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Um mar no olhar*

Quando me defronto com um olhar marejado É como se me visse no reflexo dum lago no momento da chuva. Algumas coisas me afetam em demasia Olhares marejados me paralisam Me deixam fora dos eixos Estaciono. Sento no chão. Baixo a cabeça Meus pés não andam mais Perco as palavras. Fico analfabeto É assim como num sonho: Tento correr Para me salvar Ou oferecer alguma salvação E não saio do lugar. Olhos marejados afogam meu choro seco Por instantes fecho os olhos meus Para voltar a olhar outra vez Minha vontade é de estender um dedo Para amparar a lágrima passada O que vejo não são dois olhinhos Enxergo duas poças d'água Sobre gramas de outono Misturo-me e mergulho no lago dos olhos Para fazer o tempo voltar E impedir que os olhos marejassem.... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS 

Mesa dos sonhos*

Ao lado do homem vou crescendo Defendo-me da morte quando dou Meu corpo ao seu desejo violento E lhe devoro o corpo lentamente Mesa dos sonhos no meu corpo vivem Todas as formas e começam Todas as vidas Ao lado do homem vou crescendo E defendo-me da morte povoando de novos sonhos a vida. *Alexandre O'Neill

A poesia do agora*

Ler nos olhos de alguém o melhor que podemos ser é uma experiência transformadora, surpreendentemente feliz. E em paz, refletir na alma alheia a justa medida de uma correspondência perene em tudo aquilo que realmente importa e que fora buscado numa obra de plantar o melhor que se podia e, por isso, colher frutos saudáveis.  Porventura, pela lealdade, pelo cuidado de se colocar no lugar do outro e pela responsabilidade de assumir os próprios atos, conquista-se a capacidade de saber o que se planta - única forma legítima de impedir o temor da colheita.  É lindo perceber que a medida do amor é infinita e misteriosamente desmedida sem sufocar, sem jamais faltar ou falir, sem ferir, sem prender, sem sequer invadir ou invalidar.  Afinal, quando pensamos que a vida nos surpreendeu nos dando demais, além do nosso próprio merecimento, basta meditar fechando os olhos por alguns instantes para rapidamente compreender sentindo melhor o que plantamos para viver a poesia de um agora tão m

Confidência do Itabirano*

Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana. De Itabira trouxe prendas diversas que ora ofereço: este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa... Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! *Carlos Drummond de Andrade

Movimento*

“A arte só está próxima do absoluto no passado, e é apenas no Museu que ela ainda tem valor e poder.” Maurice Blanchot Meu grupo é tão seleto que não existe, vivo no limbo da desatenção, permaneço só na multidão, mordo a cauda da serpente, vejo no espelho o movimento do corpo, vejo a luz difusa, a névoa de um domingo cinza.  Corro feito louco para ver o mar, nado fundo para não mais voltar, sigo em braçadas até o fim do livro. Vejo a mesma cena do filme que passa aos olhos, ouço o som no fundo do pensar, marco a linha imaginária na tela para traçar minha fuga. *Dr. Luis Antônio Paim Gomes Editor. Professor. Escritor. Livre Pensador Porto Alegre/RS

Um bom poema leva anos*

Um bom poema  leva anos. Cinco jogando bola,  mais cinco estudando sânscrito, seis carregando pedra,  nove namorando a vizinha, sete levando porrada,  quatro andando sozinho, três mudando de cidade,  dez trocando de assunto, uma eternidade, eu e você,  caminhando junto. *Paulo Leminski