Recentemente uma pessoa querida solicitou indicação de um livro sobre Filosofia Clínica que fosse introdutório. Logo falei de “Filosofia Clínica: propedêutica” de Lúcio Packter, porém, em seguida eu disse “Pérolas Imperfeitas - apontamentos sobre as lógicas do improvável” de Hélio Strassburger. No instante em que escrevo, percebo que este último é para mim, introdutório e avançado.
Relendo-o esse mês, dez anos após
minha primeira leitura, percebo que o método da Filosofia Clínica, talvez,
consiga abrir caminhos para o fluir das águas que somos, como já falava
Heráclito sobre este tipo de devir. O que percorre vales, abre caminhos
formando contornos em busca de melhores lugares onde possa seguir seu curso,
deságua em mares.
Um tipo de devir onde uma parte das
águas, vez ou outra empoça em um leito cômodo enquanto outra parte precisa
seguir e como isso tudo faz parte, organicamente, de um sistema que afeta
enquanto é afetado. Por isso, talvez, a Filosofia Clínica seja um método
contracultural que tende a cooperação para fluxos existenciais mais livres, que
tendem a proteger os inéditos de cada um.
Já o “espectro institucional
(normativo, tipologizante, classificatório) trabalha para convencer a pessoa em
estado nascente a deixar de lado suas vontades” (STRASSBURGER, 2012. p.75), em
outras palavras, operam como uma espécie de barreira, não bastassem nossos
próprios travamentos! Com isso, me arrisco a pensar aqui, em uma estética das
contenções dos fluxos existenciais possíveis.
O espectro da “doença mental”, a
metáfora mal contada, essa quimera que tem transformado comportamentos e
existências em doença, inevitavelmente tende a ser essa represa que guarda
nossas águas internas em paradigmas colonizadores de nossas próprias histórias.
Muitas vezes impedindo de acessarmos nossa identidade, nos privando de alguma
integridade e prendendo nossas narrativas de vida onde não há espaço,
justamente quando algo novo quer surgir.
Nesses momentos não é incomum a
pessoa ser taxada de louca, ser julgada, ser contida, ser medicada, ser
obrigada a retornar ao “normal” quando ali já não é mais seu lugar. Nesses
momentos vemos pessoas em lágrimas, expressividades revoltadas pela sensação de
incompreensão, criando fantasias sobre a realidade, apagando em desmaios,
pessoas buscando “uma entrada de ar para a singularidade desperdiçada”.
(STRASSBURGER, 2012. p.31)
Agora me pergunto: não seriam essas, explícitas ou sutis, formas de violência? Por quais estéticas queremos e podemos direcionar nossas existências? As estéticas das contenções? As estéticas dos fluxos mais livres?
*Dionéia Gaiardo
Filósofa Clínica.
Vale dos Sinos/RS
**Texto originalmente publicado na edição de inverno da Revista da Casa da Filosofia Clínica.
Referências:
PACKTER, Lúcio. Filosofia
Clínica: propedêutica. 3ª ed. Florianópolis: Garapuvu, 2001
STRASSBURGER, Hélio. Pérolas
Imperfeitas - apontamentos sobre as lógicas do improvável. Porto Alegre:
Ed. Sulina, 2012.
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