Hoje os especialistas
dizem que vivemos a era da informação, cuja característica é o amplo acesso a
informações difundidas em vários meios de divulgação. Mas, a quantidade e o
fácil acesso não necessariamente significam uma vantagem. Quando não há um critério
mínimo, os riscos são massivos.
Um exemplo do que chamo de risco, são as
influências que determinadas informações exercem em nossa vida.
Em filosofia clínica,
denominamos de agendamentos toda e qualquer influência exercidas sobre nós. Há
os agendamentos mínimos, quando não há tanto impacto em nossa Estrutura de
Pensamento (EP), e os agendamentos máximos, quando trazem significativas
influências em nossa EP, independentemente de serem qualitativamente boas ou
ruins.
Para exemplificar nossa
consideração, tomemos três palavras que são cotidianamente expressadas, muitas
vezes sem qualquer critério prévio: recalque, inconsciente e projeção.
A palavra recalque hoje
é muito expressada no meio midiático, popularizado por algumas músicas cantadas
no funk carioca. Já inconsciente é a desculpa para muitas coisas que fazemos
sem “pensar muito”, como impulso que nos precede. Por fim, a projeção é bem
usada em relacionamentos entre casais ou entre pais e filhos; no primeiro caso,
quando alguém diz, por exemplo, que o marido projeta na mulher sua mãe e, no
segundo, quando os pais projetam seus sonhos irrealizados nos filhos.
Note que mesmo que a
pessoa não seja sequer alfabetizada, carrega esses termos e os utiliza com
grande desenvoltura. Não é necessário saber sobre psicanálise para que alguns
termos que carregam sua (da psicanálise) interpretação, sejam usados no
cotidiano. Freud talvez se reviraria no seu túmulo, se pudesse ver o que
fizeram com seus tão caros termos trabalhosamente lapidados para informar questões
referentes aos seus estudos da psiqué humana. Essas palavras já existiam antes
de Freud as utilizar, mas creio que há uma interpretação antes e uma depois da
divulgação das teorias psicanalíticas, mesmo que destorcidas.
Dado esse quadro geral,
qual é o ponto no qual queremos chegar? O indiscriminado uso e divulgação
destes termos, muitas vezes, com ou sem seu posterior conhecimento da fonte de
seu significado, tende a trazer para as pessoas, interpretações de si muitas
vezes completamente deturpadas e prejudiciais. São os agendamentos que estes
termos e seus respectivos significados podem causar na malha intelectiva de uma
pessoa, que podem levar alguém a internalizar elementos que nunca fizeram parte
de sua existência.
Quantas pessoas, ao
ouvir um “especialista” na mídia explicando uma síndrome ou relatando um
problema e sua respectiva interpretação, já não se identificaram com o
diagnóstico dado? Quantos ainda andam por aí pedindo para seu parceiro ou pais
para que não projetem suas frustrações em si? Quantas conversas de “ponto de
ônibus” já não ouvimos explicando que inconscientemente alguém tomou alguma
decisão ou agiu? E o tão popularizado recalque que define tudo o que parece ser
ação de inveja alheia?
Mas, essa
característica não fica só nos meios mais populares da sociedade. Quantas aulas
de psicologia, filosofia e pedagogia – para nos ater às que tratam da
subjetividade humana – já fizeram alunos saírem da sala se autoproclamando
hiperativo (psicologia), idealista ou realista (filosofia), ou com dificuldades
de aprendizado devido à “caneta vermelha” de seu “educador” (pedagogia)?
Os exemplos acima são
somente ilustrativos. Os casos se multiplicam e são tantos quantos são o número
de pessoas existentes. A finalidade proposta com esse texto é o de mostrar o
quanto as pessoas podem ser afetadas, agendadas, por termos tão comuns e
aparentemente banais que se apresentam no dia a dia. E não são somente os
termos, mas a diversidades de elementos que nos agendam cotidianamente são
incontáveis.
Mas, se há coisas que
nos agendam de modo indesejado, é possível nos agendarmos com coisas que
sabemos que nos faz bem, como filmes, livros, amigos, família, passeios, etc.
Então, apesar dos agendamentos que nos aparecem indesejavelmente, talvez valha
a pena buscarmos continuamente nos “alimentar” do que nos traz um conforto
existencial para que nossa EP faça reverberar elementos relevantes para nossa
vida. Então, quais são seus “alimentos existenciais”? Quais agendamentos você
escolheu receber hoje? Este texto agendou você de forma positiva?
* Miguel Angelo Caruzo
Filósofo, Mestre em Filosofia da Religião, Doutorando em Filosofia, Filósofo Clínico
Juiz de Fora/MG
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