
Amigos, alguém me
pergunta qual é, afinal, a minha posição política - já que não apóio o
Bolsonaro, não apóio o Lula e muito menos sou "isentão", o que quer
que isso signifique.
A minha resposta não é
simples. Não posso me declarar, sem reservas, simplesmente "de
esquerda". Nem "de direita". E muito menos "de
centro". Se for necessário classificar a minha situação política em poucas
palavras, a minha resposta será: pertenço ao campo crítico radical.
Caso "pertencente ao
campo crítico radical" seja uma designação demasiadamente genérica, posso
desdobrá-la, resumidamente, nas seguintes posições a respeito da relação do
indivíduo com o Estado.
* * *
Em primeiro lugar,
concordo com Schumpeter: no modelo de democracia do século XX, os indivíduos
comuns são simplesmente consumidores de produtos políticos prontos sob a forma
de programas-propaganda pré-embalados e dispostos no mercado eleitoral por
elites que se interessam pelo poder de distribuir entre as instituições e as
corporações as riquezas econômicas do Estado, mas não se interessam pelo
bem-estar do povo (a não ser que isso gere mais riqueza a ser distribuída entre
eles ou lhes garanta mais votos).
* * *
Concordo também com Marcuse,
que aprofunda a crítica da democracia que leio em Schumpeter: vivemos numa
situação de totalitarismo democrático, porque aceitamos livremente sermos
oprimidos e reprimidos. Para Marcuse, a opressão não precisa mais ser exercida
por uma figura autoritária: não é mais necessária a presença ou a força de um
poder repressor explícito. Na sociedade industrial, basta que o sistema leve as
pessoas a acreditarem ser mais livres do que realmente são, que esse sistema
provenha as pessoas com bens e confortos suficientes para que elas sejam
pacificadas, que as pessoas sejam levadas a se identificar com seus opressores
e que o discurso político (que não é a mesma coisa que discurso
partidário/eleitoral) seja considerado ineficaz ou seja colocado sob suspeita.
Essas medidas conduzem a uma sociedade de homens unidimensionais, que acreditam
viver sob uma democracia e agir com liberdade, buscando sua própria felicidade,
mas que na verdade contribuem ativamente para um sistema tirânico e
totalitário, em que somente se pode escolher entre as alternativas
estabelecidas pelo próprio sistema, e em que a felicidade consiste em consumir
cada vez mais bens materiais ou culturais criados com o propósito de satisfazer
e pacificar os indivíduos.
* * *
O que nos conduz a
Foucault, cuja compreensão do poder amplia o entendimento da tese de Marcuse:
para Foucault, não interessa saber quem são os indivíduos ou as instituições
que "usam o poder" como um instrumento de coerção; o poder não está
"na presidência" ou "no governo", mas sim espalhado e
presente no discurso e no conhecimento. Em outras palavras, o poder é difuso e
não concentrado; é incorporado e não possuído; é discursivo e não puramente
coercitivo; e constitui agentes, em vez de ser exercido por eles. Foucault
desafia a ideia de que o poder é conquistado por pessoas ou por grupos por meio
de atos de dominação ou coerção. O poder não é uma capacidade nem uma
estrutura; ele está em todos os lugares e vem de todos os lugares. Ele é um
“regime de verdade” que perpassa a sociedade, e está em constante fluxo e
negociação. Isso significa que nós também somos agentes do poder totalitário,
pois defendemos, sob o nome de "liberdade democrática", um sistema
que nos limita a escolher, em todos os sentidos, somente o que está institucionalizado.
* * *
Neste sentido, acompanho
a posição de Ivan Illich, para quem o Estado e as corporações visam a
institucionalizar, sob a justificativa de proteger, toda a existência humana -
por meio do ordenamento e da regulação do trabalho, da educação, da saúde, da
morte... - para que, assim, possam controlar e instrumentalizar a produção de
cada pessoa.
* * *
Finalmente, concordo
também com Nozick, para quem o Estado de nosso tempo é uma institução cuja
principal função não mais é garantir a segurança física e jurídica dos
indivíduos e dos grupos, mas escravizar-nos com o propósito de perpetuar a sua
própria existência - isto é, a existência das elites políticas, burocráticas e
econômicas que vivem do próprio Estado.
* * *
Em suma: eu não acredito
na democracia representativa moderna, mas acredito em um certo tipo de
democracia: uma democracia sem eleições, sem organização burocrática e,
portanto, sem elites dependentes do Estado - uma democracia em que todos os
cidadãos são efetivamente iguais e têm a mesma possibilidade de participação
política, independentemente da influência da sua família ou da sua riqueza.
Anarquismo? Não
exatamente. Aristóteles acharia graça se soubesse que alguém, vinte e três
séculos depois, viria a chamar uma constituição como a de Atenas -
evidentemente, corrigindo os seus erros mais graves, como a escravidão e o
rebaixamento das mulheres - de "anarquista".
A minha posição política
não é anarquista, mas profundamente democrática: defendo a democracia em que
nenhum interesse institucional, empresarial ou setorial se sobreponha aos
interesses dos indivíduos - quer isolados, quer reunidos em assembléia. Uma
democracia que sobretudo limite o poder dos poderosos - o poder das empresas,
das instituições, do dinheiro, da influência política e da própria organização
estatal -, para que, como num sonho de Isaiah Berlin, a liberdade dos antigos e
a liberdade dos modernos possa ser finalmente conciliada.
*Prof. Dr. Gustavo
Bertoche
Filósofo. Escritor.
Musicista. Filósofo Clínico. Livre Pensador.
Teresópolis/RJ
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