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Mostrando postagens de junho, 2024

Revista da Casa da Filosofia Clínica Inverno 2024 - Ed. 09

  CLIQUE AQUI PARA LER Os textos desta edição convidam a pensar sobre a essência dos dias por entre a magia das palavras. Descobrir a parcela de uma estrutura que se insinua nas páginas do cotidiano, ao se referir a tudo e quase nada, por um esboço contido na relação de cada pessoa com seu tempo e possibilidades. Para um inverno de aconchego e boas leituras! CLIQUE PARA LER

Uma busca por bem viver*

  Qual a justificação para alguém procurar uma terapia? Dentre muitas, as mais recorrentes são as parelhas doença/cura, anormalidade/normalidade, loucura/sanidade. Porém, há outras justificações como o autoconhecimento, o bem-viver (não é necessário estar em ‘mal viver’), a busca de uma condição melhor (não é preciso estar em uma situação ‘ruim’). Não em sua generalidade, mas, em grande parte de nossa sociedade, as primeiras justificações se dão pelas terapias ‘psi’, as segundas, pelas terapias filosóficas. Qual a diferença? Além da abordagem de aproximação ao fenômeno humano e seus modos existenciais, as terapias filosóficas são baseadas prioritariamente ou totalmente nos escritos de mais de 2500 anos de filosofia (e filósofos). Algumas terapias filosóficas usam de conteúdo filosófico (e de filósofos) aplicado à terapia, algumas dessas são chamadas de aconselhamento filosófico. Outras, como a Filosofia Clínica, não utilizam de conteúdo filosófico aplicado à terapia, mas na constru

Encontros e desencontros*

Nós somos todos linhas tortas porque nos encontramos. Nós somos quase todo feitos de encontros e de desencontros também; somos um conglomerado de fragmentos de você. Sim, nós somos linhas tortas porque linhas retas jamais se encontram mesmo sendo curvas infinitas. E certamente, escrever certo por linhas tortas parece cada vez mais ser o melhor caminho. Pois muito do que eu sou agora deve-se em grande medida as contribuições dos encontros e dos desencontros que compuseram e impactaram a minha vida tão somente porque a minha vida toda foi feita de histórias repletas de fatos que transcenderam e muito a lógica comum e cotidiana imposta pelos mais superficiais e céticos. A verdade é que quando se toma consciência de tudo que os encontros e os desencontros nos causaram fica difícil não nutrir paz e uma gratidão gigante e crescente por tudo que nos fora doado nessa jornada existencial sempre tão significativa, desafiadora e dignificante. Musa! *Prof. Dr. Pablo Mendes Filósofo. Grad

El viajero de los mañanas***

“El filósofo es una de las formas en que se manifiesta el taller de la naturaleza: El filósofo y el artista hablan de los secretos de la actividad de la naturaleza”.                                                                                   Friedrich Nietzsche       El espíritu aventurero inadecuado para la cristalización del conocimiento, se rehace en las escaramuzas de un territorio movido por el movimiento. Su sesgo de intimidad precursora se alimenta de las calles, carreteras, suburbios inmerecidos. Es inusual que se puedan compartir fácilmente estos eventos antes del enlucido conceptual. La irregularidad narrativa como propósito sin propósito adquiere casi poesía, para intentar decir algo sobre hechos irreconciliables desde la perspectiva de límites bien definidos. Esta lógica de singularidades fluctuantes se aplica a cosas irreconocibles en el vocabulario conocido. Su desprecio por las fronteras, objetivado por acuerdos y leyes, es capaz de anticipar mañanas en el ahora ir

