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Fragmentos Filosóficos, Literários, e algo mais*


"O poeta não se cansa de percorrer a Lapa, o velho bairro boêmio, em cujos bares e ruelas os intelectuais cariocas saboreiam versos e pensamentos (...) A Lapa, com suas ruas estreitas, seu casario antigo, sua paisagem popular, é o bairro ideal para o poeta andarilho, que acorda as aves noturnas, desperta os bêbados nos pórticos e atiça os cães sonâmbulos"

"O poeta se torna um frequentador habitual do Café Vermelhinho, no centro do Rio, em cujas meses se aproxima dos amigos que se tornarão inseparáveis nesse tempo, como o cronista Rubem Braga, o jornalista Moacyr Werneck de Castro, o arquiteto Oscar Niemeyer e o arquiteto Carlos Leão"

"Nas mesas agitadas do Vermelhinho, Vinícius descobre aos poucos que, depois de alguns chopes, a máscara de poeta sério que Drummond veste como um uniforme social sempre 'esgarça-se num riso silencioso, que lhe vem de uma paisagem casta e longínqua na alma, e sua cabeça baixa se levanta, suas mãos mortas se reencarnam, e ele tamborila na mesa uma alegria rápida e extraordinária"

"(...) Vinicius de Moraes teve, ao longo da vida, nove casamentos oficiais. Em cada um deles o poeta se metamorfoseou como um camaleão, adaptando sua alma lírica e moldável ao temperamento e espírito da mulher amada. A história de sua vida pode ser dividida no relato de seus casamentos"

"(...) O poema 'Azul e branco' (...) lida com a linguagem de um ponto de vista moderno e experimental. Aqui aparece mais uma vez o Vinícius de Moraes camaleão, capaz de incorporar gêneros, estilos, escolas díspares, de se transmutar segundo as vagas do tempo e das circunstâncias. Esse é talvez o poema mais expressivo do Vinícius cambiante, inquieto e sempre pronto a se desmentir e se ultrapassar"

"(...) Os dois gostam desses longos passeios em que podem conversar, sem interrupções, sobre suas grandes paixões imateriais, como a filosofia de Friedrich Nietzsche e o cinema de Charles Chaplin"

"(...) Tu, Copacabana, Mais que nenhuma outra foste a arena, onde o poeta lutou contra o invisível, E onde encontrou enfim sua poesia, Talvez pequena, mas suficiente, Para justificar uma existência, Que sem ela seria incompreensível"

"Vinícius de Moraes entra de corpo e alma em Ipanema provavelmente em 1945 (...) O amor do poeta pelo bairro correu mundo na letra de 'Garota de Ipanema', música composta muitos anos depois em parceria com Tom Jobim. 'Moça do corpo dourado, Do sol de Ipanema, O seu balançado é mais que um poema, É a coisa mais linda que eu já vi passar'"

"Vinicius de Moraes é um dos grandes arquitetos do Rio de janeiro contemporâneo. Não só em seus poemas e letras de música, mas também nas muitas entrevistas, conversas à mesa de bar, comentários improvisados durante os shows, cartas aos amigos e, em particular, nas crônicas que publicou na imprensa. Vinícius ajudou a desenhar o Rio encantador, mas também decepcionante, absolutamente paradoxal que hoje conhecemos"

"Ao falar do Rio, ao transformá-lo em matéria literária, ao poetizá-lo, é também de si mesmo que o poeta, todo o tempo, está falando. Vinicius, o camaleão, o Zelig de muitas faces, o homem inquieto para quem a felicidade está sempre na mudança e na surpresa, parece ter se dissolvido na cidade, ter espalhado suas identidades transitórias pelas diversas imagens do Rio de Janeiro"

"Viver, para o poeta da paixão (...) É agir como os pássaros que, em vez de brigar com os ventos, a eles se moldam, deixando-se levar pela fúria e pela inconstância do ar para chegarem mais tarde, salvos - ainda que não se possa dizer que inteiros - à terra firme"

"Na faixa dos 25 anos de idade, ao romper com a formação metafísica e se deixar invadir pelo calor do cotidiano, ele passou a negar também, em definitivo, a fronteira lógica que separa a poesia da realidade. A partir daí, a vida se torna uma arte e a arte passa a ser vista como uma forma de viver. Poeta passa a ser, então, não mais o homem que escreve versos, mas aquele que vive como poeta"

"O poeta, para ele é o homem que se deixa encharcar por seu meio e que, assim, se oferece como porta-voz da realidade (...) Há uma cidade diferente para cada poeta diferente, como se o poeta e sua cidade se revezassem, sincronizados e fiéis, mas sempre inquietos, em um complexo xadrez de identidades"  

*José Castello in "Vinícius de Moraes". Ed. Relume Dumara. RJ. 2005.  

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