Imagine uma sociedade
sem escolas.
Esta sociedade também não terá aprendizados? Sim, terá. A relação
direta entre escola-aprendizado é tão falaciosa quanto a relação
escola-educação. Uma criança que entra na escola formal, e isso não é de hoje,
muitas vezes já sabe ler, falar outra língua, por influência familiar ou porque
viajou com pais desde muito pequena, tem seu gosto pela leitura incentivada por
uma família que adora ler, já sabe tocar algum instrumento musical, já tem
contatos mais aprofundados com algum esporte que, porventura, os pais jogam.
Como ela obteve todas essas aprendizagens se, embora intencional, nenhuma foi
precedida de um currículo formal? Não é de hoje também, que muitos educadores e
filósofos já atentaram para o fato do autodidatismo ser a melhor forma de
aprender. E por quê? Por que ela é automotivada. Se a automotivação é o motor
do aprendizado – qualquer aprendizado e em qualquer idade ou fase da vida – por
que obrigar as crianças a irem à escola?
É que a escola entrou para o rótulo,
já muito citado por Theodor Adorno, filósofo alemão, de indústria cultural. Só
que a escola é da indústria do ensino. Obrigar a toda criança estar em uma
escola movimenta milhões de reais e muita burocracia, que efetivamente,
beneficia a quem vive dessa indústria: diretores de escolas, professores,
pedagogos, supervisores, secretários de educação, etc. Quando, por exemplo, a
pesquisa da última semana sobre eleições, afirma que o número de eleitores
menores de 18 anos que escolheram por não participar dessa eleição que se
aproxima diminui cerca de trinta por cento, o que você acha que os políticos
vão fazer em relação a isso? Nada! Eles já têm uma reserva de mercado de
indivíduos de 18 a 70 anos que são obrigados a votar. Se eles tivessem que
conquistar eleitores, a pesquisa citada antes poderia preocupá-los.
O mesmo
acontece com as pessoas envolvidas na educação escolar. Se as escolas e os
professores tivessem que conquistar seus alunos, pode ter certeza que
trabalhariam no cominho da automotivação de seus pupilos e seriam muito mais
flexíveis na questão do ensino, porque o que importaria de verdade não é o que
ensinar, mas o que o outro quer aprender. Ivan Illich[1] se deu conta de tudo
isso em 1970 quando lançou seu livro Sociedade sem Escolas.
Desde então ele
cunhou o termo rede de aprendizagens na esperança que esta se desinstalasse da
instituição escolar. Por que hoje o privilégio de constatar e avaliar quem sabe
e quem não sabe está na escola? Porque ela é detentora do certificado. Escola
vende certificado. E para quem? Para o mercado de trabalho que só aceita
instrução formalizada. Por quê? Para manter a reserva de mercado da indústria
do ensino.
Não é uma nem duas nem três histórias que cada um de nós conhece de
amigos ou pessoas muito íntimas que fizeram anos de cursos, seja primário,
secundário, universitário ou esses cursinhos de idiomas, que, quando
defrontadas com a situação real do qual estudaram tanto, não souberam como
agir, fazer ou falar e, para piorar, encontram outras pessoas que não passaram
pela indústria do ensino e que agiam, faziam ou falavam muito melhor do que
elas e aprenderam em muito menos tempo e, muitas vezes, com muito menos custo
financeiro e, com muita certeza, com muito mais prazer.
Redes de aprendizagens
não-formais é a ideia básica de Ivan Illich, mas sua grande questão é colocar à
disposição de todos a capacidade de desenvolver suas habilidades intelectuais
ou físicas de forma livre e autodidata e não monopolizar em uma instituição a
relação falaciosa de ensino-aprendizagem e ainda de forma que essa instituição
ou seus governos determinam.
Vale lembrar uma frase
que sempre me acompanhou desde minhas primeiras idas à escola formal: mais vale
aquilo que aprendo do que aquilo que me ensinam.
*Fernando Fontoura
Filósofo, Educador Físico, Estudante de Filosofia Clínica
Porto Alegre/RS
[1] Nasceu em Viena em
1926 e faleceu em 2002. Estudou filosofia e teologia na Universidade Gregoriana
de Roma. Foi co-fundador do Centro Intercultural de Documentação (CIDOC) em
Cuernavaca, México.
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