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Mostrando postagens de julho, 2013

Os Projetos*

Sozinho, passeando em um grande parque, ele dizia para si mesmo: “Como ela ficaria bela em seu vestido real, complicado e faustoso, descendo, através da atmosfera de uma bela tarde, os degraus de mármore de um palácio diante de grandes gramados e laguinhos! Porque ela tem, naturalmente, o ar de uma princesa.” Passando, mais tarde, por uma rua, ele parou diante de uma loja de gravuras e encontrando numa pasta uma estampa representando uma paisagem tropical. se disse: “Não! Não é num palácio que eu desejaria possuir sua querida vida. Nós não estaríamos em casa. Porque em suas paredes incrustadas de ouro não haveria lugar para pendurar o seu retrato; naquelas solenes galerias não existiriam recantos para nossa intimidade. Decididamente, é lá que é preciso ficar para cultivar o sonho de minha vida.” E, analisando com os olhos todos os detalhes da gravura, ele continuou, mentalmente: “À beira-mar, uma bela cabana de madeira, cercada por todas essas árvores b

Conexões*

“Somos feitos da mesma matéria que nossos sonhos" (William Shakespeare) Estamos todos essencialmente conectados... com a vida, a morte e tudo o que compreende o espaço entre estes dois instantes. Os universos multisingulares se misturam e se interpenetram como amantes que se deixam levar por seus desejos sublimes. Não há frente ou verso, em cima ou em baixo, dentro ou fora... há apenas o que foi determinado para o momento, como se tudo pudesse coexistir, espacial e temporalmente. Como se tudo fosse uma coisa só e apenas a percepção do instante fizesse sentido e conferisse significado. Conexões... mas também cogitei dar o nome a este texto de ‘Francisco’. Apenas porque nestes dias em que estivemos imersos na frequência que vibrou pelas ruas, numa colorida babel que determinou um novo ritmo e que conduziu multidões, percebi que houve de fato conexões em andamento. O maestro que conduziu a orquestra, o encantadoramente louco Papa Francisco, demonstrou que conexão é a

Acordei doente mental*

A poderosa American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria – APA) lançou neste final de semana a nova edição do que é conhecido como a “Bíblia da Psiquiatria”: o DSM-5. E, de imediato, virei doente mental. Não estou sozinha. Está cada vez mais difícil não se encaixar em uma ou várias doenças do manual. Se uma pesquisa já mostrou que quase metade dos adultos americanos tiveram pelo menos um transtorno psiquiátrico durante a vida, alguns críticos renomados desta quinta edição do manual têm afirmado que agora o número de pessoas com doenças mentais vai se multiplicar. E assim poderemos chegar a um impasse muito, mas muito fascinante, mas também muito perigoso: a psiquiatria conseguiria a façanha de transformar a “normalidade” em “anormalidade”. O “normal” seria ser “anormal”. A nova edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) exibe mais de 300 patologias, distribuídas por 947 páginas

Metamorfose*

Uma namorada entrou-me em casa fez-me a cama esfregou e encerou o chão da cozinha lavou as paredes aspirou limpou o banheiro esfregou o chão do quarto cortou-me as unhas dos pés e o cabelo. depois tudo no mesmo dia veio o canalizador e consertou as torneiras da cozinha e do banheiro e o homem do gás consertou o esquentador e o homem dos telefones consertou o telefone. agora sento-me no meio de toda esta perfeição. é um sossego. acabei com todas as minhas 3 namoradas. sentia-me melhor quando tudo estava desordenado. precisarei dalguns meses para que tudo volte ao normal: nem consigo encontrar uma barata para conviver. perdi o meu ritmo. não durmo. não como. roubaram-me a minha imundície. *Charles Bukowski

Fragmentos poéticos delirantes*

Onde foi parar a vida? qual o caminho que ela tomou? qual seria o líquido que ela ingeriu? perguntas, e mais perguntas... somos assassinos da vida, pois a matamos com gestos, palavras e lágrimas, e a cela de nossa prisão, vocês bem sabem, é a morte... chega sem marcar hora... somos o impulso, repleto de dor, munidos da identidade da foto que não fala, do endereço que não aponta... onde foi parar a vida, quem sabe dobrou a esquina e encontrou-se... encontrou-se com quem? quem pode a vida ter encontrado? quem sabe uma taça de vinho tinto seco, sim, um Dionísio feito homem em sua poesia filosófica... mas a vida é poesia e filosofia? e as outras coisas? as ciências? não, a vida se perdeu nos diversos lugares que se alojou... nas pedras geladas que sepultou. mas a vida morreu? sepultada foi? claro que não... a vida vive em todos os sentidos, até em uma morte, sim a vida vive em uma ausência de vida... *Eduardo Silveira Fi

É o Fim que Confere o Significado às Palavras*

  Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo.  Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar.  Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram.  Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininte

