algum de ser ferido por quem diz amar. Entretanto, caso haja qualquer um desses fenômeno nocivos e opressores numa relação ou numa circunstância, atenha-se e cuide-se imediatamente, pois não se trata de amor e muito menos de pessoa amada ou que ama. Ciúme, possessão, dominação e qualquer tipo de violência moral ou física nunca se configurou ou se configurará amor. Ao contrário, se trata de um claro e inequívoco reflexo de um espelho diante de alguém desleal, egoísta e inseguro demais devido ao efeito do seu próprio mau caráter. Uma pessoa assim não é a vítima, é o vilão doa a quem doer comova a quem comover. A verdade é que ciúme é um descontrole estratégico e uma prova cabal de um desamor próprio tremendo. E quanto mais exaltado se aprese

Fragmentos Filosóficos, Antropológicos, e algo mais*

"(...) Estamos em relação mágica com o Universo" "O mistério é que, entre nós, todas as ideias coexistem e que o conhecimento proporcionado por uma ideia acaba por beneficiar a ideia contrária."  "(...) Pedis-me para resumir, em quatro minutos, quatro mil anos de filosofia e os esforços de toda a minha vida. Pedis-me além disso, para traduzir em linguagem clara conceitos para os quais a linguagem clara não é feita (...) A relatividade, o princípio da incerteza mostram-nos até que ponto o observador de hoje intervém nos fenômenos"  "(...) Existem no mundo alguns exemplares do homem novo, vindos talvez de além das fronteiras do tempo e do espaço" "Aqueles que são grandes, tanto no bem como no mal, são os que abandonam as cópias imperfeitas e se dirigem aos originais perfeitos" "(...) Não é impossível que certos romances, certos poemas, quadros ou estátuas, desprezados até pela crítica especializada, nos indiq

Anotações sobre a estética das travessias***

                         “Uma pessoa que, há semanas, me repetia sempre as mesmas coisas, executa algo na cena da análise que transforma todas as suas coordenadas, suas referências e engendra novas linhas de possível”                                                                                                    Felix Guattari Existe uma região de face indeterminada, mutante e de aparente sem nexo, por onde transitam eventos de epistemologia desajustada. Sua agitação refere moldes sem sentido. Muitas vezes, sequer tem oportunidade de se estabelecer como algo traduzível, enquanto sobrevoa hipóteses. Uma ação assim descrita se assemelha a um compêndio das ventanias. Esses conteúdos de alma nova apreciam o instante caótico para insinuar derivações. Seu existir fugaz surge na intimidade com os rascunhos do exagero. Os enunciados de aspecto delirante protegem outras razões. Espécie clandestina a transgredir limites, parece sem direcionamento para compartilhar a nova c

Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*

"Somos quem designa o lugar da aventura, o lugar da crise, o lugar propício para alargar o horizonte da imaginação, o lugar onde o pensamento, quando desafiado, produz respostas para alguns dos nossos questionamentos"  "(...) O meu repertório é composto de memórias do mundo (...) sou múltipla na minha humanidade. Nunca me resignei a ser uma só criatura. Arrasto comigo uma genealogia que já nem mais sei de que criaturas, de que etnias se constitui" "A língua portuguesa é espúria e libertária (...) Venceu o lado trânsfuga do mundo, afundou-se na totalidade dos seres, farejou o que repousa recôndito, ofertando-lhe nomenclatura inovadora, produzindo sortilégios, encômios, iluminações" "(...) a sabedoria de observar as coisas como parte indissolúvel de um conjunto" "(...) as histórias nasceram para jamais se esgotar (...) ao contarem histórias, liberaram a imaginação humana do cárcere do cotidiano" "Para Machado

Reflexões de um Filósofo Clínico*

A história nos mostra que todos os momentos de crise profunda são, dialeticamente, também momentos de grande reinvenção. O que precisamos aprender com estes tempos de coronavírus? E mais importante: o que precisamos desaprender? * * *   Converso com alguns amigos que, em suas casas, têm tido dificuldade de conviver com os seus parceiros de vida e com os seus filhos. Alguns desses amigos já perceberam que o problema não está nos membros da família, mas em si mesmos. Eles não conseguem lidar é com a sua própria presença incômoda. Acostumados à rotina de trabalho durante a semana e a atividades e passeios nos fins-de-semana, não perceberam que, aos poucos, a sua identidade pessoal se confundiu com a sua personalidade social e profissional. Eles não mais sabem ser simplesmente eles mesmos, não mais conseguem lidar suave e graciosamente com os problemas e com as frustrações simples da vida: o parceiro que reclama da louça suja, a criança inquieta que faz birr

