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Mostrando postagens de março, 2021

Poética Clandestina*

                                                             “A alquimia do verbo é um delírio”                                                                                                                    Ar thur Rimbaud   Uma profecia de caráter excepcional recai sobre alguns escolhidos, que parecem surgir de uma cepa rara, sujeitos a descrever a saga do personagem marginal. Estruturados para surgir como transgressão, desconstroem a certeza de uma só versão para todas as coisas. A atitude inesperada de toda razão oferece uma perspectiva plural na forma de poesia, filosofia, arte, subversão estética ao mundo instituído. No caso da inquietude filosófica, antes de virar comentário ou técnica acadêmica, é a concepção do eu como outros, reapresentada na inspiração libertária dos movimentos da irreflexão. Um cavalheiro andante em busca de sua tribo encontra Adão e Eva no paraíso da singularidade. A palavra realiza uma poética das ruas. Seu caráter de profanação reivindica um rit

Jornada Protagonista*

  A palavra é um manifesto da razão e da denúncia, toda vez que as nossas impressões transbordam e expressam numa intensidade de duração e alcance capaz de tocar nas percepções alheias.  Na razão podemos justificar a temporalidade, e o quanto, as vezes, percebemos pueril e passageiro os sabores e dissabores da vida, sempre tão pertinentes para nos ensinar que o ser só pode mesmo transgredir ou transcender. E, cabe a cada um de nós, a escolha de ser mais um cativo ou mais um protagonista, nessa jornada tão própria de existir sentindo tanto... Sentir muito é o que faz despertar a possibilidade de perceber mais dia menos dia, que tanto a liberdade quanto a prisão são decisões desafiadoras, que sempre tendem na direção de um desfecho capaz de nos oportunizar sermos senhores das nossas próprias escolhas, enquanto, necessariamente, nos lançamos como reféns das consequências. Curiosamente, quando uma sensação de felicidade precisa ser justificada ou anunciada já se trata de uma ilusão,

Algumas considerações sobre terapias*

A revista SUPERINTERESSANTE, edição 254, trouxe como matéria de capa: Terapia Funciona?  Dei um longo depoimento, depois troquei alguns e-mails com a jornalista responsável pela matéria, onde aparece uma citação minha e algumas linhas esperançosas sobre o meu trabalho.   Segundo a jornalista Denize Guedes, que assina a matéria, as neuroimagens de pesquisas, como a realizada na Universidade de Leeds, Inglaterra, apontam para um parecer: talvez “a psicoterapia não funcione pelo motivo que os terapeutas apontam”. O que faria com que a psicoterapia funcionasse na opinião de muitos especialistas é o efeito placebo, a convicção da pessoa de estar sendo auxiliada, da sugestão, da vontade da pessoa em sair do conflito.   Existe algum endereçamento na Filosofia Clínica sobre isso?   Primeiro, algumas vezes a psicoterapia funciona pelos motivos nomeados pelos terapeutas. Exemplo: às vezes impulsos reprimidos, o trabalho direto com os conflitos, a identificação de crenças entortadas fazem

Anotações e Reflexões de um Filósofo Clínico*

  Heráclito de Éfeso dizia haver uma harmonia entre os opostos: noite-dia, guerra-paz, fome-saciedade são pares dialéticos. No fundo, cada par corresponde a uma dupla manifestação de uma única realidade.  Assim é tudo no mundo humano. Seja na história, na sociedade ou na vida interior de cada um, a todo movimento corresponde o movimento contrário. Somos seres dialéticos: quando caminhamos numa direção, caminhamos também na contra-mão. * * * É por isso que, na história humana, todo projeto político leva consigo a sua contradição. Quanto mais se constrói uma sociedade igualitária, mais desigualdades radicais inesperadamente surgem. Quanto mais livre é uma sociedade, mais condicionadora e restritiva, em outro sentido, ela se mostra. Quanto mais alto for um projeto político que se realiza, mais baixa será a miséria que ele produzirá. Na vida da sociedade também é assim: quanto mais tempo as crianças passarem nas escolas, mais dócil à autoridade será o povo; uma sociedade na qual