Resenha crítica*

Pérolas Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável Hélio Strassburger. Ed. Sulina.  Porto Alegre/RS. 2012, 142 p.   Num estilo que dança por entre “a ilusão da realidade e a realidade da ilusão” o professor e filósofo clínico Hélio Strassburger compartilha com seus leitores suas experiências, vivências e desavenças em seu caminhar como filósofo clínico.  Como um passeio pelos recônditos espaços da mente humana o autor nos presenteia com 28 pérolas que ainda imperfeitas na medida em que se constroem na busca pelo direito de serem únicas, singulares e livres das tipologias e semelhanças que mergulham o filósofo clínico num “sobrevoo que não aterrissa”.   O livro nos conduz pelos labirintos da relação entre o filósofo clínico e seu partilhante onde a interseção clinica ganha a forma de sentido para o partilhante a medida que seus ainda não traduzidos e interditados conteúdos ganham vida para o filósofo clínico. O livro vai ao longo do caminh

Entre partir e ficar*

Entre partir e ficar hesita o dia, enamorado de sua transparência. A tarde circular é uma baía: em seu quieto vai e vem se move o mundo. Tudo é visível e tudo é ilusório, tudo está perto e tudo é intocável. Os papéis, o livro, o vaso, o lápis repousam à sombra de seus nomes. Pulsar do tempo que em minha têmpora repete a mesma e insistente sílaba de sangue. A luz faz do muro indiferente Um espectral teatro de reflexos. No centro de um olho me descubro; Não me vê, não me vejo em seu olhar. Dissipa-se o instante. Sem mover-me, eu permaneço e parto: sou uma pausa *Octavio Paz

Solta_lua_solta*

E vem vento através do vento e dos nossos pés. O dia é 22. O Louco também. Soltar, sol e ar. Aí está um outro altar. Que nesse chão haja leveza e assim nos proteja. O momento é de exceção. E com ele vem sua vibração. Saia do seu espaço cativo. Vá até um canto, um mesmo seu, que seja menos visitado. Leve-o para fora, e volte com suavidade para dentro. Num movimento de flexão, caminhe de uma ante para uma retro. Nela se encontra um chakra que é central, mesmo que não fisicamente. Abra esse canal de passagem para as mágoas, e favoreça seu desprendimento. As águas já se puseram fluentes com o poderoso triângulo que chegou nesse céu no mês lunar passado. E ainda aqui/aí/lá se encontra. Foi mesmo um Presente_Lunar. Num movimento de fluência que, após sentido, caminha para o livre e desapegado. Empenhe-se nesse lanç_ar-se, com tranquilidade. Esvazie-se e verá o quão rápido se recarrega e se regenera. Mas mantenha-se no esvazi_ar-se. Triângulos geram resultantes, sen

O Poeta é a Mãe das Armas*

O Poeta é a mãe das armas & das Artes em geral — alô, poetas: poesia no país do carnaval; Alô, malucos: poesia não tem nada a ver com os versos dessa estação muito fria. O Poeta é a mãe das Artes & das armas em geral: quem não inventa as maneiras do corte no carnaval (alô, malucos), é traidor da poesia: não vale nada, lodal. A poesia é o pai da ar- timanha de sempre: quent ura no forno quente do lado de cá, no lar das coisas malditíssimas; alô poetas: poesia! poesia poesia poesia poesia! O poeta não se cuida ao ponto de não se cuidar: quem for cortar meu cabelo já sabe: não está cortando nada além da MINHA bandeira ////////// = sem aura nem baúra, sem nada mais pra contar. Isso: ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. ar. a r: em primeiríssimo, o lugar. poetemos pois *Torquato Neto /8/11/71 & sempre. Teresina/PI

A arte de escrever*

Quem tem a palavra como companheira, seja por profissão (jornalistas, advogados, escritores...), seja por hobby (contistas, cronistas e poetas nas horas vagas...), sabe o quanto um parto pode ser difícil e sem qualquer segurança de uma bela cria.   Quantas vezes ficamos horas, sem sucesso, em cima de um papel em branco, tamborilando com a ponta da caneta, à espera daqueles versos sublimes, sinceros, que transformam em palavras e ritmos nossos melhores (e piores) sentimentos? Ou então em frente ao computador, vendo o cursor piscando, como prova cabal de nossa incompetência naquele momento para expressar ideias e opiniões? O contrário também acontece. Quando menos esperamos, caminhando na rua, bem no meio de uma prova de matemática, ou então quando estamos dirigindo (e sem papel e caneta), parece que o texto nasce pronto, precisando apenas de alguns pequenos ajustes. O mais interessante (e todos que trabalham com a expressão escrita costumam dizer isso) é que o texto não vem em sucess
Prefácio para o livro Não, de Augusto de Campos* O filósofo Ludwig Wittgenstein (que comparece neste livro intraduzido em om / e. e. wittgenstein) dedicou toda sua obra à reflexão sobre os limites da linguagem. É famosa a asserção com que ele encerra o seu Tratactus Logico-Philosophicus: “O que não se pode falar, deve-se calar”. No extremo mais extremo dessa (im)possibilidade, para onde a filosofia ou a fala de todo dia apenas apontam, sem alcançar, emerge a linguagem-coisa de Augusto de Campos. Entre falar e calar, seus poemas parecem dizer o indizível, por não tentar dizê-lo, mas realizá-lo através da linguagem. Dessa condição limítrofe surgem as marcas de negação que vêm caracterizando sua poesia há muitos anos — poetamenos, expoemas, despoesia, o afazer de afasia, o vácuo o vazio o branco, o oco, a canção sem voz, poesia sem placebo, semsaída, nãopoemas, não. Tais sinais de menos adquirem positividade na medida em que os poemas se efetivam; minérios

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