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Mostrando postagens de maio, 2015

A Realidade Transfigurada*

Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.  O que te direi? te direi os instantes.  Exorbito-me e só então é que existo e de um modo febril. Que febre: conseguirei um dia parar de viver? ai de mim, que tanto morro. Sigo o tortuoso caminho das raízes rebentando a terra, tenho por dom a paixão, na queimada de tronco seco contorço-me às labaredas.  A duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa. Sou um ser concomitante: reúno em mim o tempo passado, o presente e o futuro, o tempo que lateja no tique-taque dos relógios. Para me interpretar e formular-me preciso de novos sinais e articulações novas em formas que se localizem aquém e além de minha história humana. Transfiguro a realidade e então outra realidade, sonhadora e sonâmbula, me cria.  E eu inteira rolo e à medida que rolo no chão vou me acrescentando em folhas, eu, obra anônima de uma realidad

Psiquiatria e identidade filosófica*

O conceito de identidade é coisa séria na filosofia. Tem consequências em várias áreas como a metafísica, a epistemologia, a relação mente-corpo, para falar das mais destacadas. Quando Aristóteles, no livro V da Metafísica, define identidade como uma unidade do ser, está se referindo a uma identidade, digamos, forte. Algo idêntico a si mesmo não pode ser de outra forma e nem outro ser pode ser idêntico a ele. Mas, escreve ele, há identidade mais fraca, digamos assim. Coisas que são diversas em seu ser podem ser idênticas em propriedades ou aspectos. Qualidades, atributos e afecções podem ser idênticas em seres diferentes, assim como, por exemplo, todo ser humano é bípede mesmo sendo seres não idênticos de modo forte, pois cada indivíduo é um ser em si. O mito da doença mental atua implicitamente no conceito de identidade. E quer atuar no modo forte desse conceito. Tenta nos fazer crer que atributos do ser têm identidade forte entre eles. A identidade forte, assumida como u

A um Poeta*

Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino, escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma de disfarce o emprego Do esforço; e a trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua, Rica mas sóbria, como um templo grego. Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E, natural, o efeito agrade, Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade, Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. *Olavo Bilac

Caminhos do neologismo*

 “O desejo é fundamental polívoco, e sua polivicidade faz dele um único e mesmo desejo que banha tudo.” Kafka “...formas de corporeidade, de gestualidade, de ritmo, de dança, de rito, coexistem no heterogêneo com a forma vocal. ” Deleuze e Guattari Ainda sobre o neologismo no pensar, o pensamento é um voo que vai além da univocidade, ele tem sua pluralidade no efeito dos significados. Está certo, o significado é preciso mas ele percorre o signo como um estilhaço de origens. O fato de existir a criação, de recriar naquilo que já existe outros existentes nomes é o que legitima a polivicidade dos nomes. Um nome sozinho é um achado no meio da linguagem, é o que faz o filósofo da contemporaneidade, não recorrer apenas o existente e não se iludir com os nomes, flexibilizar os caminhos, romper barreiras com a força da linguagem.  Não existe um sem outro, o pensamento e a linguagem não estão isolados.  Mesmo com o artificialismo das coisas, até aí foi preciso o pensa

A Ilusão da Viagem*

Viajar é o paraíso dos tolos. Devemos às nossas primeiras jornadas a descoberta de que o lugar não significa nada.  Em casa, imagino sonhadoramente que em Nápoles ou em Roma poderei intoxicar-me de beleza e livrar-me da tristeza.  Faço as malas, abraço os amigos, tomo um vapor e, finalmente, acordo em Nápoles e lá, diante de mim, está o facto insubornável, o triste eu, implacável, idêntico, de que fugi.  Visito o Vaticano e os palácios. Finjo estar intoxicado com as visitas e as sugestões, mas não é verdade. O meu gigante acompanha-me por onde vou. *Ralph Waldo Emerson, in "Essays"

Poéticas*

“o que há a fazer? - Nada! ao parar de buscar encontramos! - Agora! no intervalo... um raio de entendimento!” “que nossos sonhos dormindo ou acordado se realizem. que possamos voar em liberdade sem as nuvens das repressões. leves e soltos sem medos e ansiedades nos rendamos à vastidão!” *Rosângela Rossi Psicoterapeuta, Filósofa Clínica, Escritora, Poeta Juiz de Fora/MG

A Inutilidade dos Sindicatos*

A sindicação, saída da liberdade como o monopólio espontâneo, é igualmente inimiga dela, e sobretudo das vantagens dela; é-o com menos brutalidade e evidência e, por isso mesmo, com mais segurança.  Um sindicato ou associação de classe — comercial, industrial, ou de outra qualquer espécie — nasce aparentemente de uma congregação livre dos indivíduos que compõem essa classe; como, porém, quem não entrar para esse sindicato fica sujeito a desvantagens de diversa ordem, a sindicação é realmente obrigatória.  Uma vez constituído o sindicato, passam a dominar nele — parte mínima que se substitui ao todo — não os profissionais (comerciantes, industriais, ou o que quer que sejam), mais hábeis e representativos, mas os indivíduos simplesmente mais aptos e competentes para a vida sindical, isto é, para a política eleitoral dessas agremiações. Todo o sindicato é, social e profissionalmente, um mito. Mais incisivamente ainda: nenhuma associação de classe é uma associação de class

Poéticas*

Sabia muito bem Desde o começo Dos perigos que corria Até havia lhe pedido Em um bilhete escrito Que não me deixasses Conhecer sua alma. Avançamos porém os sinais. Éramos duas crianças Brincávamos e sorríamos Me ofereceste teus olhinhos Por onde entrei E me perdi E fiquei E descansei. Paguei por ter te olhado a olho nu. Eu já sabia Que fecharias as portas De entrada e saída Então te levei para morar comigo Tenho agora duas almas dentro de mim. *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Românticos*