Ler e escrever como terapia*

Os caminhos para se chegar a uma melhor condição de bem-estar subjetivo são tão diversos quantos são os indivíduos. Para alguns, conversar semanalmente com o terapeuta é o melhor dos caminhos. Para outros, a alma sorri mesmo é com uma boa conversa jogada fora junto daqueles amigos sinceros que dizem coisas bonitas com a mesma naturalidade com que convidam a refletir sobre as falhas e  fissuras no seu jeito de ser e existir. Tão bem faz, igualmente, para algumas pessoas, a prática da fé e da espiritualidade, ou da solidão momentânea, para ficar de encontro com seus próprios pensamentos, com seus próprios sentimentos. A lista é infindável: brincar com os netinhos, tomar chimarrão na praça, paquerar ao pôr do sol, cozinhar para o amor da sua vida, cuidar de plantas e jardins… Tudo isso faz bem, gera prazer e satisfação em viver, para muitas pessoas. Para um sem número de sujeitos, porém, existe um método que historicamente se estabeleceu como charmoso para retratar das dores e alegrias

A filosofia e o alcance do “objeto” não científico*

Ao pensar filosoficamente, rompemos até com as limitações da ciência, no sentido moderno do termo. Um dos temas da filosofia é Deus. Não se calcula, mede, observa e, muito menos, se coloca Deus em um tubo de ensaio ou na lâmina de um microscópio. A física, a química, a biologia etc. lidam com o que podemos chamar de substâncias materiais. Mas, a mente humana também pode pensar em substâncias espirituais e/ou abstratos. Um cientista ateu pode dizer que Deus é mera imaginação. Em sua obra “O mito de Sísifo”, Albert Camus, ao nos lembrar de que dificilmente se morre por uma verdade científica, nos sugere que algumas convicções ou crenças (em imaginações?), como a dos primeiros cristãos, os levaram a irem sorrindo para a condenação à morte pelo império romano. Não me parece sábio ignorar aquilo pelo qual alguém dá a vida, como se fosse mera bobagem da imaginação. Portanto, ainda que seja "apenas" uma convicção, há aspectos da vida humana possivelmente mais determinantes do

Uma clínica da não palavra*

                                                                 “(...) não há qualquer embarcação de lazer nesse rio. Atraídos por uma irresistível corrente, chegam das tempestades e calmarias do mar, do seu silêncio e solidão, para o ponto de ancoragem que lhes é atribuído (...)”                                                                           Virginia Woolf   Existem múltiplos refúgios na expressividade de um não dizer. As poéticas do indizível buscam expandir o conceito para reinventar a ideia. Seus relatos se oferecem entre parênteses, como uma saga sem nome ao olhar. Nesse texto indefinido, sua menção aparece em rascunhos de feição indeterminada. Ao não ser verbalizado, sua redação caótica, um pouco antes de ser ajustada pela compreensão, deixa entrever a estrutura de onde partiu. Assim, uma inédita zona se anuncia em rastros de originalidade. Sua feição inaudita pode ser descoberta no silêncio porta-voz, assemelha-se à transgressão das miragens nos apontamentos de

O Preço de escrever*

Este é o artigo número 200 deste blog. Nunca imaginei que manteria essa atividade por tanto tempo com tamanho entusiasmo e regularidade. Começou como uma brincadeira e foi ficando. Antes de qualquer coisa, quero agradecer aos leitores que me acompanharam, criticaram, aconselharam e, especialmente, tiveram paciência comigo na riqueza e na pobreza dos textos. Preciso de vocês, mas também devo confessar algo que talvez não gostem de saber. Escrever é o verdadeiro prazer, ser lido é uma satisfação complementar. Jamais tive obrigação alguma de produzir textos. Escrevo porque gosto, sinto prazer, relaxo, me forço a pensar, desligo do cotidiano e no final, quando nasce o texto, quase sempre, sou possuído por um sentimento de arrebatamento. Em cada argumento que produzo, me dou o luxo de viajar com as ideias para qualquer lugar. Posso também ser quem eu quiser e, se me der vontade, utilizar minha caneta como uma arma potente e terrível, criticando, polemizando, elogiando, detonando, fazendo

Gente ajudando Gente*

 " É po ssível creditar-lhe a inspiração da vida ao seu redor, embora também ela seja refém de origens desconhecidas. Sendo uma versão sempre outra, se institui transgressora aos frascos que tentam lhe aprisionar, assim apodrece para se reinventar e voltar como água nova."                                                                   Hélio Strassburger   Como pode alguém rotular gente, singular e particular em suas experiências de vida? Momentos de observações vividas, no Hospital Psiquiátrico em Porto alegre, com os partilhantes e o filosofo clínico, são de uma experiência que, em termos de aprendizado e reflexão sobre o ser, nos fazem refletir. A particularidade do mundo criado por cada partilhante, onde a verdade é de quem a cria. Quantas realidades em apenas um só ser. A capacidade de transformação.  Alguns deixam transparecer suas principais Estruturas de pensamento no momento, já outros, pela sua linguagem, assustados com a dor que permanece em um mund

