Pular para o conteúdo principal

Fragmentos Filosóficos, Devaneios, e algo mais*

 "(...) Aqui também, o terreno é incerto; somos levados a nos apoiar em descrições (do mundo psicótico) feitas a partir do universo do homem 'normal'. O comportamento do psicótico acha-se aí evocado não como um sistema coerente, mas como a negação de um outro sistema, como um desvio (...)"

"(...) Palavras emprestadas ao léxico comum recebem um sentido novo que o esquizofrênico mantém individual (...)"

"(...) O fantástico leva pois uma vida cheia de perigos, e pode se desvanecer a qualquer instante. Ele antes parece se localizar no limite de dois gêneros, o maravilhoso e o estranho (...)"

"A definição clássica do presente, por exemplo, descreve-o como um puro limite entre o passado e o futuro. A comparação não é gratuita: o maravilhoso corresponde a um fenômeno desconhecido, jamais visto, por vir: logo, a um futuro; no estranho, em compensação, o inexplicável é reduzido a fatos conhecidos, a uma experiência prévia, e daí ao passado (...)"  

"(...) Refiro-me aqui ao livro de Alan Watts: 'Pois neste mundo não há nada de errôneo, nem mesmo de estúpido. Sentir um erro é simplesmente não ver o esquema no qual se inscreve tal acontecimento, não saber a que nível hierárquico este acontecimento pertence (...)"

"(...) É curioso observar aqui que semelhante ruptura dos limites entre matéria e espírito era considerada, em especial no século XIX, como a primeira característica da loucura (...) Os psiquiatras afirmavam geralmente que o homem 'normal' dispõe de muitos quadros de referência e liga cada fato a um deles exclusivamente. (...)"

"(...) Contrariamente ao pensamento dito normal que teria que ficar dentro do mesmo domínio, ou quadro de referência, ou universo de discurso, o pensamento dos esquizofrênicos não obedece às exigências de uma referência única (...)" 

"(...) Mas é justamente o que se passa na literatura fantástica: o limite entre matéria e espírito não é aí ignorado, como no pensamento mítico por exemplo; ele permanece presente para fornecer o pretexto às transgressões incessantes (...)"

"A visão pura e simples descobre-nos um mundo plano, sem mistérios. A visão indireta é a única via para o maravilhoso. Mas esta superação da visão, esta transgressão do olhar, não são seu próprio símbolo, e como que seu maior elogio ? (...)"

"(...) a própria literatura. Temos muitas vezes evocado o estatuto paradoxal desta: ela não vive senão naquilo que a linguagem cotidiana chama, por seu lado, de contradições. A literatura assume a antítese entre o verbal e o transversal, entre o real e o irreal (...)" 

*Tzvetan Todorov in "Introdução à Literatura Fantástica". Ed. Perspectiva. SP. 2004. 

Comentários

Visitas