Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão (1900-2002), em sua obra “Verdade e Método” nos aponta um marco para a procura da verdade e como o método é determinante nessa busca, aludindo que a hermenêutica* não se reduz a uma ciência, mas é uma condição da existência, i. é, a compreensão e a interpretação do mundo fazem parte da experiência humana. Aí se insere a filosofia: não filosofamos porque temos posse da verdade, mas justamente porque ela nos falta.
Nesse livro, o autor defende a
tese de que a consciência é modelada histórica e culturalmente e que o sujeito
é parte do processo efetivo da história, inserido numa cultura e num tempo
específicos. Tendo a história como “pano de fundo” e como o “grande palco” da
ação humana, o sujeito é parte efetiva dela.
A essência da história não
consiste na investigação do passado, e sim na mediação do pensamento com a vida
atual. A investigação se dá no presente, influenciada pelas circunstâncias da
atualidade. Considerando isso é que o sujeito faz a leitura e interpretação de
um texto, de uma obra de arte, da vida, na busca pela verdade.
Não dá para fazer uma distinção
nítida entre passado e presente. Há uma fusão de horizontes:
passado/presente/tradição. Daí se forma a compreensão, que só se torna possível
através da linguagem.
Devemos atentar, porém, que toda
linguagem é finita, i. é, as palavras não dão conta de abarcar toda a
realidade, embora procuremos dar a elas um sentido de infinitude. E isso só é
possível num contexto dialógico, onde o conhecimento é adquirido através da
conversação como exercício de entendimento mútuo.
Bem, considerando as proposições
acima, que são também releitura e interpretação da obra de Gadamer, passemos a
pensar em método. Como o título da obra é “Verdade e Método”, podemos dizer que
para ele só se chega à verdade através de um método? Assim, é possível afirmar
que “verdade é método”?
A palavra método é formada por
dois termos de origem grega, “metá” e “odós”, o primeiro significando “para lá,
depois” e o segundo “maneira”, “modo”. Método é, então, “um modo de fazer
algo”, “uma maneira de chegar lá, ao que vem depois”, “um caminho a ser
aberto”. E a verdade também é um caminho que se constrói.
Nesse sentido, a Filosofia
Clínica – FC, enquanto clínica filosófico-existencial, é um método; surgiu
tendo em mente essa função terapêutica, que é sua principal razão de ser. Na
sua reflexão e prática clínicas, vai construindo e elaborando novos métodos de
abordagem, sempre de acordo com as realidades e circunstâncias nas quais está
inserida.
A FC tem seu modo próprio de
conceber e praticar filosofias. Assim como são várias as filosofias, são várias
as filosofias clínicas. Porque trabalha com singularidades, para cada uma
elabora processos clínicos específicos, trilhando com os partilhantes caminhos
possíveis na construção das verdades próprias a cada um, sempre tendo como
referência as historicidades que, como diria Gadamer, são os “grandes palcos”
que darão referências aos Filósofos Clínicos para entender as singularidades e,
aos partilhantes, as condições de reinterpretar e ressignificar suas
existências.
Poder-se-ia dizer que fizemos
aqui uma “redução” do pensamento de Gadamer, adaptando-o à FC. Mas se filosofar
é não apenas interpretar e reproduzir as filosofias já existentes e
consagradas, por que não nos embrenharmos nesse fascinante mundo do pensamento
para recriar e criar novos conhecimentos , novas formas de pensar, condizentes
com as realidades de cada pessoa, de cada grupo social, de cada sociedade
enfim? Afinal, não temos posse das verdades. Por isso filosofamos.
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*Hermes, na mitologia grega, é o
mensageiro dos deuses, aquele que decifra as mensagens aos destinatários. Daí
deriva o termo hermenêutikos: hermeneo = eu decifro; teckhné = arte; tikos =
relacionado a; daí que hermenêutica é a ciência, a arte de interpretação de
textos ou de obras artísticas.
*Paulo Roberto Grandisolli
Filosofo Clínico no Recanto da
Filosofia Clínica
São Paulo/SP
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