Palavra pode ser
entendida como um conjunto de letras que significam algo. Ao longo da história
da linguagem a palavra aos poucos deixou de ser ação: do primeiro grunhido
primata às palavras mais bem elaboradas dos dias atuais o que se percebe é a
distância entre a ação e a reflexão. Nos primeiros idiomas, por exemplo, entre
os egípcios, a palavra era construída com símbolos retirados da realidade como
uma águia, uma perna, uma pedra. Anos mais tarde os Sumérios desenvolveram a
escrita Cuneiforme, que eram marcas feitas com um palito em uma tábua de
argila. Depois destes vieram os Fenícios que desenvolveram o primeiro alfabeto,
o qual continha apenas as consoantes. Os gregos, aproveitando-se deste
alfabeto, inserem as vogais e constroem o alfabeto que é a base para o idioma
que hoje falamos, o português.
Essa breve história do
alfabeto mostra que no início o homem tinha a palavra vinculada aos objetos
reais, já nos dias de hoje a letra “A”, por exemplo, só existe enquanto
pensamento. Entre os gregos ainda a palavra era considerada uma ação, tanto que
entre os gregos falar mal de um deus era atentar contra seu deus sob o risco de
ser punido. Entre os cristãos os Dez Mandamentos também consideram a palavra
uma ação, tanto que o segundo mandamento diz: “Não falarás o Santo nome de Deus
em vão”.
No entanto, não é isso que acontece nos dias de hoje. Concorda com
isso o pensador Zygmunt Bauman que fala sobre as relações entre as pessoas via
Facebook. Hoje, diferente dos dias em que a palavra era considerada uma ação, a
palavra vale cada vez menos, sendo uma das grandes provas disso a crescente
busca pelos cartórios para firmar acordos. O que antigamente, como se diz no
Rio Grande, era no “fio do bigode”, hoje só vale se for preto no branco, se
estiver especificado por escrito, levando em conta todas as armadilhas
jurídicas possíveis.
As relações antes
tinham uma base firme por meio do diálogo, em que um tinha plena confiança no
que o interlocutor dizia, pois a palavra era uma verdade, um compromisso. Hoje
as relações continuam sendo construídas sobre a palavra, mas estas agora já não
servem mais como verdade, porque posso, por exemplo, postar no “Face”, mas logo
depois apagar.
O que para Sócrates era impensável, dizer algo que fosse
inverdade para sustentar-se vivo, hoje é feito por muito menos. Para Sócrates o
que ele dizia fazia parte dele, definia a ele mesmo, enquanto pregava estava
falando de si mesmo enquanto pensador, enquanto pessoa. De certa forma este
pensador, assim como muitos outros, têm clareza de que o que dizem define a si
próprios.
O jovem que cria sua
pagina no “Face” e ali começa a divulgar suas músicas, filmes, assuntos, fotos,
não percebe que está definindo a si mesmo. Muitos destes jovens criam no
ambiente virtual uma pessoa que não existe de fato, é um ser apenas reflexivo.
Uma pessoa com quem se pode relacionar apenas via “Face”, pois no mundo real
ela não existe e qualquer um que a conheça “face” a “face” perceberá a
distância entre o ser virtual (reflexivo) e o ser real (ação). A ação já não é
mais valorizada como foi entre os filósofos que davam suas vidas pelo seu
discurso, facilmente hoje pode-se apagar um comentário na internet.
A palavra já não é mais
entendida como base para a verdade, pois não é mais considerada uma ação. Hoje
a palavra tem um valor tão pequeno que só tem valor se houver provas de sua
veracidade. O jovem criado a partir das próprias palavras tem cada vez menos
crédito, justamente por não dar crédito às próprias palavras.
*Rosemiro A. Sefstrom
Filósofo Clínico
Criciúma/SC
Comentários
Postar um comentário