Os filósofos na filosofia clínica*

Uma das diferenças entre a sistematização da filosofia clínica em relação às outras abordagens terapêuticas ocorre no modo em que os teóricos foram aproveitados nessa elaboração. A filosofia clínica não construiu uma teoria sobre o ser humano. Desse modo, Kant, Platão, Hume, Searle, Wittgenstein, Schopenhauer, entre inúmeros outros, não serviram para dizer quem é aquela pessoa que o filósofo clínico recebe em seu consultório. As reflexões dos filósofos foram aproveitadas na medida em que auxiliaram na construção de um meio para compreender as possibilidades de ser de cada pessoa, seu modo de agir e seu mundo. Nesse sentido, um partilhante pode apresentar em sua estrutura de pensamento características formalizadas na filosofia clínica por filósofos ou correntes filosóficas até opostas. Além disso, nem mesmo o sistematizador da filosofia clínica, Lúcio Packter, deve servir como critério para compreender quem está no consultório. Na psicanálise, por exemplo, é Freud quem dá as primeiras c

Como quem ouve uma sinfonia*

Um grande e verdadeiro amor pode ser sutil, encabulado, assustado e no fundo encantado. Esconder um sentimento pode ser um ato de caridade, de compaixão e mesmo de verdadeiro amor. Não dizer eu te amo, mesmo diante de uma certeza inexorável, pode ser muito sábio. É possível que o ser amado não esteja passando pelo melhor momento em sua vida e que isto transmita a ele uma responsabilidade difícil de assumir no momento. Muitas vezes ele te ama muito mais do que você ou ele possam imaginar, mas não consegue ou tem medo de expressar. Pode estar traumatizado, pode ter sido golpeado recentemente, pode estar sendo vítima de uma pessoa doente que o persegue. Talvez ele não te ame mesmo, mas existem várias maneiras de sentir isso. E isto é um direito. Talvez ele ainda não tenha descoberto o que sente ou mesmo não queira admitir e é importante respeitar. Entender que existe o tempo de cada um, o tempo que se leva para aceitar que estamos amando alguém. Às vezes, as pessoas têm muita ansi

Um breve instante*

    O meu filho de doze anos perguntou-me qual é o objetivo da vida. Levei uns minutos para responder-lhe, pois essa pergunta é tremendamente séria. Foi Aristóteles quem me soprou a resposta: o objetivo da vida é descobrir o que melhor fazemos aqui no mundo, e fazer isso cada vez melhor. * * * Isto é: ao descobrirmos as nossas potências, podemos agir para realizá-las. Fazendo o que fazemos melhor, podemos ocupar o nosso lugar na ordem da existência - o que nos harmoniza com o Cosmos e nos conduz pela estrada da eudaimonia. * * * Expliquei-lhe que o critério dos ganhos financeiros não deve ser tomado como medida exclusiva de sucesso. Afinal, todos conhecemos pessoas ricas que levam uma vida miserável - e pessoas de vida simples, mas feliz. Sucesso não é o mesmo que dinheiro: é bem outra coisa. O sucesso de uma pessoa deve ser julgado pelo critério da auto-realização: a pessoa bem-sucedida é aquela que encontra a realização da sua existência no trabalho que se propõe a fa

Arte de ampliar horizontes*

  É a arte e não a história a mestra da existência, assim entende Fernando Pessoa. Através da arte é que advêm as manifestações mais densas do indivíduo. É a edificação de uma ponte que vai de um para o outro, encontrando a essência do outro, que se desvela em identidade singular. O contágio propiciado pela afirmação deste diálogo é o fator que alarga a existência, caracteriza o gênio, expande as ideias, como profere Kant. A ressonância criada pelo instrumento que é a arte é o que constitui a história sensível, diversa daquela composta para servir de “exemplo”, agindo como castradora, embotando os indivíduos. Respiramos uma era de transformações, de rupturas paradigmáticas que exigem novos olhares. É chegado o instante de reconsiderarmos nossas prioridades. O indivíduo que abre mão da magia da arte para influenciar no seu destino, não anseia em ultrapassar suas sânies, está condenado a não ver além, originando como consequência primeva a servidão. Ansiamos por um novo modelo comp

