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Mostrando postagens de julho, 2016

O viajante de amanhãs*

“O filósofo é uma das maneiras pela qual se manifesta a oficina da natureza – o filósofo e o artista falam dos segredos da atividade da natureza.”                      Friedrich Nietzsche O espírito aventureiro impróprio à cristalização do saber, se refaz nas escaramuças de um território movido a movimento. Seu viés de intimidade precursora se alimenta das ruas, estradas, subúrbios desmerecidos. É incomum ser facilmente compartilhável, esses eventos anteriores ao engessamento conceitual. A irregularidade narrativa como propósito sem propósito, se reveste de uma quase poesia, para tentar dizer algo sobre os eventos irreconciliáveis com a ótica dos limites bem definidos. Essa lógica de singularidades flutuantes se aplica as coisas irreconhecíveis ao vocabulário sabido. Seu desprezo pelas fronteiras, objetivadas pelos acordos e leis, é capaz de antecipar amanhãs no agora irrecusável. Num caráter de existência marginal entre o cotidiano e a miragem das lonjuras, parece q

O Albatroz*

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem Pegam um albatroz, imensa ave dos mares, Que acompanha, indolente parceiro de viagem, O navio a singrar por glaucos patamares. Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés, O monarca do azul, canhestro e envergonhado, Deixa pender, qual par de remos junto aos pés, As asas em que fulge um branco imaculado. Antes tão belo, como é feio na desgraça Esse viajante agora flácido e acanhado! Um, com o cachimbo, lhe enche o bico de fumaça, Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado! O Poeta se compara ao príncipe da altura Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar; Exilado no chão, em meio à turba obscura, As asas de gigante impedem-no de andar. *Charles Baudelaire

Interlúdio*

As palavras estão muito ditas e o mundo muito pensado. Fico ao teu lado.   Não me digas que há futuro nem passado. Deixa o presente — claro muro sem coisas escritas.   Deixa o presente. Não fales, Não me expliques o presente, pois é tudo demasiado.   Em águas de eternamente, o cometa dos meus males afunda, desarvorado.   Fico ao teu lado. *Cecília Meireles

Poema Perdido de Fernando Pessoas***

Cada palavra dita é a voz de um morto. Aniquilou-se quem se não velou   Quem na voz, não em si, viveu absorto. Se ser Homem é pouco, e grande só   Em dar voz ao valor das nossas penas E ao que de sonho e nosso fica em nós   Do universo que por nós roçou Se é maior ser um Deus, que diz apenas   Com a vida o que o Homem com a voz: Maior ainda é ser como o Destino   Que tem o silêncio por seu hino E cuja face nunca se mostrou. *Fernando Pessoas **Poema perdido de Fernando Pessoas (19/09/1918)

A livraria no caminho entre o parque e o café*

"O tempo presente e o tempo passado Estão ambos talvez presentes no tempo futuro E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo o tempo é eternamente presente Todo tempo é irredimível" T.S.Eliot No caminho entre o restaurante, café, a livraria do sebo, Ex Libris, e do meu trabalho paro quase sempre para olhar a vitrine. Abro a porta e falo com a moça que atende e pergunto: o que tem de interessante ou quanto custa esse aqui? Já comprei muitos livros e o que mais impressiona são as dedicatórias, ou quando as pessoas resolvem sublinhar com lápis e canetas coloridas o mesmo livro. Foi hoje, três cores em um livro. Um senhor livro, um T.S. Eliot, Poesia (Collected Poems). Tradução de Ivan Junqueira, Nova Fronteira, 2 edição, 1981. Livro que já tive, que ganhei um dia de aniversário nos anos 80. Perdi num bar quando estava viajando de férias. Sei lá. Li, reli os poemas depois na casa de uma namorada que me emprestara e tive o trabalho de devolver no

Buscas*

Procuro o novo O desconhecido O inexistente E encontro o velho O que sempre foi Procuro o novo Incansavelmente Deparo-me Com amarras Agendamentos Repressões Procuro o novo Novamente e de novo e de novo Circular envolto Dissolvo-me Na arte de me reinventar! *Dra Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Escritora. Poetisa. Filósofa Clínica Juiz de Fora/MG

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Um poeta é o menos poético de tudo o que existe, porque lhe falta identidade; continuamente está indo para - e preenchendo - algum outro corpo. O sol, a lua, o mar, assim como homens e mulheres, que são criaturas de impulso, são poéticos e têm ao seu redor um atributo imutável; o poeta não, carece de identidade. Certamente é a menos poética das criaturas de Deus." "(...) porque se, na verdade, é o homem esse animal que quer permanecer, o artista busca permanência transferindo-se para sua obra, fazendo-se sua própria obra, e atinge-a na medida em que se torna obra." "Se o poeta é sempre 'algum outro', sua poesia tende a ser igualmente 'a partir de outra coisa', a encerrar visões multiformes da realidade na recriação singularíssima da palavra." "Os poetas se compreendem de poema a poema melhor do que em seus encontros pessoais." "Com Antonin Artaud calou na França uma palavra dilacerada que só esteve pela