Românticos são poucos Românticos são loucos desvairados Que querem ser o outro Que pensam que o outro é o paraíso Românticos são lindos Românticos são limpos e pirados Que choram com baladas Que amam sem vergonha e sem juízo São tipos populares Que vivem pelos bares E mesmo certos vão pedir perdão Que passam a noite em claro Conhecem o gosto raro De amar sem medo de outra desilusão Romântico É uma espécie em extinção Romântico É uma espécie em extinção Românticos são poucos Românticos são loucos desvairados Que querem ser o outro Que pensam que o outro é o paraíso Românticos são lindos Românticos são limpos e pirados Que choram com baladas Que amam sem vergonha e sem juízo São tipos populares Que vivem pelos bares E mesmo certos vão pedir perdão Que passam a noite em claro Conhecem o gosto raro De amar sem medo de outra desilusão Romântico É uma espécie em extinção Romântico É uma espécie em extinç

Pensar ou não pensar ?*

Como seres humanos, nada nos é dado automaticamente. Temos que desenvolver cada aspecto de nosso ser para nos mantermos vivos. Inclusive pensar. Pensar é um ato de escolha. O cérebro nos é concedido, mas não seu conteúdo. Temos as ferramentas, mas podemos evadir do processo de pensar. Não nos é dado por instinto o conhecimento das coisas e nem de nós mesmos. Há um esforço que temos que decidir se vamos realizar ou não: pensar ou não pensar? Claro que há vários sentidos em que podemos falar do pensar. O que proponho aqui é um pensar ativo, não uma simples apreensão de algo. E também não um processo isolado. Um pensar dialético das coisas do mundo com nós mesmos e com os outros.  Pensar seria entrar em diálogo com nós mesmos sobre as coisas do mundo. Um pensar sobre as coisas sem refletir por que ou como as definimos de uma ou outra maneira, não é pensar. É fazer uma colagem da primeira impressão para um espaço definido para, exatamente, não mais precisar pensar sobre as coi

Carta*

Meu caro poeta, Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súdito

Espiritualidade para Poetas*

“Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira” (Carlos Drummond de Andrade). A cada manhã renasço com as esperanças que florescem anônimas no jardim dos meus dias. A beleza não precisa de propaganda quando a plateia que contempla sua delicadeza oferece aplausos com as sutilezas do olhar. Em cada canto de minha casa está um pouco daquilo que sou. Na cozinha os aromas do tempo e o perfume dos mais variados temperos costuram nas tramas da vida o presente do passado. Sobrevivo de memórias que a cada dia são sempre novas. Carrego em minha alma as marcas do tempo da vida bem vivida. E por vezes sofrida… Na minha pequena biblioteca os amigos das noites infinitas de solidão. Nunca obtive o autografo de um autor famoso, mais conheço a alma de cada um deles melhor que os seus amigos de outros tempos. Minha história tem um pouco de Guimarães e de Drummond. Meus sonhos se confundem com os de Pe

A música de cada um*

Há no coração de cada um de nós, por essência, uma música que é somente nossa, inigualável, intransferível. Por várias razões, conhecidas ou não, às vezes aprendemos desde muito cedo a diminuir, gradativamente, o seu volume e inventar ruídos que nada tem a ver com ela para nos relacionarmos com nós mesmos e com os outros.  Até que chega um tempo em que desaprendemos a entrar no nosso próprio coração para ouvi-la e, porque não passeamos mais nele, porque não a ouvimos mais, não é raro esquecermos completamente que ela existe.  Mas, como toda ignorância, toda indiferença, toda confusão, não são capazes de apagar a beleza original dessa partitura impressa na alma, ela continua tocando, ainda que de forma imperceptível. Continua tocando, à espera do dia em que, de novo ou pela primeira vez, possamos aumentar o seu volume, trazê-la à tona, compartilhá-la. Continua tocando, e alguns são capazes de escutá-la mesmo quando não conseguimos. Todo encontro genuíno de amor é também

Olhos do viajante, recorte do pensamento*

“A alma jamais pensa sem fantasia.” Aristóteles Quão estúpidos são os homens que creem que a vida é só viver; a vida é, também, renuncia, é deixar de viver momentaneamente para se dedicar ao não vivido. Viver não é só gozar a vida, é tudo, até mesmo morrer para viver melhor outro dia após outros dias. Andei pensando esses últimos dias, enquanto viajava, lia, via coisas novas, coisas que já tinha visto mas meus olhos renovados já passaram pela negação da vida, questionava ao total abandono de um absoluto nas imagens. Tudo parece novo, mesmo que já tenha visto, imagino o novo diante dos olhos, o sentir desse espaço infinito por onde o pensar foge da imagem. Vejo outros mundos dentro do mundo em que me adentro a ver. A vida do viajante é interessante porque nunca consegue descansar a cabeça, sempre quer olhar e pisar mais o todo de qualquer canto por onde passa. O viajante difere do turista, ele é quem conduz o roteiro, quase sempre aleatoriamente, mesmo que organizad

Lembrança de morrer*

Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente. E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento. Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto o poento caminheiro... Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro... Como o desterro de minh’alma errante, Onde fogo insensato a consumia, Só levo uma saudade — é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia. Só levo uma saudade — e dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas... E de ti, ó minha mãe! pobre coitada Que por minhas tristezas te definhas! De meu pai... de meus únicos amigos, Poucos, — bem poucos! e que não zombavam Quando, em noites de febre endoudecido, Minhas pálidas crenças duvidavam. Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme

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