Projeto resgata identidades por meio da cultura do cineclube***

Sim: Cinema Paradiso é um dos seus filmes preferidos. A proposta de levar o cinema “onde o povo está” foi o que motivou a inscrição do projeto de um cineclube com sede em São Tiago, sua cidade natal, em um programa do Ministério da Cultura, que ambiciona implantar salas de cinema pelo interior do país. A formação em Filosofia e a especialização em Filosofia Clínica, ambas na UFSJ, deram substrato à paixão pela imagem como elemento de fruição estética e de transformação social, via resgate de identidades culturais. A matrícula recente no Curso de Comunicação viabilizou o desejo de tornar-se uma documentarista glauberiana, daquelas que trabalhariam bem com uma câmera (digital) na mão e uma ideia (aglutinadora) na cabeça (revolucionária). MARIANA FERNANDES, autora do projeto Cine Mais Cultura de São Tiago, quer resgatar o ritual do cinema, aquele que motiva as pessoas a saírem de casa para assistir a uma história projetada numa tela. Mas, para se habilitar à concorrência nacional

Livro dos Dias*

“...a recordação de certa imagem não é senão saudade de certo instante...”                                                      Marcel Proust   O que resta desses dias, do ano que se extingue, como se simplesmente pudéssemos abrir mão da memória e deixar que o esquecimento decrete o fim? O que ainda existe para terminar, ainda é uma música a tocar, um dia mais, só mais alguns minutos para ir ao próximo ano. De ir acima no voo mais distante, depois voltar lá do alto para as profundezas, num mergulho de resgate, de captar o que de bom está no que já está para acabar, jogar tudo dentro da alma, depois voltar do fundo, na bagagem o peso, a leveza no voo para novamente subir ao próximo dia. A noite será testemunha, o tempo ficou um pouco nebuloso, logo o sol voltará a brilhar, e voar ao desconhecido foi o que mais se fez durante esse tempo todo, entre sonhos, a viagem é poder sentir o som de tudo, do silêncio, o canto do pássaro que acorda junto do corpo que continua emergindo das águ

Filosofia Clínica e os Rótulos*

Os Papéis Existenciais são rótulos em Filosofia Clínica. Segundo Lúcio Packter, o tópico estrutural XXII – Papel Existencial diz respeito aos rótulos, aquilo que a pessoa utiliza como princípio de identificação, mas, em alguns casos, esta identificação pode ser uma roupagem.    Como podemos identificar um Papel Existencial?   Na historicidade da pessoa aparecem os Papéis Existenciais ou rótulos por nomeação direta, como: “eu sou filho”, “ eu sou pai”, “eu sou terapeuta” e assim por diante. Esta pessoa está dando um parecer sobre uma roupagem existencial com a qual se apresenta em diferentes âmbitos da existência dela.   A própria pessoa é quem confere nomes ao Papel Existencial. Ele é atribuído por ela mesma, muitas vezes, para cada circunstância de sua vida. Compete à própria pessoa assumir e ter isso para com ela como um Papel Existencial ou não.   É possível um Papel Existencial fazer parte da pessoa, mas sendo atribuído de fora para dentro por outra pessoa, isso via agendam

O que fazer ?*

  Se, após apresentar os problemas de uma época, região, comunidade etc., perguntarem a um filósofo clínico o que fazer diante dessa situação, a única coisa que seu método lhe permite dizer é: não sei.     É uma máxima socrática que, sem os elementos de ironia, o filósofo clínico é apto a utilizar em situações nas quais não houve a investigação que o método exige, a saber: 1) Exames Categoriais: reconhecer as características do mundo no qual a pessoa habita, contada e vivenciada por ela mesma. 2) Estrutura de Pensamento: compreender os elementos que habitam a pessoa - emoções, o que pensa sobre si, como vê o mundo, valores etc. - e como é o peso subjetivo e a interseção entre eles. 3) Submodos: como a pessoa viabiliza sua Estrutura de Pensamento, quais os meios utilizados por cada pessoa para lidar com o mundo, seus conflitos internos e/ou externos etc. Somente após um criterioso e profundo trabalho de escuta, percepção, sensibilidade etc. é que o filósofo clínico pode dizer

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