Talvez. O que significa a
palavra “talvez”? Nada. Talvez é uma palavra intermediária entre o sim e o não.
Quando alguém não sabe o que dizer ou não quer se comprometer com algo, solta
um talvez no inicio da frase e automaticamente se livra da obrigação.
Talvez eu possa ir no
jantar amanhã. Qual o conteúdo dessa frase? Nenhum, pode ser que consiga ir no
jantar ou pode ser que não compareça. Esperar até amanhã é muito tempo quando
se tem um talvez por trás. Talvez é uma palavra vazia, ilusória, parece que está
dizendo algo mas na verdade não diz nada, semeia a dúvida e a insegurança.
Talvez é uma palavra
muito utilizada por políticos. Dizem que quando um político responde sim,
podemos interpretar como talvez. Quando disser talvez, o significado é não. E
quando o político disser não, ele não é um bom político.
Outra palavra que tem
sentido dúbio é a conjunção “mas” e seus parentes próximos: porém, contudo,
todavia, entretanto. Sempre existe um mas pra estragar ou contradizer uma
afirmação prévia. Ela é muito bonitinha, mas parece que é um pouco manca. O
carro é ótimo, exatamente o que estava procurando, mas um pouco caro para o meu
orçamento. Mas é uma palavra que desarranja, perturba, confunde e atravanca o
sentido da conversa.
Uma terceira palavra
adicional para a lista das ambíguas, evasivas e imprecisas: “depois”. Por que
deixar para depois? Por que não agora? Por que deixamos as coisas pra depois?
Depois eu ligo, depois eu faço, depois eu mudo. Depois pode ser tarde, depois a
prioridade pode mudar, depois a saudade passa, depois a vida acaba.
Utilizei o exemplo destas
três palavras com a intenção de mostrar que embora possa parecer que sejam
utilizadas para desconversar ou contornar o assunto, podem servir também para
abrir novas possibilidades, não prendem o interlocutor em uma idéia única ou
certeza absoluta. Podem causar problemas, equívocos, desencontros, no entanto
são palavras libertárias e como tal, não aceitam limitações.
Por outro lado, existem
palavras que confinam, represam, aprisionam e deixam o comunicador refém da
sentença transmitida. “Porque” deve ser a campeã de subjugar pareceres e
opiniões. Na medida em que se coloca um porque na oração, outras alternativas
que poderiam ser viáveis, automaticamente desaparecem.
Cheguei atrasado porque
fiquei preso num congestionamento. Pronto, a explicação foi dada e geralmente
convence ou acalma os ânimos. Mas será que o atraso aconteceu porque o
despertador não tocou, porque o pneu do carro furou, porque precisou levar o
filho na escola, porque encontrou alguém e ficou conversando. Existem mil
porquês para cada situação, mas quando escolhemos um, parece que os outros se
anulam, não fazem mais sentido ou tornam-se desnecessários.
Por que vocês se
divorciaram? Certamente não existe apenas um porquê para explicar a separação,
cada parceiro terá a sua versão da desunião. Por que você me ama? Cuidado com a
resposta, pois um porquê vai deixar de lado vários outros porquês ou, pior
ainda, vai tentar externar um sentimento muito maior que palavras possam expressar.
Vivemos em uma sociedade
onde é preciso racionalizar, tudo precisa
um porquê para ser validado. Duvido que você consiga escrever um texto
onde não sejam inseridos vários porquês. É muito difícil responder a pergunta “Por que você fez isso?” com um não sei, ou
simplesmente com um leviano e inconseqüente porque sim. Seriam respostas
libertárias, mas ainda não estamos prontos para isso, estamos presos aos
porquês.
Somos prisioneiros de
tantas coisas que nem percebemos. Palavras como “impossível”, “jamais”,
“nunca”, colocam-nos em gaiolas de
erudição e certeza impedindo-nos de voar, e só conseguem se manter
inatingíveis devido aos milhares de porquês que as cercam e protegem. Até
quando vai durar a palavra nunca? Até alguém se libertar e dizer que talvez o
nunca possa ter um fim. Até quando dura
um “para sempre”? Até o dia em que o “para” for maior que o “sempre”. Tomara
que um dia possamos aprender que o “para sempre” funciona melhor para memórias
que para pessoas.
Palavras podem libertar,
prender, ferir, curar, matar.
Por que estou falando
neste assunto que mais parece uma aula de gramática? Sei lá, deu vontade.
Jamais saberemos, mas talvez depois...
*Dr. Ildo Meyer
Médico. Escritor. Mágico.
Filósofo. Filósofo Clínico.
Porto Alegre/RS
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