As palavras e o corpo*

Escrevo em águas turvas E as palavras somem. Poupam-me o trabalho De apagá-las. Permanecem, porém, os rabiscos Tatuados em meu corpo Aninhados em minh'alma. As lembranças, Assim como as palavras Que tentam se apagar Com uma borracha branca Ficam borradas Mas ficam, Ainda assim... Não seriam os olhos Um espelho pelo avesso Quem iluminam para dentro? *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Criativos*

"Escrever implica calar-se, escrever é, de certo modo, fazer-se 'silencioso como um morto', tornar-se o homem a quem se recusa a última réplica, escrever é oferecer, desde o primeiro momento, essa última réplica ao outro."  "(...) escreve-se talvez menos para materializar uma ideia do que para esgotar uma tarefa que traz em si sua própria felicidade." "O estruturalismo é essencialmente uma atividade, isto é, a sucessão articulada de certo número de operações mentais." "(...) A estrutura é pois, de fato, um simulacro do objeto, mas um simulacro dirigido, interessado, já que o objeto imitado faz aparecer algo que permanecia invisível, ou, se se preferir, ininteligível no objeto natural." "(...) a literatura é pelo contrário a própria consciência do irreal da linguagem: a literatura mais 'verdadeira' é aquela que se sabe a mais irreal, na medida em que ela se sabe essencialmente linguagem, é aquela procura d

A palavra ressonância*

       Escrever sobre as repercussões de um encontro clínico, reivindica deslocar-se em estado de redução fenomenológica. Se trata de tentar visualizar eventos em sua matriz de desencadeamento compartilhado, por onde acessos inesperados se descortinam, sugerem uma dialética nem sempre traduzível.    As poéticas da terapia esboçam seus inéditos e os ampliam pela interseção bem sucedida. Esses enredos seriam inimagináveis não fora a alquimia da atuação subjuntiva, a qual, iniciada na hora_sessão, se multiplica no cotidiano por vir. Dos múltiplos aspectos sobre seu alcance, sentido, direção, se destaca a alteração dos pontos de vista. Reinvenção pela aptidão dos procedimentos a se tornar transformação pessoal pela via da introspecção.    A cooperação da categoria tempo é fundamental, nesse momento irrepetível, onde uma chave encontra sua porta. Ao acolher compreensivamente o que ressoa, é possível modificar representações, redescobrir-se em meio ao ir e vir das conexões. 

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) a consciência é um ser para o qual, em seu próprio ser, está em questão o seu ser enquanto este ser implica outro ser que não si mesmo." "A consciência é consciência de alguma coisa: significa que a transcendência é estrutura constitutiva da consciência, quer dizer, a consciência nasce tendo por objeto um ser que ela não é." "(...) como a consciência não é possível antes de ser, posto que seu ser é fonte e condição de toda possibilidade, é sua existência que implica sua essência." "Portanto, eis aqui o nada sitiando o ser por todo lado; eis que o nada se apresenta como aquilo pelo qual o mundo ganha seus contornos de mundo." "(...) não há um só gosto, um só tique, um único gesto humano que não seja revelador." "(...) o trabalho essencial é uma hermenêutica, ou seja, uma decifração, uma determinação e uma conceituação." "O ser é uma aventura individual." "O gênio de Proust

Empatia...*

Se não sou de ninguém Nem ninguém é meu Porque dói na gente A dor que o outro sente? A, se a vida não fosse Uma máquina de jogo Que não triturasse gente Que não moesse gente E que não doesse tanto Na gente. Corpo fechado, alma aberta Um capacete a prova de balas Uma armadura contra a amargura Amor mole em pedra dura Tanto bate até que fura Tanto bate até que cura. *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS

Cotidiano*

“Assim, o olhar encontra naquilo que o torna possível o poder que o neutraliza...” Maurice Blanchot   Imagem das palavras, Na simetria os olhos, Correr à tela. A lente, milímetro fátuo escorre, no muro poema pichado. O caminhar do texto. A representação, tempo suficiente para a cisão, embate do corpo arranha. O dizer extenso do pensamento, O cérebro guarda, cria além do que vê.   *Prof. Dr. Luis Antônio Paim Gomes Filósofo. Jornalista. Editor. Escritor. Livre Pensador. Porto Alegre/RS

