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Anotações e Reflexões de um Pensador*



Amigos, alguém me pergunta qual é, afinal, a minha posição política - já que não apóio o Bolsonaro, não apóio o Lula e muito menos sou "isentão", o que quer que isso signifique.

A minha resposta não é simples. Não posso me declarar, sem reservas, simplesmente "de esquerda". Nem "de direita". E muito menos "de centro". Se for necessário classificar a minha situação política em poucas palavras, a minha resposta será: pertenço ao campo crítico radical.

Caso "pertencente ao campo crítico radical" seja uma designação demasiadamente genérica, posso desdobrá-la, resumidamente, nas seguintes posições a respeito da relação do indivíduo com o Estado.

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Em primeiro lugar, concordo com Schumpeter: no modelo de democracia do século XX, os indivíduos comuns são simplesmente consumidores de produtos políticos prontos sob a forma de programas-propaganda pré-embalados e dispostos no mercado eleitoral por elites que se interessam pelo poder de distribuir entre as instituições e as corporações as riquezas econômicas do Estado, mas não se interessam pelo bem-estar do povo (a não ser que isso gere mais riqueza a ser distribuída entre eles ou lhes garanta mais votos).

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Concordo também com Marcuse, que aprofunda a crítica da democracia que leio em Schumpeter: vivemos numa situação de totalitarismo democrático, porque aceitamos livremente sermos oprimidos e reprimidos. Para Marcuse, a opressão não precisa mais ser exercida por uma figura autoritária: não é mais necessária a presença ou a força de um poder repressor explícito. Na sociedade industrial, basta que o sistema leve as pessoas a acreditarem ser mais livres do que realmente são, que esse sistema provenha as pessoas com bens e confortos suficientes para que elas sejam pacificadas, que as pessoas sejam levadas a se identificar com seus opressores e que o discurso político (que não é a mesma coisa que discurso partidário/eleitoral) seja considerado ineficaz ou seja colocado sob suspeita. Essas medidas conduzem a uma sociedade de homens unidimensionais, que acreditam viver sob uma democracia e agir com liberdade, buscando sua própria felicidade, mas que na verdade contribuem ativamente para um sistema tirânico e totalitário, em que somente se pode escolher entre as alternativas estabelecidas pelo próprio sistema, e em que a felicidade consiste em consumir cada vez mais bens materiais ou culturais criados com o propósito de satisfazer e pacificar os indivíduos.

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O que nos conduz a Foucault, cuja compreensão do poder amplia o entendimento da tese de Marcuse: para Foucault, não interessa saber quem são os indivíduos ou as instituições que "usam o poder" como um instrumento de coerção; o poder não está "na presidência" ou "no governo", mas sim espalhado e presente no discurso e no conhecimento. Em outras palavras, o poder é difuso e não concentrado; é incorporado e não possuído; é discursivo e não puramente coercitivo; e constitui agentes, em vez de ser exercido por eles. Foucault desafia a ideia de que o poder é conquistado por pessoas ou por grupos por meio de atos de dominação ou coerção. O poder não é uma capacidade nem uma estrutura; ele está em todos os lugares e vem de todos os lugares. Ele é um “regime de verdade” que perpassa a sociedade, e está em constante fluxo e negociação. Isso significa que nós também somos agentes do poder totalitário, pois defendemos, sob o nome de "liberdade democrática", um sistema que nos limita a escolher, em todos os sentidos, somente o que está institucionalizado.

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Neste sentido, acompanho a posição de Ivan Illich, para quem o Estado e as corporações visam a institucionalizar, sob a justificativa de proteger, toda a existência humana - por meio do ordenamento e da regulação do trabalho, da educação, da saúde, da morte... - para que, assim, possam controlar e instrumentalizar a produção de cada pessoa.

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Finalmente, concordo também com Nozick, para quem o Estado de nosso tempo é uma institução cuja principal função não mais é garantir a segurança física e jurídica dos indivíduos e dos grupos, mas escravizar-nos com o propósito de perpetuar a sua própria existência - isto é, a existência das elites políticas, burocráticas e econômicas que vivem do próprio Estado.

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Em suma: eu não acredito na democracia representativa moderna, mas acredito em um certo tipo de democracia: uma democracia sem eleições, sem organização burocrática e, portanto, sem elites dependentes do Estado - uma democracia em que todos os cidadãos são efetivamente iguais e têm a mesma possibilidade de participação política, independentemente da influência da sua família ou da sua riqueza.

Anarquismo? Não exatamente. Aristóteles acharia graça se soubesse que alguém, vinte e três séculos depois, viria a chamar uma constituição como a de Atenas - evidentemente, corrigindo os seus erros mais graves, como a escravidão e o rebaixamento das mulheres - de "anarquista".

A minha posição política não é anarquista, mas profundamente democrática: defendo a democracia em que nenhum interesse institucional, empresarial ou setorial se sobreponha aos interesses dos indivíduos - quer isolados, quer reunidos em assembléia. Uma democracia que sobretudo limite o poder dos poderosos - o poder das empresas, das instituições, do dinheiro, da influência política e da própria organização estatal -, para que, como num sonho de Isaiah Berlin, a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos possa ser finalmente conciliada.

*Prof. Dr. Gustavo Bertoche
Filósofo. Escritor. Musicista. Filósofo Clínico. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ

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