Apesar de tudo que
aconteceu. Dos defeitos, dos erros, do medo, das incoerências, contradições,
incertezas. Apesar de você, apesar de mim, apesar dos outros, apesar de todos,
ainda assim, te amo.
É possível amar apesar
de tantas impossibilidades ou o amor precisa ser politicamente correto? E se o
afeto verdadeiro for algo mais alternativo, não tão equilibrado, que envolva um
certo choque e rompa a etiqueta? Que sentimento é este, difícil de definir, de
aplicação muito ampla e quase sempre utilizado de maneira ambígua e leviana?
Algumas pessoas se
curam por amor, outras adoecem. Alguns decidem morrer por amor, outros
matam. Alguns fazem mágica com o amor,
mostrando um pouco dele para logo depois o fazer desaparecer. Como conseguem
realizar isso? Alguns jamais conhecerão
o amor, outros se confundirão e raríssimos o desfrutarão por toda a vida.
Embora muitos jamais o
alcancem ou reconheçam, o amor é uma necessidade tão básica e vital para o ser
humano quanto comer e beber. O que os sedentos e famintos fazem em nome da
saciedade? Atacam, disputam, se expõem, vão à luta. Sem medo. Sem vergonha. Sem
noção. E os carentes de amor, o que fazem?
Alguns se retraem, se
escondem, amedrontam-se, envergonham-se, vão para os livros, psicólogos e caem
na solidão. Outros se atiram em viagens, drogas, festas, trabalho, esportes.
Alguns vão procurar na rua, outros em sites de relacionamento. Quantos livros,
especialistas e desculpas ainda será
preciso ler, consultar e utilizar até
que se aprenda a escolher o que sentir por alguém?
Não tenho a menor
pretensão de achar que, justo eu, um médico, estudioso da alma humana, tenha
descoberto a receita secreta do amor. Assim como um mapa não ensina ninguém a
viajar, artigo ou livro algum ensinará a amar.
Não há um modelo ou
definição universal de amor. Cada indivíduo tem sua maneira singular e única de
sentir, dar e receber amor. Tentar se enquadrar em um manual ou protocolo,
julgando e condenando condutas que se afastem do padrão, é um convite para o
fracasso.
Dona Maria era casada
há quinze anos, mas tinha convicção que o marido não a amava, pois para ela,
quem ama, faz carinhos, beija, abraça, dorme de conchinha, e seu marido não
praticava nada disto.
Seu José, o marido,
demonstrava seu amor comprando presentes, viajando com a família, escrevendo
poemas apaixonados. Adorava passar as
noites conversando e jogando cartas com a esposa, que cansada, quase sempre
recusava o convite e ia para a cama mais cedo.
Ele também passou a
desconfiar que a esposa não mais o amava. E neste circulo vicioso de melindre e
suspeita, permaneciam casados e descontentes. Como seria bom se alguém pudesse
esclarecer e traduzir para o casal que suas formas de amar eram diversas, porém
válidas e genuínas.
Abigail diz quem ama
cuida do outro, Benedita pensa que amor é se entregar, Diamantina sustenta que
amar é admirar, Gladis afirma que amar é não ter segredos, Salomé não admite um
amor sem tapas e beijos, Matilde espera muitos filhos de seu amor, Ofélia quer
ficar com seu amor até o fim da vida, Ismália precisa de muitos telefonemas e
presentes para amar, Conceição diz que amar é não ter vergonha de se sentir
ridícula...Tudo isto é amor. Todas estão certas, mas isto é assim para elas.
Não necessariamente para seus pares, nem para mim, nem para você. Não há nada
de errado nisto.
Aprendi na minha
pratica anestésica, que quando um paciente se queixa de dor, precisamos
acreditar que está doendo. Ainda que não exista motivo aparente, que pareça
simulação, que tenhamos convicção que não pode estar padecendo tanto, se o
paciente diz que dói, é porque dói. Em
algum lugar. Talvez no coração, no cérebro, na alma. É preciso investigar e
tratar.
Da mesma forma o amor.
Quando alguém ama, vai amar do seu jeito, por algum lugar. Talvez pelo
sensorial, pela emoção, pela razão, pela loucura. Não existe uma maneira única
e correta de amar, a mesma que sirva para todos. E quase nunca se ama da maneira que o outro
imaginava ou gostaria. Cada um se enamora e demonstra seu amor de acordo com
sua experiência de vida.
Um abismo separa dois
amantes, por mais que se considerem almas gêmeas. Cada qual terá suas manias,
crenças, expectativas e formas de encarar a vida e o amor. A tendência é que no
inicio, estas diferenças naturais entre ambos os atraiam, mas depois, criem um distanciamento.
Para Slavoj Zizek,
filósofo esloveno, a construção de uma ponte, tentando reduzir ao máximo este
abismo, seria a fórmula do amor, atravessando a parede que separa um e outro
até encontrar o amor.
Encurtar o abismo,
atravessar paredes, permitir que alguém possa te destruir e confiar que isto
não vai acontecer, ainda me parecem conselhos teóricos e poéticos. Para amar é
preciso algo mais prático.
Felizmente, amamos como
podemos, e não como deveríamos ou como recomendam os conselheiros sentimentais.
Esta é a graça do amor. Amar do nosso jeito, do jeito que conseguimos ficar
perto, do jeito que nos serve. Sem regras, sem necessidade de acertar de
primeira. A superação da impossibilidade é a cola “superbonder” do amor. Se
grudar, nada mais vai separar.
.
Para mim, acredito que
amar seja a evolução do casal crescendo e permanecendo juntos, apesar de tudo.
Repito, apesar de tudo. Dos defeitos, dos erros, do medo, das incoerências,
contradições, incertezas. Mais que isso, amar e viver apesar de, mas
especialmente, por causa de. Se não
conseguiram ficar juntos, talvez não tenha sido amor, talvez só um tenha
amado... Mas isto é apenas uma hipótese.
E para você, como funciona o amor?
*Ildo Meyer
Médico. Escritor.
Palestrante. Filósofo Clínico
Porto Alegre/RS
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