Clarice Lispector —
Você se considera mais um poeta chileno ou da América Latina?
Pablo Neruda — Poeta
local do Chile, provinciano da América Latina.
Clarice Lispector
—Escrever melhora a angústia de viver?
Pablo Neruda — Sim,
naturalmente. Trabalhar em teu ofício, se amas teu ofício, é celestial.
Senão é infernal.
Clarice Lispector —
Quem é Deus?
Pablo Neruda — Todos
algumas vezes. Nada, sempre.
Clarice Lispector —
Como é que você descreve um ser humano o mais completo possível?
Pablo Neruda —
Político, poético. Físico.
Clarice Lispector —
Como é uma mulher bonita para você?
Pablo Neruda — Feita de
muitas mulheres.
Clarice Lispector —
Escreva aqui o seu poema predileto, pelo menos predileto neste exato momento?
Pablo Neruda — Estou
escrevendo. Você pode esperar por mim dez anos?
Clarice Lispector — Em
que lugar gostaria de viver, se não vivesse no Chile?
Pablo Neruda —
Acredite-me tolo ou patriótico, mas eu há algum tempo escrevi em um poema: Se
tivesse que nascer mil vezes. Ali quero nascer. Se tivesse que morrer mil
vezes. Ali quero morrer…
Clarice Lispector —
Qual foi a maior alegria que teve pelo fato de escrever?
Pablo Neruda — Ler
minha poesia e ser ouvido em lugares desolados: no deserto aos mineiros do
norte do Chile, no Estreito de Magalhães aos tosquiadores de ovelha, num
galpão com cheiro de lã suja, suor e solidão.
Clarice Lispector — Em
você o que precede a criação, é a angústia ou um estado de graça?
Pablo Neruda — Não
conheço bem esses sentimentos. Mas não me creia insensível.
Clarice Lispector —
Diga alguma coisa que me surpreenda.
Pablo Neruda — 748. (E
eu realmente surpreendi-me, não esperava uma harmonia de números)
Clarice Lispector —
Você está a par da poesia brasileira? Quem é que você prefere na nossa poesia?
Pablo Neruda — Admiro
Drummond, Vinícius, Jorge de Lima. Não conheço os mais jovens e só chego a
Paulo Mendes Campos e Geir Campos. O poema que mais me agrada é o “Defunto”,
de Pedra Nava. Sempre o leio em voz alta aos meus amigos, em todos os lugares.
Clarice Lispector — Que
acha da literatura engajada?
Pablo Neruda — Toda
literatura é engajada.
Clarice Lispector —
Qual de seus livros você mais gosta?
Pablo Neruda — O
próximo.
A que você atribui o
fato de que os seus leitores acham você o “vulcão da América Latina”?
Pablo Neruda — Não
sabia disso, talvez eles não conheçam os vulcões.
Clarice Lispector —
Qual é o seu poema mais recente?
Pablo Neruda — “Fim do
Mundo”. Trata do século 20.
Clarice Lispector —
Como se processa em você a criação?
Pablo Neruda — Com
papel e tinta. Pelo menos essa é a minha receita.
Clarice Lispector — A
critica constrói?
Pablo Neruda — Para os
outros, não para o criador.
Clarice Lispector —
Você já fez algum poema de encomenda? Se não o fez faça agora, mesmo que seja
bem curto.
Pablo Neruda — Muitos.
São os melhores. Este é um poema.
Clarice Lispector — O
nome Neruda foi casual ou inspirado em Jan Neruda, poeta da liberdade tcheca?
Pablo Neruda — Ninguém
conseguiu até agora averiguá-lo.
Clarice Lispector —
Qual é a coisa mais importante no mundo?
Pablo Neruda — Tratar
para que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para algumas.
Clarice Lispector — O
que é que você mais deseja para você mesmo como indivíduo?
Pablo Neruda — Depende
da hora do dia.
Clarice Lispector — O
que é amor? Qualquer tipo de amor.
Pablo Neruda — A melhor
definição seria: o amor é o amor.
Clarice Lispector —
Você já sofreu muito por amor?
Pablo Neruda — Estou
disposto a sofrer mais.
Clarice Lispector —
Quanto tempo você gostaria de ficar no Brasil?
Pablo Neruda — Um ano,
mas depende de meus trabalhos.
*A entrevista foi
concedida em 19 de abril de 1969. Publicada no livro “De Corpo Inteiro”,
Editora Rocco, em 1999.
Comentários
Postar um comentário