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Fragmentos Filosóficos, Delirantes, Literários*

"(...) é possível dizer que começamos a escrever no momento em que nascemos. Afinal, escrever é uma maneira de olhar para o mundo ao nosso redor. Aos poucos, vamos reparando nas coisas, coletando ideias, imaginando narrativas, até passar aquilo para o papel ou para a tela do computador." "(...) independente da forma, as palavras possuem um poder de criação. Quando as pessoas rezam, por exemplo, elas pronunciam diversas palavras, imaginando uma realidade diferente, criando um mundo em suas mentes. O mesmo acontece com a literatura. De alguma forma, aquelas palavras se tornam vivas, os personagens começam a ter existência própria." "O problema (e a sedução) da Clarice Lispector é que ela é uma ilha, não permite seguidores. Ela está ali sozinha. Ela começa e termina sozinha, fechada. É o caso do Guimarães Rosa também." "É preciso aceitar aquilo com o que não concordamos: cada personagem tem sua humanidade, e a arte surge quando abdicamos

O sonho das palavras*

“Quem se entrega com entusiasmo ao pensamento racional pode se desinteressar das fumaças e brumas através das quais os irracionalistas tentam colocar suas dúvidas (...).”                                                                        Gaston Bachelard Um enredo malabarista se insinua em apontamentos de quase lógica. O sonhar das palavras rascunha vontades, antecipa delirando aquilo desconsiderado pela razão conhecida. Seus apontamentos de estética maldita dizem mais do que consegue traduzir. Não-ser acontecendo nalgum ponto entre realidade e ficção.  Essa sensação do fenômeno ter alguma sobrevida nos termos agendados no intelecto, possui rasgos de transcendência inevitável. Parece reverenciar o lugar instante onde a exceção, o acaso, se desdobram num agora continuado.    É possível ao verso irreal conter mensagens ilegíveis. Sua referência ao texto repleto de incompletudes parece querer dizer, ao leitor atento, sobre as alternativas de reescrever-se com sua l

Mapa de anatomia: o olho*

O Olho é uma espécio de globo, é um pequeno planeta com pinturas do lado de fora. Muitas pinturas: azuis, verdes, amarelas. É um globobrilhante: parece cristal, é como um aquário com plantas finamente desenhadas: algas, sargaços, miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro.   Mas por dentro há outras pinturas, que não se vêem: umas são imagens do mundo, outras são invetadas.   O Olho é um teatro por dentro. E às vezes, sejam atores, sejam cenas, e às vezes, sejam imagens, sejam ausências, formam, no Olho, lágrimas. *Cecília Meireles

Fragmentos Filosóficos, Delirantes*

"(...) Não pode imaginar o quanto é amargo para mim quando as pessoas não me compreendem, quando deturpam o que eu disse e veem tudo distinto do que eu pensei.." "Querido irmão, Perdoe-me por não ter escrito antes. Estou tendo, como de costume, um monte de aborrecimentos para resolver. Meu romance, do qual simplesmente não consigo fugir, mantém-me eternamente trabalhando. Se eu soubesse de antemão como seria isso, eu jamais teria começado a escrevê-lo. Decidi refazê-lo totalmente e, meu Deus, como isso fez o texto melhorar." "(...) Estive apaixonado pela esposa de Panaiev, mas passou, ainda que siga pensando nela. Minha saúde está terrivelmente abalada. Estou neurótico e temo ficar febril a qualquer momento. Não consigo viver decentemente, sou um dissoluto. Se não conseguir me banhar no mar durante o verão, serei um desgraçado. Adeus. Por favor, escreva. Perdoe-me por essa carta desajeitada. Eu estou com pressa. Um beijo, meu irmão. Seu, Dostoiév

Cartografia da Educação*

    Torna-se patente hoje o fato de que as construções modernas de uma razão subjetiva não eram menos utópicas do que as visões antigas e medievais de uma razão objetiva. Pois a razão subjetiva não é outra coisa senão um sujeito universal coerente. Peter Sloterdijk (Crítica da Razão Cínica)   Tenho medo de um país mais adiante, do país que vivo, ali na frente é na certa o naufrágio de um pôr do sol. Como tinha medo do país presente, melhor de um passado sem registros é o de conhecimento. É preciso que saiamos do legado moderno. Tenho este temor diante das cabeças em minha frente, o controle da ordem é a origem do pensamento, pois refletir nas certezas nos levaria ao racionalismo, nos poria no centro das discussões.  Não é o que parece, é o que vem acontecendo, cada vez mais o pensamento está sendo eivado pela brutalidade da lógica silenciosa de excluir o máximo possível, de colar o mínimo com mais força para poder fazer da realidade um acordo entre o que está disponíve

Tudo se me evapora*

Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora.  Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espetáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu. Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desreconheço-me neles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono alheio.  É frequente eu encontrar coisas escritas por mim quando ainda muito jovem - trechos dos dezessete anos, trechos dos vinte anos. E alguns têm um poder de expressão que me não lembro de poder ter tido nessa altura da vida. Há em certas frases, em vários períodos, de coisas escritas a poucos passos da minha adolescência, que me parecem produt

Errâncias*

Errante é o poeta Pois anda por caminhos Por ele mesmo desconhecidos Tão somente abre trilhas Tateando na sua penumbra Cambaleia, cai, e rasteja Levanta, e segue errando Sem saber ao certo Para onde vão seus passos. Como poderia conduzir Alguém por um caminho Se o próprio, desconhece Então escreve o seu caminho Para tentar conduzir-se Apenas por mais um passo Somente por mais um dia.... *José Mayer Filósofo. Livreiro. Poeta. Estudante na Casa da Filosofia Clínica Porto Alegre/RS