Filosofia Clínica é método*

Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão (1900-2002), em sua obra “Verdade e Método” nos aponta um marco para a procura da verdade e como o método é determinante nessa busca, aludindo que a hermenêutica* não se reduz a uma ciência, mas é uma condição da existência, i. é, a compreensão e a interpretação do mundo fazem parte da experiência humana. Aí se insere a filosofia: não filosofamos porque temos posse da verdade, mas justamente porque ela nos falta. Nesse livro, o autor defende a tese de que a consciência é modelada histórica e culturalmente e que o sujeito é parte do processo efetivo da história, inserido numa cultura e num tempo específicos. Tendo a história como “pano de fundo” e como o “grande palco” da ação humana, o sujeito é parte efetiva dela. A essência da história não consiste na investigação do passado, e sim na mediação do pensamento com a vida atual. A investigação se dá no presente, influenciada pelas circunstâncias da atualidade. Considerando isso é que o sujeito faz

Cascas de sonho*

  “Nossos sentidos se desenvolveram de maneira diferente, e por isso precisamos usar a imaginação para ter uma vaga ideia do que acontece dentro das árvores.”                           Peter Wohlleben     O coração teme, sobreleva-se, alcança a dor do pensamento. O exercício de dar vida e sentido às frases é a metáfora movendo o fora do lugar. A linguagem que gagueja, cresce em momentos de perplexidade, nos momentos da solidão se põe a fazer versos, à deriva. Cria das histórias imaginárias, teorias no caminho, no andar em direção ao lado de lá, é este homem em páginas amarelecidas, em voz metalizada nas crostas de uma árvore secular. O melhor de tudo é quando o sonho é capturado logo no momento do acordar, anotações salvas, o sonho ganha uma vida. Meandros do inconsciente, tão real, um tipo de retomada de roteiro perdido. A adolescência está por trás da casca, no momento mais povoado do corpo, a solidão profunda adormece, acorda no sonhar de outro ontem. Lá parado no temp

Âncoras*

  'Navegar é preciso; viver não é preciso'              (Fernando Pessoa)   Navegar e viver costumam ser desafios ao sabor dos ventos e das marés, como uma flecha lançada ao vento, sem rumo nem piedade, sem desculpas, sem destino, talvez só aquele que obstinadamente julgamos traçar. Não há garantias e pode não haver volta... e a cada movimento, entropicamente, detonamos o estoque de energia que nos foi reservado, sem nos darmos conta de que alguma coisa se esvaiu, de que algo precioso transmutou. Sabemos que emergimos do ventre e que vamos findar no ocaso da existência. O rio que corre entre essas duas margens, que por alguma razão somos impelidos a saltar, é que costuma fazer a diferença. Navegar é tão preciso quanto viver e viver é tão impreciso quanto navegar... uns se debatem sem alcançar suas ilhas distantes; outros buscam âncoras que os salvem daquilo que nem mesmo suspeitam, pois para ter qualquer migalha de conhecimento, virtude, experiência, ainda é preciso insistir e

Quem são os verdadeiros artistas?*

  Cada vez que o circo chegava à cidade era uma festa. Esperava a semana inteira pelo domingo para ver os palhaços, trapezistas, mágicos. Lembro até hoje da lona suja e rasgada, das cadeiras e arquibancadas de madeira, da serragem misturada com o barro do chão, do cheiro do leão, do urso, dos macacos...Vibrava e achava sensacional quando anunciavam o domador espanhol Antonio Sanchez, o equilibrista chinês William Wu e a dançarina francesa Margot Delamour, verdadeiros artistas que colocavam a cabeça dentro da boca do leão, andavam em cordas nas alturas, tudo meio improvisado, sem grande segurança, mas com um fascínio impressionante. Hoje o circo mudou. A referência é o Cirque Du Soleil, onde espetáculos são realizados em teatros com poltronas luxuosas, artistas internacionais mascarados e sem identificação, ausência de animais, ingressos pouco acessíveis à população de baixa renda e tendo a tecnologia como base de todo o show. A concepção lúdica do circo é feita em escritórios e estúd