O Infinito*

A mim sempre foi cara esta colina deserta e a sebe que de tantos lados exclui o olhar do último horizonte. Mas sentado e mirando, intermináveis espaços longe dela e sobre-humanos silêncios, e quietude a mais profunda, eu no pensar me finjo; onde por pouco não se apavora o coração. E o vento ouço nas plantas como rufla, e aquêle infinito silêncio a esta voz vou comparando: e me recordo o eterno, e as mortas estações, e está presente e vivo, o seu rumor. É assim que nesta imensidade afogo o pensamento: e o meu naufrágio é doce neste mar. *Giácomo Leopardi

Fragmentos Filosóficos, Poéticos, Delirantes*

"A matriz aberta desses poemas permitia vários percursos de leitura, na vertical ou na horizontal, isolando e destacando blocos, ou já os integrando, alternativamente, com outras partes componentes da peça, através de relações de semelhança ou proximidade." "Os críticos, boa parte deles, responsáveis por essa petrificação mental, praticam uma hermenêutica de cemitério, precavendo-se cautelosamente para que nenhum oxigênio de vida, nenhuma dissonância de invenção, perturbe o ar ázimo e a paz de nafta de seus columbários cumpridamente etiquetados, classificados e inanizados, que são as obras de arte 'reconhecidas': para eles, o presente artístico só conta na medida em que possa ser, rapidamente, mumificado em passado." "A língua é apenas um dos sistemas de signos e a linguística tão-somente uma das províncias da semiótica. Esta é a colocação que nos parece mais fecunda e aberta. Realmente, a adoção da linguagem verbal como padrão absoluto e t

Uma poética do agora*

sou vagabundo de coração cheio tenho amor de sobra para te dar entristeço com tanto poder e egoísmo para que tanto orgulho e vaidade? onde te levará este preconceito? pare e ame, não haverá depois! Dra. Rosângela Rossi Psicoterapeuta. Filósofa Clínica. Escritora. Poetisa. Juiz de Fora/MG

Poema de Sete Faces*

Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode. Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo. *Carlos Drummond de Andrade

Aspectos das memórias Substituindo lembranças ?*

“A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito”. (Machado de Assis. 1994) Em um contexto clínico, isto que Machado de Assis nos coloca não passa de um grande chavão. Representa frases prontas como “para ter um novo amor é necessário esquecer o antigo”. Mas será que é assim que as coisas se passam? E o contrário também se aplicaria? Será que para esquecer algo traumático ou doloroso é necessário instaurarmos algo novo em seu lugar? A historicidade de algumas pessoas nos mostra que a sua Estrutura de Pensamento funciona por fatores substitutivos. Por exemplo, alguns colocam “eu só consegui esquecer o meu antigo emprego quando eu comecei a trabalhar novamente”. E claro, não é uma frase isolada, ela aparece em vários contextos, de várias maneiras, e quando esse “fator substitutivo” fica atestado e é funcional, eis que temos um recurso clínico para a vida daquela pessoa. Chamamos em Filosofia Clínica estes recursos de “submodos

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"Não é à crítica que me quero referir, porque ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala. Repontar com isso seria, além de absurdo, indício de um grave desconhecimento da história literária, onde os gênios inovadores foram sempre, quando não tratados como doidos (como Verlaine, e Mallarmé), tratados como parvos (como Wordsworth, Keats e Rossetti) ou como, além de parvos, inimigos da pátria, da religião e da moralidade, como aconteceu a Antero de Quental, sobretudo nos significativos panfletos de José Feliciano de Castilho, que, aliás, não era nenhum idiota."  "O princípio da cura está na consciência da doença, o da verdade no conhecimento do erro. Quando um doido sabe que está doido, já não está doido. Estamos perto de acordar, disse Novalis, quando sonhamos que sonhamos." "Se é este, porém, o efeito do ideal puramente objetivo nas almas inferiores, nos espíritos superiores, que são os suscetíveis de cri

Os Opostos*

Os Opostos se atraem, dizem Ele lutava com os opostos Dia a dia Dentro de si. Para ele não havia vida na linha do equador. Havia, sim, vida acima ou abaixo do equador. Viver na linha mediana, para ele, era não viver. Definhava sob o ar condicionado. Fugia do meio termo como o capeta foge da cruz. O morno nem o esquentava, nem tampouco, o esfriava. O morno cheirava a mofo. Se negava a jogar no meio de campo. Fechava as balizas de um lado, ou estufava as redes do outro. Na loteria da vida não marcava a coluna do meio. Mas existiam empates. Quem o conhecia sabia. Seu "oito" era um grãozinho de areia. Um fiozinho de fumaça que sumia. Uma miragem de nevoeiro que sumia. Um pedacinho de nuvem quebrada que sumia num buraco negro. Diminuto, virava diminutivo e se transformava em Mínimo Múltiplo Comum. Virava nada, nada fazia e repousava nas espumas das águas do nada. Mas não se entregava Há que inventar a vida a cada dia. Seu "oitenta" era mi

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