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O tempo da terapia*

 

É possível dizer quanto tempo vai durar a terapia de alguém? Segundo a perspectiva da filosofia clínica, a resposta é clara: não! Pois vai depender de cada pessoa, uma vez que consideramos cada pessoa singularmente, isto é, única. Mas, é possível aprofundarmos um pouco nessas considerações.

Em primeiro lugar, o filósofo clínico precisa de um tempo para conhecer seu partilhante – nome dado a quem procura os cuidados do filósofo clínico. Esse conhecer é um movimento compreensivo do mundo de seu partilhante (realizado pelos exames categoriais) sua constituição própria (sua estrutura de pensamento) e o modo como age interna e externamente para viabilizar quem se é (seus submodos).

Antes de tudo, o filósofo clínico ouve o assunto que levou o partilhante a procurar a terapia. Não há um tempo delimitado para findar esse relato. Ele pode durar tanto cinco minutos quanto se estender por várias sessões. Esse relato, assim como tudo o que o partilhante trouxer para o consultório, é relevante para o terapeuta. Então, não há pressa.

Após a escuta da queixa inicial e para continuar o processo dessa compreensão inicial, o filósofo clínico pedirá ao seu partilhante para contar sua história de vida. Essa historicidade obtida segundo o próprio partilhante, costuma vir com lacunas e estas são preenchidas a partir da interação com o terapeuta que vai fazer perguntas com um mínimo de direcionamento. Pois, neste momento inicial, quanto menos influência por parte do terapeuta, maior são as chances de compreender o partilhante por ele mesmo.

Após esses dois momentos, o filósofo teve acesso ao assunto imediato (queixa inicial) e o assunto último (o que será trabalhado na clínica). Enquanto o primeiro é apresentado pelo partilhante na primeira ou primeiras conversas, o seguinte é fruto de uma escuta atenta a fim de compreender a estrutura de pensamento e as interseções de suas partes constituintes. Às vezes, o assunto último aparece de modo simples e claro. Mas, há situações em que há uma complexidade envolvida a ponto de sua identificação exigir mais do filósofo clínico.

Após identificado o assunto último, o filósofo clínico faz seus planejamentos clínicos para auxiliar o partilhante. O que será feito depende sempre de cada partilhante. Há casos em que é possível um alívio completo após ser trabalhado. Há outros nos quais se faz modificações sutis. Também não devemos descartar a possibilidade de não fazer grandes mudanças sob o risco de desconstruir uma série de elementos que constituem uma estrutura de pensamento fundamentais e que são alicerçadas por alguns dos pontos aparentemente problemáticos. Enfim, as possibilidades são tantas quantas são as pessoas.

Nesses três momentos didaticamente apresentados acima, há um tempo subjetivo envolvido. Para a queixa inicial, o relato pode levar minutos ou semanas. Para a historicidade, há os detalhistas, os que apresentarão de modo breve e satisfatório para o trabalho do filósofo, os que farão uma ampla exposição de sua história e, ainda assim, requerer semanas de aprofundamento para melhor compreensão do filósofo etc. Por fim, encontrar o que será trabalhado na clínica não é o fim. É apenas o começo.

Às vezes, só de contar o que o leva a terapia, o partilhante já resolve o que lhe incomoda e vai embora. Há situações nas quais contar a historicidade constitui o efeito terapêutico desejado. E, às vezes, após a identificação do Assunto Último, o partilhante segue por meses trabalhando essas questões. Também consideremos os casos em que a fim de promover uma qualidade de vida o partilhante opta por continuar sua terapia sem prazos, trabalhando a cada semana ou semanas determinados temas a fim de qualificarem suas existências. Por isso, diante da pergunta sobre o tempo de terapia, a resposta não pode ser conclusiva, uma vez que depende da singularidade do partilhante, do terapeuta e da interseção entre ambos na construção compartilhada de um processo terapêutico.

*Prof. Dr. Miguel Angelo Caruzo

Filósofo (FSB/RJ, UCP/RJ), Filósofo Clínico (Instituto Packter, ITECNE, Casa da Filosofia Clínica) e Cientista da Religião, Mestre e Doutor (UFJF/MG). Prof. Titular na Casa da Filosofia Clínica. Autor de “Introdução à Filosofia Clínica”. Editora Vozes/RJ. 2021.

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