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

"Requer-se o novo para que o pensamento intervenha, requer-se o novo para que a consciência se afirme e a vida progrida. Ora, em princípio a novidade é, evidentemente, sempre instantânea" "Mas a função do filósofo não será a de deformar o sentido das palavras o suficiente para extrair o abstrato do concreto, para permitir ao pensamento evadir-se das coisas ?" "(..) Aliás, uma intuição não se prova, se vivencia" "(...) ela leva em conta não apenas os fatos, mas também, e sobretudo, as ilusões - o que, psicologicamente falando, é de uma importância decisiva, porque a vida do espírito é ilusão antes de ser pensamento"  "(...) o tempo é uma realidade encerrada no instante e suspensa entre dois nadas" "Para as concepções estatísticas do tempo, o intervalo entre dois instantes é apenas um intervalo de probabilidade; quanto mais seu nada se alonga, maior é a chance de que um instante venha terminá-lo" &qu

O fim das certezas*

Heráclito com o devir, Platão com sua dialética, Aristóteles com potência e ato, Kant com os limites da razão, Kierkegaard com a angústia, Husserl com as críticas às certezas das ciências contemporâneas, e tantos outros pensadores, dos quais esses são apenas de caráter ilustrativo, mostram o limite e as incertezas diante da busca de dar um caráter absoluto ao saber humano.   Filosofia é busca pelo saber. O que há de mais comum no universo filosófico é o reconhecimento de que não se está dando a certeza absoluta para suas buscas. Não há frustração por isso. Aqui a humanidade mostra uma de suas realidades mais originais, o reconhecimento da limitação. Albert Camus postula que diante do mundo, o homem vive o sentimento de absurdo quando reconhece que sua razão não pode abarcá-lo. Heidegger apresenta a angústia diante da limitação humana com a morte, como passo necessário para existir autenticamente. Sartre apresenta a falta de determinação ou destino e a angústia diante da lib

Fragmentos Filosóficos, Médicos, e algo mais***

"(...) rotular os indivíduos que se sobressaem, ou que são incapacitados por problemas da vida, de 'doentes mentais' apenas impediu e retardou o reconhecimento da natureza política e moral dos fenômenos para os quais se dirigem os psiquiatras" "(...) a visão de que as chamadas doenças mentais são mais idiomas do que doenças não foi ainda adequadamente articulada, nem suas implicações totalmente apreciadas" "(...) Em suma, Charcot e Guillotin facilitaram às pessoas - especialmente aqueles socialmente oprimidas - serem doentes ou morrer. Nenhum deles lhes facilitou terem saúde ou viver. Eles usaram seu prestígio e conhecimento médico para ajudar a sociedade a modelar-se segundo uma imagem que fosse agradável a ela mesma" "(...) os nomes, e portanto os valores que damos às pinturas - e as doenças - dependem das regras do sistema de classificação que usamos (...) Passamos, portanto, a olhar o vício, a delinquência, o divórcio, o h

Todo o mundo tem um pouco*

Diz a sabedoria popular que de médico e de louco todo mundo tem um pouco. De onde surgiu essa ideia? Não gosto muito de generalizações, mas, no meu caso particular, consegui o diploma de médico bem cedo na vida. Aos vinte e três anos já o tinha segurado nas mãos, levado para emoldurar e, poucos dias depois, estava lá, devidamente afixado em lugar nobre na parede do consultório. O título de louco foi muito mais difícil de conquistar. Exigiu um tempo bem maior para me aprimorar e, por enquanto, não está em exposição. Confesso que durante a faculdade, cheguei a pensar em ser psiquiatra, mas todos os que eu conhecia eram, digamos assim, “um tanto” estranhos, e não queria, de forma alguma, ficar parecido com eles. Na época, fugia de qualquer coisa que se assemelhasse à loucura. A brincadeira era fazer do velho ditado um trocadilho, e dizer que os psiquiatras tinham “um pouco” de médico e “muito” de louco. Generalizações, como é sabido, conduzem a equivocidades. Durante décadas,

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